sábado, 29 de abril de 2023

A Lei das fake news e as gaivotas de Solovetsky......... Ou: o homem contra si mesmo...


"La memoria no es solo responsable de nuestras convicciones, sino también de nuestros sentimientos..."

Los abusos de la memoria, 

Tzvetan Todorov




Ninguém, que ainda tenha o mínimo de tesão pela vida, discorda que a INTERNET é a maravilha das maravilhas!, não é verdade?

Em dois minutos, nesta manhã ensolarada, - por exemplo -, posso visitar e ver o que há nas gaiolas naquelas ruazinhas da periferia de Hong Kong. E até, dominando o mandarim, ouvir as histórias do proprietário, um velhinho, cujo pai participou da Grande Marcha, ao lado de Mao Tsé Tung. Isso não é o máximo? Uma maravilha? A maior façanha que o homem já  conseguiu realizar nestes 6 mil anos de masoquismos, de fracassos, de desgraças e de misérias?

Depois de passear pelos becos de Hong Kong, sem calçar o tênis e sem sair de minha mesa de estudos, posso bisbilhotar também a Biblioteca Nazionale Centrale di Roma em busca de algum documento imaginário ou sobre a vida e a obra de Paganini; Ou descer às minas de carvão chilenas, descritas por Baldomero Lillo ou, mesmo sem ser botânico, embrenhar-me na floresta amazônica para assistir ao nascimento da flor-da-lua, daquele cactus que só floresce uma vez por ano e cuja flor fica aberta apenas entre o nascer e o por-do-sol...  Ou, assistir ao vivo os vômitos incandescente do Merapi, lá na Indonésia... Isso não é uma maravilha? E para aqueles energúmenos que eram dependentes da Playboy, ver agora tudo com sons e em movimento, não é o máximo?

Ou estão pretendendo voltar ao telégrafo do Samuel Morse?



E mais: a Internet deu ao populacho planetário, e aos escravos contemporâneos, a chance de, além de conhecer a origem das palavras, saber o que se passa no covil de seus algozes; de livrar-se dos 10 ou 12 canais de televisão e das milhares de rádios que envenenam e intoxicam o dia-a-dia de todo mundo com religiões e propagandas ridículas, conceitos e moralismos cabotinos... Deu a chance de qualquer um publicar seus textos e suas idéias, sem ter mais que passar por um tribunal de hienas e de farsantes. De ouvir a música que quiser sem ter que submeter-se ao superfaturamento da gangue cretina dos comerciantes e, mais: de desmistificar os charlatanismos vigentes.. E até mesmo de ver-se livre daquelas filas imensas diante dos bancos para ir servilmente depositar suas economias aos pés dos banqueiros...

Resultado? A turma assustou-se e, para seguir reinando, inventou a Lei das Fake News, que é mais um capítulo do HOMEM CONTRA SI MESMO... Ah, você ainda não leu Eros e Tânatos, do K. Menninger? (Então você está condenado a continuar sem entender nada,  a seguir sendo um boi de piranha, um peru de natal, um ratinho de laboratório, um pateta enrustido... e um pobre coitado...) Observem como o inconsciente suburbano vais aos poucos, contaminando tudo. E como, de um momento para outro, para essa gente, até as tais Big Techs vão do Sanctun Sanctorun e de uma fonte omniabrangente, ao Reino de Satã...

Regular... controlar, intimidar... proibir... coibir... multar... prender... reeducar... higienizar... moralizar... decidir o que é certo e o que é errado... O que é verdade e o que é mentira... o que faz bem e o que faz mal... O que é "próprio" e o que é "impróprio", o que é de Deus e o que é do Diabo... O que é discurso de ódio e discurso de amor... (lembrar que para Laing, o amor pode ser um disfarce da violência, e que para Bernard Shaw "dizer a verdade é a piada mais engraçada do mundo..."), o  que é Nazi e o que é republicano... O que é sagrado e o que é profano... O que é a Fina-flor -do-Lácio e o que é besteira... O que leva para o céu e o que empurra para o inferno... (E, o  mais importante: com quem ficam os anúncios e as publicidades???) Em síntese: a ideia é silenciar. Empurrar o populacho de volta para seu anonimato, para sua ignorância... e para sua submissão... Uma espécie da aporofobia. Sim, e tudo pode ter começado com a famosa frase do vigário Umberto Eco:

 "As redes sociais dão o direito de falar a uma legião de idiotas que antes só falavam em um bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a humanidade. Então, eram rapidamente silenciados, mas, agora, têm o mesmo direito de falar que um prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis"ao jornal La Stampa.

É quase impossível ler o "arcabouço" de tal lei, sem lembrar-se das gaivotas, lá nas ilhas Solovetsky, aquele arquipélago usado pelos russos, naqueles tempos, como campo de trabalho forçado. Lá se matava as gaivotas para que elas não pudessem ser usadas para levar mensagens dos prisioneiros...

Sim, é evidente que há nessa lei uma contaminação religiosa. Tânatos contra Eros! Observem os discursos de seus principais atores: são personagens conhecidos na cena política há décadas e que não conseguiram alterar uma vírgula do cenário patético em que a sociedade está mergulhada, e nem sequer combater o mosquito da Dengue... Gente que parece estar envenenada por uma espécie de 'pecado venial' e de uma culpabilidade semelhante àquela dos ascetas que se castravam e que iam desangrando, morrer como idiotas, no deserto. Sim, há nessa gente uma espécie de deserto interior, um conflito com o prazer, que os faz sentirem-se culpados... precisam punir-se e, pior: arrastar os outros com eles... Quem é que não se lembra "daquelas donas de casa que se tornam mártires de suas famílias ou de seus deveres domésticos e, com isso, tornam infelizes todos os que as cercam"???

Por falar em ascetas, volto a Karl Menninger: "O deserto era um retiro favorito de ascetas. Satisfazia seu desejo de solidão e do mínimo de estimulação externa. Além disso, era considerado o lar da Divindade. (observem-se os retiros de Moisés, Isaías, Jesus). Dizem que durante seis meses São Macário de Alexandria dormiu em um pântano e expôs o seu corpo nu às picadas de moscas venenosas. Que costumava carregar consigo oitenta libras de ferro e viveu durante três anos em um poço seco. Outro louco e fanático, São Sabino, só comia milho apodrecido depois de ficar um mês na água. São Benário passou quarenta dias e noites no meio de arbustos espinhosos e durante quarenta anos nunca se deitou para dormir, penitência esta última que foi também praticada durante quinze anos por São Pacômio. Alguns santos, como São Marciano, limitavam-se a uma única refeição por dia, tão pequena que continuamente sentiam os aguilhões da fome. De outro famoso santo, chamado João, afirma-se que durante anos inteiros permaneceu rezando, inclinado sobre uma pedra; que durante todo esse tempo nunca se sentou ou deitou, e que sua única refeição era o Sacramento que lhe levavam aos domingos. Alguns dos eremitas viviam em covas abandonadas por feras, outros, em poços secos, enquanto outros encontravam um congenial local de repouso entre os túmulos. Alguns desprezavam todas as roupas e rastejavam por toda parte como os animais selvagens, cobertos apenas por seus emaranhados cabelos. Na Mesopotâmia e em parte da Síria existia uma seita conhecida pelo nome de "passadores" que nunca dormia sob um teto, não comia carne e nem pão, mas passava o tempo todo na encosta das montanhas e comia capim como o gado. A limpeza do corpo, para essa gente, era considerada poluição da alma e os santos mais admirados tornaram-se uma pavorosa massa de sujeira empastada..."(IN: Eros e Tânatos, Karl Menninger, p. 110)





quinta-feira, 27 de abril de 2023

A LEI DAS FAKE NEWS... Uma espécie de novo mandamento......


Até aqueles que nunca abriram um livro na vida estão felizes porque os sábios de plantão incluiram o nome do Pelé no Michaelis... É provável que a partir de agora, seremos todos mais felizes...

Continuo minha releitura:

 "...Examinar o Lexicon Recentis Latinatis, contudo, serve para aumentar a consciência sobre nosso próprio idioma. Em geral, a convivência com a língua materna vai nos deixando cegos para a etimologia das palavras e das expressões mais usadas... (...) Desodorante aparece como foetoris delumentum ("eliminador de fedor"), o hambúrguer é isicium hamburgense ("picadinho à moda de Hamburgo"), e espaguete é pasta vermiculada ("massa em forma de vermes")."  Claudio Moreno (IN: O prazer das palavras, Vol. 1. p. 197)


  • “Não terás outros deuses diante de mim”. 

  • “Não farás para ti imagens de escultura”. 

  • “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão”. 

  • “Honra a teu pai e a tua mãe”. 

  • “Não matarás”. 

  • “Não adulterarás”. 

  • “Não furtarás”. (

  • “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo”.

  • “Não cobiçarás”. 

  • Não divulgarás fake news.


Não é nem necessário insistir que a Lei das fake news é uma inaptidão; um passo atrás, um retrocesso, um gesto de negação da ciência e da tecnologia; um pacto com a mediocridade... um conflito com a palavra, com o desejo e com o pecado; ressentimento contra si mesmo e um truque para proteger a gatunagem de 'alto padrão' e para ter o populacho sob as botas... algo que lembra aquela madre superiora que ordenava às suas novatas que não fossem nuas para a cama e que se amarrassem as mãos, para não cairem na tentação clitoriana...
Ao contrário de ser 'uma forma de coibir mentiras' (como se pretende), é uma tentativa de limitar e empobrecer as verdades... Mais ou menos como retirar das enciclopédias aquelas palavras e aqueles assuntos com os quais, por neurastenia, não sabemos lidar. Ora, quem tem mais de dez anos já teve oportunidade de entender que, neste circo secular em que nos debatemos, nenhuma mentira, assim como nenhuma verdade, é pura ou absoluta! Que UMA está sempre contida na OUTRA, e que quem tentar isolar o oxigênio e o hidrogênio, ficará sem a água. E mais: que lembrando a Bernard Shaw, todas as supostas verdades começaram como blasfêmias... e que o mentiroso e o mitômano têm fé em suas mentiras e em seus mitos. Aliás, observem como até hoje o mundo só levantou estátuas, templos e monumentos em memória a grandes mentirosos... E que a intriga sobre o assunto não é pela "verdade", mas apenas pelas verbas de publicidade... E que a mentira só é mentira para aquele que a recebe, aquele que a engendra crê e precisa dela para respirar na precariedade ordinária do cotidiano... Por mais que consideremos a fé como um sinal de desvario, sempre lembramos de Chateaubriand: "aqueles que nunca navegaram têm dificuldade para entender o que se experimenta quando, do convés do navio, já não vê mais do que a face austera do abismo..." E mais: que sem uma importante dose de fake news o chamado Iluminismo nem teria se estabelecido; e os templos, as universidades e os tribunais (inclusive e principalmente, os puteiros) seriam obrigados a fechar as portas, ou não? Mas, eis que mais do que de repente, ressurge, e até com certa grandiloquência demagógica, esse fragmento da filosofia e da teologia da miséria. Essa sociologia do aprisco... E agora, como livrar-se desse secreto fascínio pelas trevas? Dessa tirania sem tiranos? Desse farisaísmo? Dessa pregaria dos impérios sobre as colônias e dessa genuflexão das colônias para agradar aos impérios. Quanto tempo demorará ainda para que essa gente passe a defender também a idéia de uma lobotomia preventiva? Sim, trata-se de uma espécie curiosa de autofagia... Uma forma de manipulação das massas e bem mais cretina do que qualquer fake news, por mais idiota que esta seja... E se o povo, por si mesmo, é "burro" demais para discernir o que é "verdade" e o que é "mentira", então, que se diminua as fraudes oficiais e que se crie condições para que o povo seja instruído... 
Ora, não vamos, agora, turbinar o retardamento mental! 
Que todos aqueles que ainda conseguem pensar e que ainda sabem falar que pensem e que digam o que bem entenderem. Cabe a quem os ouve reconhecer o que tem sentido e o que não lhes compete.
O resto é abuso de poder. Prepotência, cretinice institucionalizada... e nostalgia por um tribunal inquisitorial...
E, o mais paradoxal, disso tudo, é que justificam essa nova lei com o argumento de que é necessário sufocar o delírio doentio de grupos neonazistas e neofascistas... Ora, mas quantas leis parecidas a esta foram promulgadas exatamente pelos históricos líderes dessa gente, lá no meio das loucuras nazis, das loucuras stalinistas, das loucuras de Mussolini e até nas loucuras do canibalismo de Idi Amin Dada???
E como é que ficam aqueles sonhadores do Maio de 68 que perderam a vida gritando estupidamente pelas ruas e cafés de Paris que: ERA PROIBIDO PROIBIR!
Enfim: que fracasso! Talvez a vida tenha sido arquitetada para ser assim tão ridícula...
Viva a INTERNET plena! 
Viva a INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PLENA! Já que a de outrora, todo mundo reconhece, está eivada de papagaiadas, de bundões esclarecidos e em plena decadência..




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terça-feira, 25 de abril de 2023

TERRA LIVRE... Os indígenas em transe... e a ilusão da demarcação do terreno...



"O parente mais simpático é aquele que nos manda, de quando em quando, um cartão postal duma terra muito distante..."

M.L. Descotte


Quem chegou ao Acampamento Terra Livre, nesta terça-feira, montado ali ao lado dos ministérios, onde estão acampados milhares de indígenas provenientes de diversas tribos, dependendo do horário, deve ter ficado confuso, pois durante umas 4 horas, os representantes transsexuais de cada tribo se revezavam nos microfones para denunciar o assedio e o acosso moral que, como trans, sofrem em suas regiões e inclusive no interior de suas aldeias.

Mas o objetivo da vinda desse povo à Brasília não era exigir a demarcação de seus territórios? Será que houve um mal entendido e que o território a ser demarcado é de outra natureza? (se perguntavam os mais malas...)

Estavam lá, no palco, umas dez pessoas quase todas vinculadas ao movimento LGBT Timbira, que iam se revezando no microfone: Eu sou da tribo X, sou homem trans e estou aqui para apoiar meus companheiros, contra a transfobia!

Eu sou da tribo Y, sou mulher trans, lésbica e sapatão e estou aqui para fortalecer a luta de minhas companheiras contra o machismo, a transfobia... etc, etc. E o diziam com veemência.

Alguém recitou as últimas palavras do índio timbira, lá no maranhão, índio que teria sido, lá por 1700, o primeiro homossexual executado por homofobia, por religiosos franceses. Amarrado na boca de um canhão teria sido despedaçado... (Um grupo de homossexuais está reivindicando que Timbira seja considerado santo pela igreja). Santo Timbira.


O auditório estava sempre lotado. A maioria, naturalmente, era de indígenas, mas havia gente de ONGS, de igrejas, funcionários públicos, estrangeiros, gente da mídia, simpatizantes e curiosos que aplaudiam e gritavam com os argumentos dos palestrantes que iam de Foucault às modernas terminologias de gênero, inclusive ao famoso toddis... Ao fundo, um arco-íris e um cartaz imenso que dizia: TERRA LIVRE.

Foi impressionante! Apesar da obesidade reinante, foram 4 horas dignas da pós-modernidade...