domingo, 26 de setembro de 2021

Cosme & Damião, o Mendigo K e a diabetes...



"O botão que se desprende nos consterna, acima de tudo, por ser uma folha morta que cai..."

Ramón Gómes de la Serna


Neste domingo, depois de uma ameaça de tempestade, com o clima mais ameno, a mendigada acampou ao redor de um mercado francês que fica aqui pelos arredores. Como cães em jejum, dispersos por lá, analisam o perfil das donas de casa e dos capachos que sempre as acompanham. Quando entendem que a coisa é favorável, se aproximam com aqueles argumentos proto cristãos tentando arrancar alguma migalha para sobreviver. E são milhares. Uns já estão se preparando para amanhã, no dia de Cosme & Damião, sair por aí recolhendo doçuras e todo tipo de porcarias para alimentar as cáries e a diabete.

O Mendigo K, que é mais mala de todos, sempre se diz indignado com esse costume estúpido, herdado dos árabes e trazido pelos portugueses, de entupir as crianças com doces, o que, pode-se dizer, é uma maneira de fabricar adultos diabéticos... E os doutores sanitaristas?"- Se Pergunta -. Não dizem nada! Ficam em silêncio! Aliás, os tais santos Cosme e Damião, também eram médicos... - Esperou uns instantes e passou a falar dos ovos: o mesmo silêncio se vê com relação aos ovos. Pela crise da carne, está todo mundo comendo meia dúzia de ovos por dia. Como vão ficar as artérias dessa gente? E os médicos não dizem nada... Que cumplicidade e que silêncio é esse? E os sanitaristas de plantão?

Enquanto ele falava, veio ter conosco um outro mendigo, já caindo aos pedaços, que diz ter vindo a pé de Manaus há uns 15 anos. Segundo seus colegas, já esteve várias vezes internado por aí e não para de falar de sua cidade natal, dos seringais e principalmente do Teatro Amazonas. Diz que seu avô e seu pai trabalharam na construção daquela maravilha, inaugurada em 1896, com a apresentação de La Gioconda, de Ponchielli. E jura que, bêbado, já dormiu lá dentro várias vezes. Que ficava ao mesmo tempo assustado e fascinado ao acordar na ribalta e ver-se no meio daquelas decorações do pintor italiano Caparanesi... Mas que o que mais o emocionava e orgulhava, era ver a cortina que separava a platéia do palco... Um cortinão imenso e grosso, trazido dos arredores de Paris, onde estava representado o encontro das águas do Rio Negro com as do rio Solimões... Que resolveu tornar-se andarilho depois de ouvir, naquela palco, uma mulher estrangeira cantando Luzes da Ribalta...

Os outros mendigos faziam bullying e riam dele acusando-o de estar blefando. Que nunca havia nem sequer visto o teatro por fora e muito menos entrado nele. Que o que dizia, havia lido em duas ou três páginas de um livro do Thiago de Mello...


 



quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Brasília hoje... na hora crepuscular... (hoje como há mil anos...)

"Num aquário, dois peixes rodam... rodam... rodam... Rodam assim há dez anos. 

Derepente, um deles pergunta:

-Que vais fazer na quarta-feira?" (P.)

 




O Mendigo K e o discurso do Bolsonaro na ONU...




"Se houver interesse em nos mostrarmos honrados, seremos honrados; sendo preciso enganar, seremos embusteiros..."

(Frederico II da Prússia

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Com a chegada da primavera, com sede, os mendigos invadiram a padaria da esquina. Pareciam mais felizes, mais magros, mais dispostos a se lançarem na peregrinação anual que fazem de Brasilia até a Guiana Francesa, em homenagem a Deusa da vagabundagem. Comentavam o discurso do Bolsonaro de anteontem, lá na ONU. Um deles, com aparência de quem havia chegado de outro mundo e com dois dentes de ouro na arcada superior, dirigindo-se ao mendigo K. declarou: Eu não vi, mas soube que falou em criar saneamento básico e em construir estradas de ferro... Uffa! Finalmente vamos deixar de respirar e de pisar em merda todos os dias! Ah, e os trens! O trem sim é um arquétipo! Poder viajar de trem por aí... Para a vagabundagem, nada como um país com ferrovias... O clac... clac... clac das rodas de ferro sobre os trilhos e aquele balanço nos remetem ao colo e às tetas de uma mãe carinhosa & imaginária...  

  Também gostei ao saber que se dirigiu àqueles porcos chauvinistas, comparando o tamanho de nossas florestas ao território de dois ou três países deles juntos... Em outras palavras: que poderíamos enfiar a Alemanha e a França inteiras na nossa Amazônia... Transplantá-las intactas para as margens do Rio Solimões e do Rio Negro... É evidente que naquele momento a platéia deve ter contraído os esfíncteres...

Um outro mendigo:  - Mas estão dizendo por aí que é tudo mentira...

Os jornais internacionais e os daqui o estão acusando de não passar de um trapaceiro, de um maníaco e mentiroso. De ter vomitado lá um oceano de cascatas & de mentiras! Que nada do que disse é real! Que tudo não passou de um surto!. Que não passa de um bufão e de um mitômano!



Em quem acreditar?

Em quem acreditar? Repetiu.

O Mendigo K, com ar sóbrio, tomou a palavra e decretou: Bem, sabemos que todos nessas reuniões, uns mais outros menos, sempre contam suas lorotas e mentiras... Agora, se realmente é como dizem, e se tudo o que o nosso Presidente disse lá, forem balelas e mentiras, ao voltar para o Brasil deverá ser internado. Mas, prestem atenção: se está apenas sendo vítima de calúnias e de injúrias e de desmoralização, então seus caluniadores, e detratores, um por um desses vira-latas, por ética, por honradez, brio, decência e até mesmo por 'amor à pátria', também deverão ser interditados...

 Porque não é possível conviver mais com esse coitus interruptos! Com esse envenenamento permanente, e que em seguida, tudo fique por isso mesmo! Não é possível que amanhã já ninguém mais fale disso! Que as coisas não se esclareçam e que tudo vire piada! Não é possível digerir diariamente uma viadagem política dessas e nem que um país viva por tanto tempo numa situação esquizoide desse tamanho!  

Quem é que aguenta por mais tempo esse circo de embusteiros e de quarta categoria? O som dessas trombetas fanhosas anunciando o protelamento do juízo final e a luxúria da vida eterna? Esses duelos intermináveis e fúteis entre estrábicos e com pólvora molhada e que não se concretizam? Como ficam as belezas momentâneas e fugazes dessa imensa penitenciária? O sentido? A razão? O tempo perdido? A lógica? O bom senso? E a dignidade? E as ilusões das pessoas? E o tesão? E os atos revolucionários? E a auto-estima? E a saúde mental das massas?


 


quarta-feira, 22 de setembro de 2021

22 de setembro! E eis que a primavera bate à nossa porta...




Mesmo as pessoas com mais de 70, como eu, que já estão há uns dez anos vivendo numa espécie de Faixa de Gaza, movidas por uma espécie de instinto se alegram com a chegada da primavera. Primavera? Quem é que não teve ou que não tem na memória uma prima chamada Vera?

Aproveito para ver os ipês lilás que, competindo com os amarelos e com os brancos, surgem misteriosamente por aí em esqueletos de árvores que todo mundo julgava mais do que moribundas... Trata-se do  egoísmo dos genes?

Segundo Angelo Frattini, este é o período do ano em que o pensamento dos homens se volta para o que fez as mulheres sonharem o inverno inteiro...

Sobre minha mesa de estudos, Neve de primavera, do Mishima, e Primavera Negra do Henry Miller. O Mishima, todo mundo sabe, é aquele moralista japonês que praticou haraquiri por pura afetação e o Henry Miller, aquele cara que escreveu esta frase deslumbrante que a velhinha armênia que costumo encontrar no mercado (hoje ela estava com uma flor de girassol nos cabelos dizendo que ingressou na confraria dos Iazidis), gosta de lembrar-me: Bazzo, ganhe muito dinheiro e não se case. Vá viver em Paris. Com um milhão de dólares você terá mulheres estupendas e encantadoras para ler teus textos e para chupar teu pau...


 


terça-feira, 21 de setembro de 2021

76a Reunião da ONU - Bolsonaro em New York, lembra o Kadafi de 2010... (E a pantomima se eterniza...)




"Os políticos fazem política tal como as cortesãs fazem amor: por profissão..." (Tournier).



Os adversários do Bolsonaro estão babando e fazendo festa com o "papelão" e com o 'comportamento exótico' dele lá em Nova Iorque, cercado por puxa-sacos, comendo pizza na calçada e etc. Ele, chefe de Estado, que daqui a pouco abrirá a Septuagésima Sexta Reunião da Assembléia geral da ONU!!!  - Reclamam risonhos e malignamente com as mãos nos cabelos - . 

Já, para seus seguidores, meio obnubilados, trata-se apenas de uma demonstração de simplicidade evangelica, de jesuitismo e até de humanismo.., e que ninguém estranhe - alertam - se o virem jantando no Cáritas do Harlem... um gesto programado para fazer um contraponto com a arrogância dos outros políticos/mercadores que estão lá, com frases & honras alheias, tentando dar continuidade ao teatro de civilidade...

Esse 'espontaneísmo' do Bolsonaro, além de inquietar, está fazendo muita gente lembrar-se do Muammar Kadafi, aquele líder líbio que em 2010, na abertura dessa mesma Reunião, para escândalo geral e para insegurança de seus hospedadores e anfitriões, preferiu pernoitar em sua própria tenda beduína, armada nos arredores do local onde iria transcorrer o evento. O  lero-lero  não foi pouco, mas ele já o havia promovido também em Roma, em 2009, quando foi encontrar-se com Berlusconi e em Paris, em 2007, quando armou sua tenda nos jardins do Palácio Eliseu.

Não se sabe se sua intenção, era apenas amenizar alguma nostalgia pelos desertos de onde provinha, ou se estava querendo insinuar que  tais encontros não passavam de um circo. O que se sabe é que uns anos depois alguém, de um avião de guerra, lançou sobre ele dois ou três mísseis fatais...

Política? Mussolini, numa carta a seu filho Vittório, assim a definia: "A arte bárbara de fazer vítimas ilustres..."

Enfim, está todo mundo curioso para ouvir o que o Bolsonaro dirá em seu discurso e para assistir ao desenlace final de mais esse ato... Todos os anos, nesta data, para instigar os 'revolucionários' de plantão, gosto de relembrar que o discurso mais expressivo e eloquente que se fez na abertura daquela Assembléia, por um Presidente brasileiro, foi o do Sarney, (autor do livro Marimbondos de fogo) em 1989. Nem M. Stirner se atreveria a tanto. Vejam:

1. "O mundo não pode ter paz enquanto existir uma boca faminta em qualquer lugar da terra, uma criança morrendo sem leite, um ser humano agonizando pela falta de pão. O século que virá será o século da socialização dos alimentos. A imagem da Mater Dolorosa dos desertos africanos nos humilha.

2.  Mas há um problema maior, que permeia as relações internacionais e que insidiosamente ameaça a todos, pobres e ricos. Os pobres pela desestabilização; os ricos pela insegurança e todos pelo desmoronamento, se nossa postura for de imobilidade...

3. Guerra e democracia, guerra e liberdade são termos incompatíveis. Clausewitz assinalou que só não existiria guerra quando existissem estados soberanos. Da mesma forma podemos afirmar que prevalecem as soluções pacíficas e consensuais quando existem nações livres e democraticamente desenvolvidas, instituições permanentes, poderes funcionando, povo decidido.

4. A paz de hoje ainda não é paz, é a dissimulação da guerra.

5. Depois da prosperidade, quando veio a recessão, passou a reinar mais a selva predatória de Hobbes do que a fecunda anarquia de Adam Smith.

6. A ciência e a técnica estão aí, através da engenharia genética, anunciando uma nova era de abundância. A humanidade foi capaz de romper as barreiras da terra e partir para as estrelas longínquas , não pose ser incapaz de extirpar a fome.

7. A equatização de oportunidades é o alimento da liberdade social, para que o mercado sirva aos homens em vez dos homens serem servos do mercado. Sem diversidade de valores e múltiplas formas de vida não viceja a liberdade, que se estiola no privilégio e se afoga na opressão.

8. Essa visão estreita esquece estarmos tratando de populações que têm direito a um padrão sério de sobrevivência e de países com legitimas aspirações nacionais.

9. Não seremos prisioneiros de grandes potências  nem escravos de pequenos conflitos.

10. Mais do que as hecatombes dos conflitos mundiais, mais do que o confronto estéril da guerra fria, a descolonização ficará como a grande contribuição do século XX à história da humanidade. 

11. Tenhamos a coragem de proclamar: Liberdade e Paz são o fim da miséria e da fome". 

(parole... parole... parole... E agora vemos que não foi por acaso que Platão excluiu radicalmente os poetas e os advogados de sua República...)


 




segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Conflito entre porcos. O extermínio de javalis e o Porcellino de Florença...

"ANIMAL - Prova irrefutável de que o homem anda em posição vertical" (Roberto Lagot)


Sem nenhum sentimentalismo senil e sem nenhuma afetação ou frescura doidivana, a caça e o extermínio dos javalis que está sendo levada a cabo em algumas regiões do país, é uma cretinice e uma evidência de nosso mau caráter e de nossa decadência... (para não dizer instinto criminoso). Ah, mas são apenas porcos! Sim, sim, são apenas porcos! Mas, quem é que em sã consciência vendo aqueles sujeitos ignorantes enquadrando os javalis com seus fuzis, não fica do lado dos javalis?

O Mendigo K que passou alguns anos estudando violino em Florença aproveitava para associar à questão candente de hoje e às imagens desses javalis sacrificados com a lenda e a estátua do Porcellino que há lá num mercado de Florença. Já viu? Lembra?

Segundo a velhinha defensora dos animais que costumo encontrar ali no mercado da esquina, o genocídio desses animais nos reserva uma imensa surpresa. Quando estivermos ingressando num dos Panteões do inferno eles estarão lá, com suas presas de até 5 centímetros, para nos recepcionar... E, para aqueles que se iludem com a ficção de um  paraíso, é bom que saibam que eles estarão também lá, junto às cercas, ao lado de beatas, de histéricas, de anjos assexuados, de santos e da fina flor do século XIII, administrando as entradas.... 

Deu uma gargalhada e me perguntou: A propósito, (desculpe a impertinência!) quantos porcos você já digeriu nesta porca vida?

 








quinta-feira, 16 de setembro de 2021

E, eis que, misteriosamente, quase no inicio da noite... enlouquecidas pela volúpia do deserto...













A mulher do Mendigo K e a Dança Sagrada do Gurdieff...


Hoje, quinta-feira, com a cidade se preparando para enfrentar o deserto das 13:00 horas, deparei-me com o Mendigo K. Estava com sua mulher que, por coincidência, nos anos 80, era uma divulgadora da obra de Gurdieff aqui na cidade e que até promovia ensaios da Dança Sagrada desse místico russo. Já ouviu falar de Gurdieff? Já ouviu sua música? Inspirada nas canções quase primitivas dos dervixes da Armênia, dos curdos e dos afegãos? Já teve noticias da chácara Prieuré, daqueles tempos, em Fontainebleau, nos arredores de Paris? Conhece minha mulher que ensina A Dança Sagrada do Gurdieff?  Ela o conheceu ao vivo no Café de la Paix- Aponta carinhosamente para ela (que finge estar intimidada) ao mesmo tempo em que foi tirando da mochila três livros: Encontro com homens notáveis; Relatos de Belzebú para seu neto e A vida só é real quando "Eu sou"..
Despediram-se e saíram abraçados, sem destino...
A manhã estava estupenda. Se não fosse o calor e a secura de deserto... 
Na cidade do México daqueles tempos (lembro), um dos professores, um cubano dissidente que ensinava em sua própria casa, no auge das aulas, às vezes falando de Freud e do Porvir de uma ilusão, pedia para que sua mulher acionasse uma ou outra composição do malandro do Cáucaso, tocada por Thomas Hartmann, um de seus discípulos.


quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Sim, eu sei, o niilismo está fora de moda...


"Quem viu tudo esvaziar-se está próximo de saber do que tudo está cheio..."

Antonio Porchia


Como estou enclausurado e coçando o saco há dois anos, indo de uma janela a outra como um idiota, transformando-me aos poucos numa ridícula dona de casa que recolhe grãos de poeira pela sala; que esfrega o vaso sanitário 7 vezes por semana; que passa horas lendo recomendações nas caixas de sabão; aperfeiçoando a técnica na lavagem de copos; seguindo as pegadas de uma barata invasora; assistindo a xaropada depressiva do Da antena e do Rulque; deixando as fronhas de molho e etc, também dedico parte do dia e da noite para ler jornais, ver videos e acompanhar os horrores das intrigas entre partidos. Confesso que devo a eles a manutenção e o controle de meu tédio. Que devo minha sobrevivência às suas falas, às suas crenças, suas bobagens e mentiras, a seus truques para seguirem explorando a plebe, cada um agarrado à sua teta e eternizando os cacarejos de Aristóteles, Platão e outros comedores de gergelim que defendiam a idéia de que somos animais sociais e políticos... 

E há passeatas e manifestações de partidos e de bandos 'opostos' o ano inteiro... O que pretendem com isso ainda é um mistério. E brigam entre eles até por uma vírgula. Quem é mais revolucionário afinal? Quem é mais reacionário ao fim de contas? Quem é mais beócio? A democracia? Não, democracia não é isto! Plusvalia? Não, essa descrição é revisionista! O imperialismo? Os banqueiros? Não... não são essa máfia que se pensa, se não fossem eles, onde iriamos guardar nosso dinheiro? E o golpe? cadê o golpe que o Bolsonaro pretendia dar a si mesmo? Atenção: se ainda não estamos no fascismo clássico, falta pouco! Um homem transtornado aparece na janela de sua casa e grita: Não, não somos fascistas, mas temos uma verdadeira adoração por Marinetti! Alguém já leu alguma coisa sobre o Futurismo? Cuidado com o Filippo Marinetti! Nascido no Cairo, louco pelos motores e pela velocidade, por ele, não ficaria nenhum museu e nenhuma igreja em pé... Toda essa velharia viria abaixo... Lição de casa, - continuou gritando o homem da janela de sua casa- : ler hoje, sem falta, o Manifesto futurista...

 Está tudo dominado! E o salário? É evidente que se trata de uma continuidade da escravidão, mas como explicar que está todo mundo procurando e implorando por um emprego? Trabalho! É importante lembrar a origem da palavra trabalho. Ou nunca ouviram falar do tripallium? E discutem calorosamente, apesar de serem os dois lados de uma mesma e desvalorizada moeda. Na única coisa que discordam é quanto à data do fim do mundo... Entre eles há os que já entraram na androginia, mas também há novatos, uns que se guiam tão somente pela erudição do presidente da república (o líder como um pai substituto) e outros que juram, para o próximo ano, começar, finalmente, a ler o Manifesto Comunista. Dormem e acordam esgrimindo, disputando, uns querendo caluniar e destruir os outros. A imagem é de uma corrida entre dois cavalos de Tróia. O que cada um leva dentro de si ninguém tem dúvidas. Se consideram especialistas em manejo de massas. Sabem datas, nomes, artigos até da Carta Magna de 1300. E quase travam o maxilar inferior quando devem falar de Mussolini, do Bolsonaro, do Stalin, do Collor ou do Sarney... O Fernando Henrique virou quase uma metonímia. A Dilma, uma metáfora. O Lula, quase uma reencarnação do Padre Cícero. Uns pedem até a volta do Temer! Negros, brancos, amarelos, albinos, índios, portugueses, italianos, judeus, católicos e umbandistas...Outros voltam a falar da CIA e até da KGB. Acreditem! Ninguém revela, mas vários desses ex-presidentes devem andar fazendo milagres por aí na clandestinidade.  Sim, os governos anteriores com suas roubalheiras e apatias são naturalmente 'perdoados'. Passado é passado! O pretérito é pretérito! E só o dinheiro vos libertará! E das contas no exterior e das pedras preciosas ocultas ninguém diz nada. As senhas são coisas das amantes! Mas Paris está na agenda. Ah, a burguesia!, essa legião de gente  feliz! Aquelas noites frescas de abril. O Moulin Rouge! As novatas moscovitas do Lido! E as tardes na sorveteria Berthillon? Décadas de monarquia depois da monarquia! E os eleitores estão idealizados pelos dois bandos como ovelhas no pasto. A cesta básica vem transformando a sociedade há décadas... num lazareto. E os guetos identitários? Os jornais fazem parte dessa ignomínia e navegam nesse frenesi. Iriam viver de quê se já tivéssemos entrado na civilidade? Organizam debates. Interpretam os lances das máfias aparentemente antagônicas... Mudam o cenário dos ambientes, enchem os espaços de cheiros e de luzes! Inventam uma aura sensual e criam um clima de espetáculo. A festa tem que continuar! Conseguem três ou quatro grandes patrocinadores e enfiam seus produtos guela abaixo dos espectadores. E é sempre uma mulher (a mãe) a escolhida para esse papel. Surge insinuante entre uma papagaiada e outra piscando como um vagalume em cio (mas é tudo teatro), jurando que o shampoo; a máquina de lavar; o carro; e os amaciantes daquela determinada marca são afrodisíacos e fontes de felicidade. Um circo para mendigos! E em casa, os eleitores, (o patriarca, a madame e meia dúzia de filhos todos a caminho de um colapso), se afogam em bacias de pipocas e em barris de Coca Cola. Todos esperançosos... Mas sabem que o slogan deveria ser: Brasil acima de nada e Deus envergonhado de todos! Ah, depois do vírus... ah! depois das próximas eleições, graças a Deus, seremos todos felizes! O clima é de prosperidade! Viva a política! Viva Aristóteles! Viva Platão! Viva a República! Viva Sísifo, nosso querido irmão, que não desiste... E tudo indica que Godot está prestes a chegar...

Com licença que vou recolher umas cuecas do varal!



 



Enquanto isso...

terça-feira, 14 de setembro de 2021

A terra como uma bola de fogo...


"A verdade é inútil..."
Gérard de Nerval



Frequentemente aparecem por aí uns sujeitos de uma seita ainda não catalogada que insistem que o fim do mundo está próximo e que a tragédia final será através do fogo. E fazem a mímica da terra transformada numa bola de fogo girando pelo espaço. Mesmo quem os considera um bando infantil de punheteiros e de lunáticos não deixa de imaginar e de admitir que, vindo a acontecer, esse espetáculo, visto de outro planeta, ou de outra galáxia, seria uma maravilha... 

E o fogo se espalha florestas afora! Quem, afinal, estaria tocando fogo no mundo? Ou estamos voltando aos folclóricos casos de combustão espontânea?

 Além das queimadas da Amazônia e das que sobem pelas montanhas de Minas Gerais, além das que aparecem misteriosamente na Bahia e na California e na Espanha, Portugal, Grécia e etc, as labaredas chegaram também ao Vale da Lua, um lugar paradisíaco e místico ali no interior de Goiás, para onde os  burocratas aqui de Brasília gostam de ir passar os finais de semana com suas secretárias e lá, sobre aquelas pedras côncavas e 'lunares' que facilitam a indução de fantasias infantis, esvaziar duas ou três garrafas de Veuve Clicquot... O problema é que já está mais do que claro que existem canais comunicantes entre impulsos sexuais, cleptomania e piromania...  e que o casal, antes, no meio e depois da lambeção e da luxúria, sempre acaba lançando uma bituca aqui, outra ali; uma faísca para um lado, outra faísca para outro lado... E que depois só se ouve as sirenes do bombeiros... Os párocos clamando por São Floriano; uma ou outra velhinha com baldes de plástico; o cheiro das outras ervas queimando e os carcarás, como drones, esperando para, mais tarde, banquetear alguma serpente parcialmente incinerada...

As crianças, segundo Stekel, em Atos Impulsivos, são sempre incendiárias. Quem é que não lembra de sua mãe ou de sua babá lhe proibindo de brincar com fogo à noite se não quisesse mijar na cama? Esses pequenos incendiários adoram ver o inicio das chamas. Segundo Wagner-Jauregg, "existe na criança um instinto incendiário primitivo e próprio". Um fascínio por fósforos e por isqueiros... Nas línguas de fogo - dizia um paciente de Stekel - reside um encanto secreto; a poderosa força do fogo se me aparece quase como coisa que tem vida...  Qualquer um concorda que não precisa ser nem cigano, criança ou pirômano para testemunhar a beleza das línguas de fogo, e da dança das labaredas... Os papéis, as madeiras e as folhas secas se contraindo e ardendo! Ah!, Tocar fogo num paiól é um desejo latente e quase universal no cerne do incendiário infantil para quem, seria o máximo ver o cerrado, a selva, a cidade e as casas, principalmente as escolinhas, virando cinzas no meio da noite, quase uma obsessão... 

Enfim: o incêndio, como diz Stekel, seria realmente um impulso sexual reprimido que acaba por converter o sujeito num incendiário? O 'fogo de seu desejo' sendo lançado sobre o mundo? E mais: seguido dos gritos de histeria e de desespero dos adultos, dos proprietários... e, no outro lado da rua, quase aplaudindo a transcendência e a indiferença das chamas...  o cinismo de alguns sujeitos, francamente decididos a, no caso do mundo realmente pegar fogo, salvar o fogo...


segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Chico Buarque, Sergio Reis, o governador do RS e a mania de processar o outro por qualquer merda que nos desagrade...



"Jurados - Doze indivíduos escolhidos 

para julgar qual é o melhor advogado..." 

(Garland Pollard)

 O papo hoje, segunda-feira, ali entre a mendigada da padaria, girava ao redor do cantor Chico Buarque, que está processando Eduardo Leite, o governador do Rio Grande do Sul, por este, numa propaganda politica qualquer, ter associado indevidamente seu nome ao de outro cantor, o do Sergio Reis, aquele do chapéu e do berrante.. Ninguém conhecia em detalhes o assunto, mas eram unanimes na idéia de que processar alguém, nestas alturas do narcisismo despedaçado e da idiotização civilizatória, seja pelo motivo que for, é apenas mais uma idiotice e uma maneira indireta de eternizar os delírios da Suprema Corte...  A excitação foi geral. Os mendigos, que ouvem diariamente esse tipo de ameaças dos padeiros, dos pastores e dos donos de mercado recitaram em coro: aquele que ameaça processar-te, seja pelo motivo que for, (mas principalmente pelo que chamam de defesa da honra), é sempre um fdp! 

O mendigo K, aproveitava para relatar que em sua adolescência lá às margens de uma selva virgem que ia até os charcos paraguaios, havia um ritual nos finais de semana que era pelear, brigar, medir forças com outros adolescentes e que ele, sempre o fazia com os irmãos de uma mesma família de imigrantes alemães. E que quando aplicava um golpe baixo e fora das regras permitidas naquelas idiotices juvenis, ouvia de seus 'adversários' a ameaça de que iriam processá-lo. Aquela intimidação - dizia com ênfase - soava como uma maldição e como uma prévia da prisão, principalmente uns anos depois, quando acompanhou pelo rádio o processo judicial nos EEUU contra os italianos Sacco e Vanzetti, (condenados e executados). O horror à idéia de ser processado por alguém voltou e ficou ainda mais agudo... (fez um longo silêncio, até que um dos mendigos lançou sua malignidade): Tudo bem, naquele caso foi o assalto a uma fabrica de sapatos, mas neste caso, no caso do Chico, do Sergio Reis e do governador do RS, se trata de quê, verdadeiramente? De uma disputa entre cantores? Entre a viola e o berrante? Uma disputa por compradores de discos? Em defesa da honra? De intriga entre advogados? Da liturgia entre partidos e seitas políticas diferentes? Ou é simplesmente um caso metafísico de, digamos, esgrima entre heteros e homofóbicos?

domingo, 12 de setembro de 2021

Uma aula do Chomsky (O velho)... A propósito: a velhice é um terror, não poupa nem os homens geniais...

Da imigração e dos Condenados da Terra...


O imigrante? Um sujeito que pode até vir a ser santo, 
mas que nunca será visto como um homem de bem... (?)






Meu correspondente na Europa acaba de enviar-me noticias de que por lá, estão apavorados com as levas de imigrantes que atravessam os mares, as montanhas e os desertos para aportar na Turquia, na Grécia, Itália, França, Inglaterra e etc. E isto que os andarilhos do Afeganistão ainda nem começaram a chegar... Voltarão a construir muralhas ao redor das cidades como na Idade Média? Já viram as de Israel em Gaza? A dos USA na fronteira com o México? As da Turquia, na fronteira com o Irã? Mas não adianta chorar - dizia ele - é o refluxo dialético. Passaram séculos invadindo e colonizando esses povos, impondo sobre eles sua ciência, sua religião, seus idiomas, suas crenças, seus negócios e suas mentiras... Roubaram rios de pedras e de metais preciosos, de combustíveis, de material genético de plantas e de animais, obras de arte, mulheres e até textos secretos... Escravizaram... e agora, que o mundo está transtornado, querem ficar isolados em suas torres de marfim... (aliás, roubam marfim até hoje!) e que o resto se foda! Ah!, estão enganados. Diariamente são milhares que se lançam ao mar ou ao deserto para fugirem do inferno e das bombas-relógio que esses próprios colonizadores semearam em suas nações. A propósito, lembra da chamada Loucura vailala? E da lenda de John Frum? Daquele soldado americano que os índios melanésios consideram um Deus e do qual, estão esperando a volta há 60 anos? Os invasores lhes prometeram que o tal John Frum haveria de voltar com navios carregados de presentes para garantir-lhes a prosperidade e a salvação... E passaram 60 anos, naquelas ilhas estupendas, olhando para o mar, orando e esperando... (Sim, é bizarro, mas não ria desses pobres melanésios, Bazzo, e não pense que eles são uns pobres loucos, pois há gente por aqui, de todos os pedigrees, dos mares da Dinamarca aos de Chipre, que também está esperando pela volta de John Frum não há 60, mas há 2 mil anos...).

E por falar em Dinamarca, não te parece estranho que este continente esteja sendo ecologicamente representado por aquela adolescente sueca.? O que estaria acontecendo com a gerontocracia ariana? O pessoal daqui que conhece bem a gravidade do alcoolismo no país dessa moça, acredita que a preocupação dela e de seus adestradores com as fogueiras na Amazônia, não é só amor pelas florestas, mas principalmente, superstição. Medo que o fogo se alastre pelos  canaviais e pelos alambiques...(!) Apesar da fama de racionalistas, os europeus em geral são ainda tão supersticiosos como o Pombo de Skinner. Lembra? Sim, essa gente acostumada a mamar nas riquezas naturais do resto do mundo, com relação à Amazônia, têm medo que o fogo derreta os metais preciosos do subsolo e se alastre para os canaviais e para os alambiques...(!)

Lembra do Musée de l'Hommeem Paris? E do Museu de História Natural de Londres? Se fossem obrigados a devolver para as antigas colônias as peças (etnográficas) que rapinaram daqueles povos, estas maravilhas fechariam as portas... 

Enfim, ao invés de agora ficarem esbravejando, gritando, amaldiçoando, xenofobiando, criando leis proibitivas, demonizando os clandestinos, levantando cercas & muros, exigindo passaportes e confinando em guetos e a contra gosto os refugiados que chegam, famintos e aos pedaços, bastaria que revissem as fotos deles próprios ou de seus avós e bisavós, um século atrás, cheios de maletas, baús, sacos e mochilas, desesperados sob aqueles chapeuzinhos de manés e amontoados como vacas em precárias caravelas, invadindo tudo, planeta afora... 

Espero que meus bisavôs, se tiverem noticias deste texto (principalmente minhas bisavós), não tentem convencer os 'deuses' de lançarem meia dúzia de raios sobre minha casa...)

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 Em tempo - Preste atenção: há muito tempo atrás, quando íamos a um curandeiro, ele nos perguntava logo de cara: O que te falta? Hoje, quer saber o que estamos sentindo. Aqueles curandeiros sabiam que o corpo é apenas um palco onde as angústias, os mal entendidos e as loucuras da consciência se expressam. Os de hoje acham que o sintoma é tudo e se esforçam para fazê-lo desaparecer... Essa diferença é fundamental para a compreensão do que está acontecendo conosco e principalmente para rastrear a origem de nossas desgraças... A propósito: o que te falta?




sábado, 11 de setembro de 2021

Y el sendero se apaga definitivamente...


Meu correspondente no Peru, acaba de informar-me que em Lima está o maior bafafá com a morte do antigo líder do Sendero Luminoso, o velho professor e filósofo Abimael Guzman, aquele que o Fujimori gostava de exibir enjaulado como um tigre. Lembram? Trinta anos num calabouço! Num daqueles  calabouços que é capaz de alterar o DNA até de uma pedra... Que visão frustrante & decepcionante do mundo deve ter experimentado.. Imagino-o olhando pelas grades e resmungando a frase clássica de Céline: "O que é horrível é o sentimento de ter perdido tanto tempo e ter feito toneladas de esforços por esse bando horroroso e diabólico de bêbados, almofadinhas, filhos de putas e puxa-sacos..." E nas ruas de Lima, a população vingativa, - até pessoas jovens e elegantes - está exigindo das autoridades que exibam seu cadáver... O mundo como uma cloaca binária!

Ele, maoista, considerado por sua seita como a Quinta Espada do Marxismo, liderava uma guerra feroz naquele país, com o pretexto de emancipar os campesinos e de estar se vingando do Estado e dos 'horrores do capitalismo'. Agora, com sua morte, já velhinho e decrépito, os gritos de vingança são do outro bando, do Estado e dos capitalistas (mais fortalecidos do que nunca) contra os 'horrores do comunismo'. O corpo! Queremos testemunhar o corpo morto, como um troféu de guerra! 

Que miséria! Que vergonha e que fracasso! Será que a roda da existência continuará encenando essa bipolaridade idiota até quando?



https://www.expreso.com.pe/actualidad/abimael-guzman-ciudadanos-exigen-que-se-muestre-el-cadaver-como-trofeo-de-guerra-fotos/


quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Um dia, que provavelmente não ficará na história... (Tú compras el carmim y el pote de rubor que tiembla en tua mejillas...)



"Os que parecem estúpidos o são; acrescente-se a esses 
a metade dos que não o parecem..."(De Quevedo)


Hoje o surrealismo político e social foi demais! É necessário estar tomado por um grau considerável de alienação e de burrice para não cair em desespero... 

Atiçados pelo Bolsonaro, autoridades que ninguém nem sequer havia ouvido falar vieram a público para contracenar com os últimos acontecimentos; dizer alguma coisa sobre as loucuras dos últimos dias e para, malandramente, turvar as águas para dar a seus pares a impressão de profundidade. Discursos acadêmicos e no estilo morde assopra das serpentes; considerações de confessionário; aconselhamentos paternalistas; ameaças de impeachment, de cadeia e de condenação eterna... tudo cheirando a Padre Viera... O próprio Bolsonaro, ciceroneado pelo Presidente que o antecedeu, (mais especializado em vaselina) publicou uma carta de desculpas e de esclarecimentos à nação, dizendo, na essência, que os acontecimentos da semana e do dia 7 de setembro foram pequenos surtos, apenas ensaios tresloucados de duvidosa idoneidade e que estava pronto para reconciliar-se com seus desafetos do STF, com a pátria e até com a China se fosse para o bem da nação. Mas sempre com Deus sobre tudo e todos! Foi um auê...

Por todos os lados os lacanianos mais sectários veriam importantes 'signos linguisticos'... Lupemproletariado? Lupencampesinato? Ou Lupencaminhonaço? Um manifestante de uns 60 anos, sentado à sombra, de mão dada com uma mulher meia transtornada, com cara de quem não trepa há uns três anos, ouve de uma pequena radiola movida a pilhas a música Maquillaje, do Piazzolla, enquanto cantarola melancolicamente este refrão: "tú compras el carmín y el pote de rubor que tiembla en tus mejillas... y ojeras con verdín para llenar de amor tu máscara de arcilla..."

O pessoal da esquerda com seu modo amnésico & mágico de pensar, com contrações estranhas e sinais convulsivos começa a rosnar: "Lula lá... Lula lá!, enquanto um francesinho meio afrescalhado dizia para um nativo: este é nosso cri de coeur! (inicialmente traduzi cri por grito. Depois fui ver que era choro. Ah!, quando é que se ressuscitará o esperanto?) Já, os caminhoneiros, que vieram engambelados à Brasília para apoiá-lo e que ainda estão ali na esplanada, dormindo na cabine de caminhões ou na poeira dos gramados, estão confusos. Ainda não haviam ouvido dizer que Brasília é uma espécie de 'sociedade etérea'; de autorama stalinista e nem que isto aqui não é para amadores... A frustração é visível. Vieram preparados para uma espécie de Guerra Santa e agora, de um momento para outro, percebem o Capitão esbanjando Paz & Amor e capitulando... O que teria acontecido? Estaria realmente recuando, ou seria a tática leninista do "passo para trás? E pior: quando ainda estavam digerindo a noticia da capitulação do líder e ouvindo uma mensagem brochante do Zé Trovão, tiveram que explicar-se ao pelotão de choque da policia militar do DF que apareceu (sem mandato judicial) para retirá-los dos acampamentos. O papo entre os líderes do movimento, a policia e o advogado que os defendia - acreditem - foi um papo prosaico e de outro mundo. A discussão maior aconteceu ao redor da barraca que durante todos esses dias preparava e servia comida ao grupo, motivo que muitos deles iam e vinham, discutiam e esbravejavam com arroz carreteiro em pratos de papel e talheres de plástico nas mãos... Mas o momento mais transcendente e surrealista de tudo foi quando deparei-me com um padre, ainda jovem, com um barrete vermelho na cabeça (tipo o do Che Guevara), para proteger os miolos do sol de deserto, que circulava no meio da balburdia e da fumaça, entre os manifestantes e os policiais, dando-lhes amorosamente na boca a hóstia sagrada... Sem nenhum exagero, tive momentaneamente a sensação de ter enlouquecido... Mas eis que, por sorte, alguém pisou com tanta determinação na buzina de um daqueles caminhões que fez tremer a folhagem das sucupiras... e que me trouxe de volta para a realidade... Bazzo, bem vindo, de volta para o inferno!

















A semana dos discursos e das bravatas... (uma espécie de fidelidade à avó de todas as bravatas: o Grito do Ipiranga...)


"LATIN - uma lingua, graças à qual a menor bobagem se converte em verdade soberba..."

Vittorio Guerriero


Acabo de ouvir o tão esperado Discurso do Ministro chefe do TSF, o Sr. Fux. Uma suposta réplica aos discursos repetitivos e pouco retóricos do Presidente Bolsonaro proferidos anteontem, aqui em Brasília e lá em São Paulo. A mídia o está reproduzindo em todos os canais, como se se tratasse de uma canção messiânica e de uma revelação oracular e profética...

Mas 90% da população não entende 90% das palavras que são ditas..,. E em clima de pandemia e de confinamento, elas (as palavras) acabam tendo um efeito devastador sobre a população em geral e sobre a plebe em particular.

Por sorte não foi em Latin! 

Depois dos discursos do Presidente da República, a mídia inteira, esteve emocionada nas redações, turbinando microfones, esticando fios, trocando lâmpadas, consultando o Vademecum jurídico de 2021 e acreditando que a guerra estava deflagrada. Da mesma maneira que se passou duas semanas propalando que o dia 7 seria diluviano, também se esteve, de ontem para hoje fomentando a idéia de que o mundo viria abaixo com o discurso do Ilustre Ministro. Só quem não estava acreditando e nem dando a mínima para essa hipótese, eram os caminhoneiros que, com sua 'cultura oral', suas idéias primitivas e com seus 'sentimentos trágicos da vida' ainda estão acampados nos arredores do TSF, gritando impropérios e exprobrações contra os 11 Ministros e que ontem pela manhã tentaram dar uns tapas nuns jornalistas que circulavam por lá. Os estagiários e os missionários da mídia só não apanharam porque se refugiaram a tempo no prédio do Ministério da Saúde. Curiosamente, logo no prédio do Min. da saúde! Vamos consultar a Jung para ver se há alguma sincronicidade nisso..Tempos messiânicos e diabólicos!, rosnava a funcionária da portaria daquele prédio!

Ouvindo o discurso do excelentíssimo ministro, mesmo não sendo um especialista em metalinguagem, se percebe que, por incrível que pareça, sua fala, esquiava por florilégios bíblicos e atávicos bem semelhantes aos de ontem e que tinha um tom e até uma melodia mística idêntica à do Bolsonaro. Que falou em Documento Sagrado; em falsos profetas; em Honra e até em túmulos... Aqui, é provável que a palavra pensada originalmente teria sido sepulcros...Que levantava a sonoridade em trechos parecidos aos do Presidente e que se valia também de algumas ameaças e bravatas tipo: 

"Ninguém, ninguém fechará esta casa! Nós a defenderemos em pé" 

Frase que, de imediato, faz um nexo com várias dos discursos do Bolsonaro, principalmente com esta: 

"Ninguém, ninguém me prenderá! Só Deus me tira de lá" 

Estariam secretamente duelando num mundo metafísico & imaginário? Parole...parole...parole... Uma curiosidade: como é que o paraibano Pedro Américo retrataria esses lances?

Sem falar que os dois, tanto o Presidente da República como o Presidente da Corte, declararam que a Constituição é um Texto Sagrado. Para o Bolsonaro, ninguém tem dúvidas, a analogia deve ser com a Bíblia; já, o Fux, de origem judaica, estaria traçando um paralelo com quê? Com a Kabala?... (Penso fugazmente no pacto firmado entre o governo anterior e o Vaticano, garantindo que o catolicismo será para sempre a religião oficial do país.)

Enquanto isso, indiferente a toda essa pantomima, o fogo queima as montanhas de Minas Gerais e umas  centenas de indígenas acampam  nos becos, por aí, enquanto esperam pela 'boa vontade" do Supremo em garantir-lhes as sonhadas e ilusórias 'escrituras da terra'. Tempo mais do que suficiente para que vão se convertendo em indigentes... 

E ali na Praça dos 5 Poderes, outros chefões da República se lançam engravatados em defesa da Constituição e da Ordem. (Normalmente é conhecida por Praça dos 3 Poderes, mas existem outros dois tão poderosos como os já conhecidos que, não se sabe por quê, preferiram ficar no anonimato: a mídia, regida pelo sigilo da fonte e a igreja, pelo pacto do Lula com o Vaticano).

Ninguém rasgará a carta Magna!

Esbraveja o Presidente da Câmara dos Deputados. 

Quê maravilha! Nunca se viu um amor tão desmedido por uma brochura!

Aqui entre nós, nós que estivemos ali pelos arredores (1988) quando a Constituição foi engendrada: haverá mesmo algo de sagrado nela? Mas em que sentido? Nas cláusulas pétreas? Ora! Além de uma heresia isto daria a impressão de que o deputado Ulisses teria sido uma espécie de Moisés? E nós, um bando de filisteus abobalhados e úteis?

Já, o Presidente do senado prefere apelar para a paz e para a harmonia entre os poderes. Ora!, Mas e os milhares de assassinatos diários? Além disso, quem é que vivendo nessa bolha monárquica não apostaria tudo na Paz e na Harmonia?

Ah! Bazzo, relaxe! Tudo isso não passa de uma grande brincadeira! São apenas adoçamentos, eufemismos! Umas míseras metáforas! Os limites da linguagem... Não há solução... 

Tudo bem, só que já estamos de saco cheio de adoçamentos! De eufemismos e de metáforas!

Ou - me alerta o Mendigo K - não seria uma espécie de camuflagem? A linguagem como camuflagem? Ou de mimetismo? Uma arqueologia viciosa do verbo? Apenas um estilo semelhante, já que são todos de uma mesma geração e devem ter tido os mesmos professores?