terça-feira, 11 de agosto de 2020

O Mendigo K. e o sêmen como anti-depressivo...

"Mio generale, morte ai cretini."
"Caro amico, il suo programma è tropo ambizioso"
Charles De Gaulle

Nesta manhã de terça-feira, apesar da paranóia geral, com o vírus invadindo a república por todos os lados, arrisquei uma saída até a padaria da esquina. Uma padaria meia-boca, onde da porta de entrada já se sente o cheiro do bromato de potássio com o qual, padeiros analfabetos envenenam os pães. Uma padaria que, apesar de existir há uns cinco anos, parece ser ainda provisória e para onde acodem, principalmente pela manhã, hordas do lupemproletariado. 
Só a frequento pela proximidade com minha casa e por curiosidade antropológica. 
Lá pelas 9 da manhã, as mulheres que moram nos andares superiores, três ou quatro em cada cômodo de uns 28 metros quadrados, descem famintas para o café com leite num copo de vidro e para o pão com manteiga, aquela manteiga amarelada como graxa de locomotiva que os comerciantes compram em tonéis, mas que servem em potes como se fosse butter made in Germany. 
Ao chegar lá, deparei-me logo de cara com o Mendigo K. A merda de viver nessas cidades provincianas é que a cada passo que você dá encontra um conhecido; um parente; um inimigo; um credor; uma freira que quer converter-te; um policia; um mendigo; um burocrata; um exilado ou um poeta disfarçado; um sujeito qualquer que te deve cinco reais e que vem sem justificar e fazer um discurso interminável sobre a inflação e a falência econômica do mundo; uma malandrinha que você nunca viu na vida, mas que jura que já te conhece de algum lugar e etc,. 
Estava ocupando uma mesa externa, com uma mulher uns 20 anos mais jovem do que ele. Foi logo, meio servilmente, puxando uma cadeira para que eu me sentasse e apresentando-me a moça: Muito prazer..., Gisele! Gisele? (Pensei logo num dos primeiros livros que li na vida: Gisele, a espiã nua que abalou Paris.
Caralho, a vida é mesmo uma comédia!
Antes mesmo do garçom ter trazido meu café com leite e pão com butter alemã, disse que precisava contar-me uma descoberta científica vinda dos psicólogos evolucionários norte-americanos: o sêmen como anti-depressivo. Claro que para dizer sêmen, ele usou uma palavra mais comum entre o lupemproletariado.
Achei que estava querendo ironizar-me, mas fiquei ouvindo. A Gisele, com uma expressão típica do oficio e de quem fareja a distância uma nota de $100 no bolso dos otários, parecia reforçar cada uma de suas palavras. Recentes pesquisas - foi dizendo - demonstram que no sêmen humano há altas doses de elementos químicos, como o cortisol e a serotonina que, todo mundo sabe, funcionam como anti-depressivos. Como o canal vaginal (para dizer vagina, ele usou novamente uma expressão comum no mundo do lupemproletariado) é repleto de veias, vasos e paredes absorventes, o sêmen que é lançado ali é rapidamente absorvido, garantindo à mulher, a cada phoda, os efeitos de um anti-depressivo...
Eu que quase nunca levo a sério seus delírios, nem os dele e nem os de ninguém, principalmente num boteco, por incrível que pareça, entendi que havia alguma coisa de razoável e de possível naquela "descoberta". E ele, depois de fazer várias citações, de usar como  exemplos suas próprias relações, agregou - passando delicadamente a mão pelo rosto da suposta Gisele - não vês como ela e suas colegas estão sempre felizes e quase eufóricas?
Dirigi-me a ela com um olhar indagativo, e ela confirmou de imediato aquela teoria pra lá de revolucionária, que nem os KAMA SUTRA, Sade, Freud e Reich se atreveram a divulgar. 
E foi "confessando": doutor, se fico uma semana sem clientes, tudo bem, mas se fico quinze dias no seco, começo a sentir-me triste e deprimida. E não pense que é por causa do dinheiro ou por competição com minhas colegas, não. É como se me faltasse alguma coisa química, me entende? Um novo cliente.., e pronto! Eis-me feliz e quase maníaca, novamente... 
Portanto, é incorreta aquela ideia de que somos apenas como  robots/enfermeiras que retiramos sêmen de nossos clientes! É exatamente o contrário: nossos clientes é que são como robots/enfermeiros que vêm, de vez em quando, nos aplicar uma dose de anti-depressivos... e que ainda por cima, nos pagam para isso. O tal orgasmo que eles dizem sentir (que aliás, não temos a mínima ideia do que seja), é a gratificação com que o processo evolutivo lhes garante, para que voltem sempre e para que não se rebelem contra essa servidão voluntária... Se isso é uma sacanagem da natureza, - disse rindo e com uma expressão cheia de lasciva - não temos nada com isso! Observe, - falou com inflexão na voz- : observe que até as lésbicas sempre têm por perto um "amiguinho" para, de vez em quando, lhes dar uma turbinada... (escrevi turbinada, mas ela falou bombada!)
O Mendigo deu um soco na mesa e esbravejou: Teoria confirmada!
Tomei um gole de café e aproveitei para  pensar nas recentes noticias de que em alguma região da África, mulheres estariam sequestrando homens para roubar-lhes o sémen. E  também na culinária bíblica onde as mulheres quase obrigavam seus maridos a comer grão-de-bico diariamente...
Ele tomou a palavra em seguida para, cinicamente, fazer uma dedução cartesiana: Então, doutor, está aí a explicação para o nervosismo, a irritação permanente, a ansiedade e a depressão das donas de casa! Como não suportam mais nem olhar para seus maridos e ao mesmo tempo não se atrevem a arranjar um amante potente, ficam com carência desses dois produtos...
E, já que é assim, concluiu - voltando-se novamente para a Gisele - quem deveria pagar não é o CLIENTE, mas a PUTA. 
Explodiu numa gargalhada.
Senti que aquele papo me havia sido mais interessante do que meus vinte e tantos anos de universidades... Antes de retirar-me, pedi que me indicasse a bibliografia de onde havia retirado tais hipóteses ou tal teoria, mas ele, como a maioria dos intelectuais e dos professores, com seus resquícios paranóides, sentiu-se ameaçado, quis "proteger seu saber", desconversou, dissimulou e deu um jeito de esconder suas fontes...

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