segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Feliz ano novo!!! E la nave va...




"No fundo, bem lá no fundo, nós somos todos fadistas: do que gostamos mesmo é de vinhaça e viola e bordoada, e viva lá sô compadre“ 
Eça de Queiroz
(Traçando o perfil dos portugueses)



Há filas para se comer um bolinho de bacalhau com uma taça de vinho Madeira ali na Rua Augusta... 
Lisboa se inquieta com o 'ano novo' que chega. Esta programada uma grande festa às margens do Tejo. Mas... por 'medidas de segurança' neste momento a policia esta esvaziando a Praça do Comercio, para uma 'varredura'.  Os recentes atentados no Cairo e no Marrocos turbinaram a paranóia por aqui... E há chineses, árabes, italianos, indianos, romenos, e sul americanos aos montes nas ruas. E, claro, muitos mendigos. Todos no seu mesmo território de sempre e com a mesma máscara. Já conheço quase todos ainda de "outros carnavais". Curiosa e tragicamente eles também envelhecem. A senhora cega da flauta, por exemplo, parece outra pessoa, o vazio dos olhos que lhe faltam que registrei há uns três anos parece ter diminuido. E um rosto com dois buracos a menos nem parece um rosto... Muitos ainda estão com seus cachorros. Há um sujeito que se fantasia de indio; outro que lembra o Chaplin; duas ou três ciganas anciãs, um sujeito que parece um padre decaído, um gorducho meio asqueroso e uma senhora simpática abraçada com seu cachorro sem pedigree. Um moço tocando violoncelo; dois italianos num acordeão e uma mulher bem jovem também numa flauta doce... Muitos negros desses que conseguiram sobreviver a travessia do Mediterrâneo e que agora passam os dias vendendo porcarias brilhantes e luminosas trazidas da China; um casal de nórdicos que agitam marionetes e etc. 
Quase junto ao Arco que dá entrada à Praça, um senhor já meio gagá ouvia de um aparelho de som a música CAVALEIRO MONGE. Um texto que, todo mundo sabe, é de Fernando Pessoa.... Alguém que nunca vi na vida, com uma serpente tatuada no pescoço passa quase correndo, me bate nas costas e grita: "Feliz ano Novo!" E la nave va...









quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Finalmente o Museu do Prado...

"Aquel hombre era, a mis ojos, un poco el resumen de toda una tropa intelectual de izquierdas que, sin el prestigio de los grandes mártires ni el oportunismo de los pequenos vividores, se había quedado entre dos aguas, en las entrecojas de la vida española, pasando hambre y viviendo a otra luz, a un sol lejano y anterior, que era el único  que les iluminaba un poco las paginas primeras e ilusionadas que empezaron a publicar cuando España todavía era libre y ellos eran adolescentes..."
Francisco Umbral
(IN: La noche que llegué al café Gijon, p. 35)

Respeito aos museus, sou discípulo fervoroso de Marinetti. Mas estar em Madrid e não queimar 7:50 euros no Prado (7:50 é o preço para aposentados, os que ainda estão na escravidão ativa pagam 15:00) é mais do que uma infamia. Acho ridículo  ir vinte ou trinta vezes na vida ver os mesmos Caravagios; o cavalo de Guernica, os lances da guerra, de Goya, um perfil de Pio Baroja ou mesmo a gorduchinha Eugenia Martínez Vallejo desnuda, de Juan Carreño de Miranda. Qualquer  sujeito que ainda tem tesão pela vida sabe que essas filas imensas diante das bilheterias simbolizam, no mínimo, a babaquice do mundo.
Entrei assim mesmo. Confesso que com a intenção praticamente única de ver a pintura Menipo, de Velásquez, o filosofo grego que ninguém, nem os professores de filosofia, conhecem.
Aproveitei para deter-me uns minutos diante Dos borrachos, também de Velázques; do San Onofre, de Francisco Collantes;  de Lot y sus hijas, de Francisco Furini; de Um músico confortando a São Francisco, de Francisco Ribalta e de Diana y sus ninfas siendo surpreendidas por sátiros, de Rubens. Sem falar dos Tres músicos ambulantes, de Jacob Jordaens e outros que não pude evitar por estarem no caminho... Valeu! 
Quando saí, a fila estava dando voltas na avenida do Prado, praticamente só petimetres e chupatintas, tanto da Europa, como da Ásia e da América latina. Foi-me impossível não lembrar de um parágrafo de Francisco Umbral: "Aquel hombre era, a mis ojos, un poco el resumen de toda una tropa intelectual de izquierdas que, sin el prestigio de los grandes mártires ni el oportunismo de los pequenos vividores, se había quedado entre dos aguas, en las entrecojas de la vida española, pasando hambre y viviendo a otra luz, a un sol lejano y anterior, que era el único  que les iluminaba un poco las paginas primeras e ilusionadas que empezaron a publicar cuando España todavía era libre y ellos eran adolescentes..."
Madrid anoiteceu mais cedo e de tanta gente nas ruas parece Beijing.

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

El Gordo, la navidad... y la condición humana...

[... Aquella tertulia era un poco como el rompecabezas de España, el único sitio donde se había conseguido el difícil equilibrio nacional, la reconciliación entre las dos Españas en torno de una jarra de agua, y el que venía de las cárceles de Franco le llenaba el vaso al que venía de los cuarteles triunfales, y el que vestía la ropa bien planchada de los Ministerios le ofrecía lumbre al que fumaba el tabaco callejero de los perseguidos. 
Claro que la guerra civil, me parece a mi, iba por dentro...]
Francisco Umbral
(IN: La noche que llegué al Café Gijón, p.22)

Para conhecer as entranhas da Espanha não basta frequentar as touradas,  roer diariamente uma Pata Negra ou ir rebolar as cadeiras num tablado de flamenco... é fundamental estar por aqui nos dias que antecedem a loteria maior do ano, que é a natalina e que eles chamam de O Gordo.
O país inteiro gira ao redor desse sorteio. Até o padre de Mérida, numa de suas prédicas, incentivava os beatos que lotavam a catedral principal a apostarem na sorte. (Soube, logo depois, através de um indiano, vendedor de bilhetes na rua, que além do Estado, a maior fatia dos lucros lotéricos vai para a igreja católica). Enfim, a Espanha do Opus Dei e da Monarquia é, na realidade, um imenso cassino. E numa boa! 
Na hora do sorteio, com meninas ainda crianças  "cantando" os números sorteados, o país entra em catatonia. Garçons, taxistas, putas callejeras e donas de casa, las viejas burguesas con sus copas de anis, vendedores de hachis, lixeiros, motoristas de ônibus e até os moradores de rua (são 40 mil na Espanha)...  essa gente que en "todo cree y todo le defrauda" - Como diria  F. Umbral - fica excitada conferindo os resultados...  os olhinhos injetados de ganância, de voracidade e de miséria.
Depois, como em qualquer lugar do mundo, aparecem os ganhadores, estourando champanhe, licores e etc. As familias se abraçam e se fazem juras de amor que durarão até a porta do banco... Aparecem parasitas e "poetas sem sorte" por todos os lados... A felicidade parece existir! E a condição humana fica evidente...
Nos dias seguintes, é curioso deparar-se com velhinhos aposentados, desempregados, bêbados solitários ou outros  representantes da escória social nas paradas de trens ou de ônibus, confabulando e trocando mentiras sobre seus números: Segundo cada um deles, não se tornaram milionários por pouco, por muito pouco!  Um mente daqui o outro mente dali, mentiras que lhes dão energias e tolerância para seguir arrastando seus trapos e suas desgraças pelas ruas repletas de obesos e de diabéticos... e já se preparando para  EL GORDO do ano que vem e para a comilança de natal... E Cristo vem aí... Bah! Povera gente!!!

domingo, 23 de dezembro de 2018

Que la tierra te sea ligera...

Quem passar por Mérida (Espanha)... quando, depois de um dia, já estiver cansado e de saco cheio de ver pedras lapidadas e amontoadas pelos romanos, pelos visigodos ou pelos árabes, antes de correr em desespero para a ferroviária vale a pena visitar o Centro Funerário dos Columbários, que fica atrás do Mitreo. 
Digamos que é um cemitério mais brando e mais leve, situado no meio de oliveiras e de ciprestes num formato bem diferente dos tenebrosos que conhecemos. 
Num dos monumentos que albergaram os ossos e que agora protegem as cinzas de um sujeito chamado Tito Corintho que morreu com 45 anos, lá pelo século II, há uma inscrição medonha, mas poética: "que la tierra te sea ligera..."






























sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Madrid/Mérida... E la nave va...

Cachorros preguiçosos e incomodados que não podem dormir com a frequência dos trens. Fontes com grandes tubulações desativadas. barracões abandonados, imensos outdoors  fazendo publicidade de inseticidas... O trem acelera e balança rumo a Mérida. Placas antigas indicando algum perigo elétrico. Casinhas retangulares de dois pisos iguais as do interior da região moderna da Tailândia, Conteiners repletos de alguma coisa não identificada. Os vagões balançam e os espanhóis falam obsessivamente. Se trepassem com a mesma fúria com que falam a Espanha já teria uma população maior que a da China. Penso nos trens que iam a Auschwitz. O céu esta coberto. Choverá? Até agora nenhuma tribo de ciganos acampada no lado dos trilhos. Para onde teriam ido? Os repatriaram para a Romênia? Ou para a India? Olivais seculares. Cada árvore exibe sua idade no tronco. Uma mulher coberta de preto (de calcetines negros, como diria Francisco Umbral) relata que esteve na Colombia para repatriar o corpo de seu filho morto e que a burocracia foi quase mais terrível que a morte. Mas o fazia com cautela, porque intuía que falar mal da América Latina é indiretamente falar mal de seus antepassados. Um raio de sol se espalha pelos campos exatamente quando passamos pela estação de Talavera de la Reina. Alguém ri  no vagão da frente. Todos passageiros tossem e assoam o nariz em seus lenços de papel que em seguida enfiam no bolso, mesmo repletos de catarro. Que neurose escatológica é essa? Penso na gripe espanhola. Pilhas de "dormentes" de concreto. Um cavalo com cara de paisagem observa o trem que passa. No meio da imensidão uns blocos brancos que lembram algum e melancólico  cemitério agrario. Vacas e ovelhas em circulo ao redor de umas lagoa natural também lembram o Vale do Amanhecer em dias de rituais. Imensas máquinas de ferro desbotado imóveis ao lado de celeiros também imensos, como se hoje fosse domingo. Mas não é. Feriado pré natalino. Apologia da preguiça. Bandos de pequenas aves que fazem piruetas sobre o solo recém arado parecem imitar os gafanhotos que lá nas anedotas bíblicas arruinaram os campos egípcios... Pedras estreitas e pontiagudas que emergem da terra dão a uma colina o mesmo ar sombrio daquele cemitério judeu de Praga... Oropena de Toledo... Mirabel... Cáceres... Mérida...  Por todos os lados alguém batendo palmas e representando a choradeira do flamenco... E la nave va...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Pequeña teologia de la lentitud...

No fim das contas... "preferimos hurgar en la herida, comer a diario 
el pan rancio de nuestras miserias..."
 José Tolentino Mendonça
(IN: Pequeña teologia de la lentitud, p. 21)