quarta-feira, 12 de agosto de 2020

A viúva de Steve Jobs, os mares ensolarados da Croácia, a Penúltima Ceia e você...


François Mauriac 

Você que está esperando que a pandemia passe para ir à feira dos Importados comprar um Notebook retificado da Apple, e que está há uns 4 meses em casa, se empanturrando, entupindo e se anestesiando com tortellini, cenouras, brócolis, peito de frango, cervejinha vagabunda e vinhos argentinos de segunda, e se cagando de medo de que o vírus te pegue e te mande para um de nossos hospitais sucateados, você, sim, você mesmo, precisa dar uma olhada no estilo de vida e na maneira singela, Zen e delicada que a viúva do tal Steves Jobs, escolheu para fugir do tédio, das complicações sanitárias, das manifestações anti-racistas e funerárias dos EEUU.  (A propósito dos tortellini: existe aberração maior do que ter que comer 3 vezes por dia? É evidente que houve um erro no transcurso evolutivo ou que o criador da espécie estava bêbado durante sua façanha. Isto, sem falar que os nutricionistas estão induzindo os pobres velhos a comerem até 5 vezes ou mais, por jornada... Me digam: tem sentido uma idiotice dessas?)

Mas voltando à viúva do Jobs, segundo noticias de meu correspondente em Madagascar, a viram passeando, simpática e sorridente, pela Riviera Francesa em direção aos mares croatas, num iate milionário, conhecido por Vênus e feito sob medida pelo falecido e defunto Jobs. Um iate umas dez vezes o tamanho de nossas casas e que teria custado uns cem milhões de dólares.  E, segundo ele, vinte ou trinta fotógrafos, correm atrás dela, miseravelmente, no meio da fúria das ondas, com a ilusão de fotografá-la numa pose de sereia do mar e com uns pentelhozinhos oxigenados aparecendo um palmo (menos, meio palmo) abaixo do umbigo... Os jornais estão todos ansiosos para estampar na primeira capa essa musa do capitalismo porque  sabem o quanto as massas, o populacho, la muchedumbre, e as maiorias silenciosas, são apaixonadas pelos milionários...

E ele, fazia mais esta observação: Mas Bazzo, não pense que te digo tudo isto para ver tua inveja pipocar como uma crise de sarampo. Não. O faço apenas para que saibas que o Notebook da Apple que você pretende comprar ali na feira do Paraguai, quando o vírus o permitir, mesmo que seja um clandestino e retificado, possibilitará a ela e a seus marinheiros, lá nos paradisíacos e suaves balanços dos mares ensolarados da Croácia, pelo menos a compra de mais umas gotas de Domaine de la Romané, ou a rolha de uma Dom Perignom... Em síntese: que você, como um poço de compaixão, está colaborando com a felicidade dessa pobre viúva!  E, atenção: quando estiveres voltando da Feira do Paraguai com teu Note Book da Apple  apertado em baixo do braço e apressado para não ser assaltado, pense na frase do Mauriac:  "Que Deus tenha preferência pelos imbecis, é uma balela que os imbecis vem fazendo circular há uns dezenove séculos..."

O telefone ficou mudo por uns instantes, mas logo em seguida ouvi que ele dizia: Bazzo, cada vez estou mais convicto de que nossa miséria é infinita. Que vinte ou trinta famílias continuam em uma espécie de SANTA CEIA pelo planeta e que o resto, é o resto. Que ficamos ao redor da mesa e do festim como cães e mendigos, nos lambendo e nos contentando com as migalhas que caem. Me entende? E por falar em Santa Ceia, o que devem ter sentido e pensado os pescadores, os andarilhos, os paus-d'água, os fumadores de haxixe, os adivinhos, as cartomantes, os barqueiros, os tratadores de camelos, os pastores arameos, os exegetas de beira-de-rio, os loucos-varridos e a mendigada faminta e ignorante lá daqueles cafundós, da época de Jesus, ao saber daquele banquete? É provável que a luta de classes (apesar de Marx ter achado melhor calar a boca a respeito) tenha sido iniciada naquele dia. E a tal CEIA não foi a última! Continua a todo vapor! E com vinhos bem mais elaborados...

Por falar em CEIA, lembra do pintor italiano, Veronese (1578), que quase foi queimado pela inquisição por ter, na sua pintura da Última Ceia, incluído músicos, cachorros, bêbados e garrafões (barricas) de vinho?

Enfim, Madagascar, é uma maravilha! E a vida, Bazzo, é ou não é uma comédia?

Nenhum comentário:

Postar um comentário