quarta-feira, 28 de abril de 2021

Várias... Eu replico, Tu replicas, o vírus replica...




 Hoje (ontem) o dia foi extraordinário! Mas extraordinário mesmo! 
O vírus está tocando fogo nas lonas do circo! Além das interpretações sectárias sobre a negativa da ANVISA a respeito da vacina russa; houve a declaração do Guedes; a confissão quase infantil do general ........ e o caso do vereador do PT lá nos grotões das Minas Gerais, aquele que violou com um facão um caixão de defunto para checar se o cadáver estava lá mesmo, ou se era mais um morto fantasma... (Sem falar dos boatos sobre um pastor lá do Congo (?) que estaria receitando garrafadas de gasolina com limão, para os infectados... Seria discípulo dos pastores aqui dos trópicos? E sem falar também das toneladas de alimentos de quinta qualidade que uns demagogos ignorantes estão empurrando para as tripas dos desempregados-pobres, como se a comida fosse tudo... Como se essa imensidão de explorados, além de tudo, ainda estivesse disposta a cavar o próprio túmulo com os dentes... Ei, irmão! Você tem fome de quê? Você tem sede de que? E depois, a cargo de quem ficará a prescrição e a realização de tantas bariátricas?) 


Enfim, um dia Inacreditável! Mas inacreditável mesmo! 

Com todas essas loucuras reveladas e manifestas, no meio de toda essa acromania, quem é que ainda consegue conservar alguma ilusão e expectativa saudável para a volta da normalidade? Aliás, desde quando nossa vida transcorreu em normalidade? E como é que conseguimos sobreviver até aqui, no meio de todo esse desvario sistêmico e comandados por esse bando de lunáticos com suas personalidades esquivas e ornamentais?

Estávamos cegos? Surdos? obnubilados? Em estado de graça? Caídos numa valeta abraçados a uma garrafa de cachaça?

E para aqueles coitados e otimistas, que ainda ficam excitados e ansiosos imaginando e querendo saber como será a "nova normalidade", é preciso que nos mantenhamos intelectualmente honestos para colocar-lhes um espelho diante da cara e dizer-lhes: A nova normalidade, seu otário, será a que está nos jornais de hoje...

A respeito da rejeição da ANVISA para importação da vacina Sputnik V., apesar dos estalinistas, dos rasputinianos e dos revolucionários virtuais e cibernéticos jurarem que é a melhor vacina do mundo e que a não aprovação pela ANVISA é apenas uma manifestação/retaliação reacionária e ideológica, um gesto pornográfico em favor dos gringos americanos e contra a antiga URSS; apesar dessa gente nos lembrar constantemente da promessa de Lenin de que um dia todos teríamos urinóis de ouro em baixo de nossas camas.., apesar de tudo isso, por agora, é fundamental (se não por respeito ao corpo, pelo menos por soberania) apostar e acreditar na ANVISA. E, claro, aprender a conjugar o verbo replicar... Eu replico! Tu replicas! O vírus replica... E onde estão os Barnabés sonâmbulos e sábios das academias que não se manifestam?

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EM TEMPO: Enquanto finalizava este texto, recebi oito mensagens. Quatro religiosas, defendendo a fé e o absurdo, exatamente por ser absurdo; uma me lembrando que dia 28 de abril se comemora na Itália o fuzilamento e a degola de Mussolini; outra fazendo apologia do Bolsonaro; uma apostando na volta do Lula e uma me oferecendo um Seguro de vida. Além disso, do pátio lá em baixo, chegava até minha mesa de estudos a cantoria de cinco ou seis crianças que, capitaneadas por uma mocinha travestida de educadora, cantavam e dançavam: Atirei um pau no gato to, to..., mas o gato to, to, não morreu seu, reu.... Lembram? E a intercalavam com outra, que já existia na infância de minha tataravó: Escravos de Jó jogavam caxangá... Lembram? E as crianças rodopiavam de mãos dadas e entediadas como se tivessem algum deficit intelectual, enquanto ouviam a história do Pica-pau amarelo, do Monteiro Lobato ou O Menino maluquinho, do Ziraldo. Olhavam umas para as outras como se quisessem dizer: Chega! Não aguentamos mais ouvir essas merdas! Essas idiotices que já idiotizaram nossos irmãos mais velhos! Queremos iniciar-nos nas partituras de Dvorak e na literatura fantástica do Borges e do Giovanni Papini...

Fiquei por uns minutos assistindo aquele horror pedagógico e de adestramento, aquele desprezo pela vitalidade infantil e revalidei a minha tese antiga: Não, não há solução! Não precisa nem ser adivinho para saber que permaneceremos por mais uns mil anos nessa ignorância e nessa miséria... Porque, como o vírus, elas também se replicam...



terça-feira, 27 de abril de 2021

O cachorro do leproso de Aosta...




Nascido e criado no meio daquela italianada que havia atravessado os mares em caravelas sucateadas para chegar a uma América fictícia e imaginária, (muitos, nos porões, agarrados em seus crucifixos, em seus baús de madeira repletos de bijuterias de armarinho e em seus realejos) ouvi, em duas ou três oportunidades, durante as bebedeiras das quermesses paroquiais, de um casal fedendo a vinho e cantarolando Torna a Surrento, que havia partido de Gênova para Santos, num tom mais religioso do que literário, a história do Leproso de Aosta. Lembro que davam ênfase, emocionados, principalmente ao episódio em que, em fúria, com medo que o cachorro daquele miserável pudesse contaminar a população, os moradores da vila o assassinam. Primeiro, pensaram em afogá-lo num rio, depois resolvem assassiná-lo a pedradas... 

Hoje, quando todo mundo está com medo de ser contaminado, não mais pelo bacilo de hansen, como naquele caso, mas pelo vírus da COVID, curiosamente, recebi de uma pessoa que está esquiando, justamente lá naqueles Alpes, (nos arredores de Aosta), as cinco/seis páginas daquela velha história escrita por Xavier de Maistre e que me foi mencionada, há mais de meio século atrás, no meio de uma bebedeira de domingo, por um simplório & feliz casal de carcamanos. Leia: O leproso de Aosta.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Nem tudo é maluquice! A importância de acreditar nos pacientes...


Na padaria do português há mais cheiro de bromato do que de trigo tostado. Mas ninguém reclama. Pão é pão. E todo mundo chega esfregando as mãos como se la fora estivesse nevando e ordena: meia dúzia de pão francês.  De vez em quando o dono, naquele sotaque medieval de Évora, faz uma brincadeira com o cliente: nós aqui só temos pão português. Todo mundo ri enquanto a proletária que ainda trabalha ali e que é explorada há décadas já vai empacotando uma dúzia ou meia dúzia daquelas maravilhas ainda fumegantes mas que, para os celíacos, para aqueles que têm alergia ao glúten, é um veneno. É quase como ingerir um tubo de cola daquela que fazíamos em casa para colar nossos  cadernos.. Muitos velhinhos, mais por miséria espiritual do que material, chegam e pedem humildemente, quase mendigando: me vê dois pãezinhos! E acrescentam aos que o olham com uma certa piedade: é que sou só eu e minha velha...

Hoje, o Mendigo K já estava lá. Nas segundas-feiras costuma chegar bem mais cedo só para ficar observando a turba e tentar entender o mar de sargaços que é o mundo. Fica em pé num canto do balcão apoiado só numa perna, um cigarro no canto da boca, a mão esquerda no bolso da calça apalpando os genitais, envolto na fumaça e bebericando vermouth num copo mal lavado. Não esconde sua misantropia e costuma repetir: "quem aos cinquenta anos não é misantropo, nunca amou ninguém". Enquanto esperava a saída de uma nova fornada, escutei que contava ao português uma história dos tempos em que trabalhava num hospital, sucateado, mas de referência. Dizia:

Tínhamos reuniões clinicas uma vez por semana onde discutíamos o caso dos pacientes e onde liamos Freud, R. Laing e Ferenczi. Onde recitávamos uns para os outros a psicopatologia de Jaspers, mas principalmente a obra do húngaro Thomas Szasz... Enfermeiros, agentes de saúde, assistentes sociais, médicos, psicólogos, neurologistas, psiquiatras, antropólogos, psicanalistas, linguistas, secretárias e até um ou outro astrólogo e paciente que estava com os sintomas sob controle. Uma das enfermeiras do grupo aproveitava para relatar o caso de seu pai, um homem de uns 70 anos que estava em tratamento com a equipe e que jurava para todo mundo que em baixo de sua cama havia um jacaré. Apesar dos contornos quase religiosos da profissão e da ética obsessiva do grupo, todo mundo ria com o caso daquele homem. E sempre que cruzávamos com aquela moça, pelos corredores do ambulatório, ela sempre de branco como um cisne, cheirando a incenso, às vezes de braços dados com algum espírita que tentava convencê-la de que o tal jacaré devia ser a alma de uma das ex-amantes do velho, já falecidas e incorporadas numa lagartixa, não resistíamos à malignidade de perguntar-lhe: e aí? como vai seu pai? Ela, um pouco chateada, com seu "édipo" ainda  não muito bem resolvido, voltava a repetir que estava indo tudo muito bem; que a clomipramina e outros triciclos eram realmente milagrosos, mas que a paranóia do velho continuava, que ele seguia jurando que sob sua cama havia um jacaré... E que, como havia vivido alguns anos na América Central, às vezes seu pai nem dizia jacaré, preferia dizer caimã... Acreditem, há um caimã em baixo de minha cama!!!... (Dizia com ênfase o velho, meio em pânico, mas também querendo vingar-se dos filhos, chantagear o mundo e testar a competência e a malícia dos doutores...)

O movimento na padaria ia aumentando e ele bebericava o vermouth, avaliava o interesse de seu interlocutor e ia contando a história em detalhes.

Meses depois - continuou - essa moça arrumou um emprego numa multinacional de medicamentos e saiu do hospital. Ninguém mais a viu por um bom tempo, até que um belo dia ela voltou por lá para resolver uns assuntos burocráticos e um médico, meio coroínha, mais beato do que Cristo e cheio de pudor, perguntou-lhe: colega, e aí? Como vai seu papai?

Ela, usando uma blusa de seda preta, uma pulseira enorme e brincos também enormes, de legitimo coral vermelho, comprados clandestinamente no golfo de Nápoles, baixou a cabeça e respondeu: Dr., sinto muito em dizer-lhe, mas numa noite do mês de setembro, meu pai foi comido pelo jacaré... O médico levou um susto! Convocou uma reunião de emergência e estão lendo e relendo a obra inteira do Thomas Szasz, até hoje...

O português, especialista em cambalachos, pessimista, larápio, louco por dinheiro, com uma saúde de ferro, e mais cético do que uma cabra, explodiu numa escandalosa gargalhada...

domingo, 25 de abril de 2021

Como blasfemam os espanhóis... Puta madre!!! Ou: El club de las malas madres...


Neste último domingo de abril e de sol, quando os jornais, os padres e principalmente os comerciantes só falam do dia 09 de maio, DIA DAS MÃES, dia dos presentinhos, do afeto simulado, da idolatria e da afetação universal, encontrei a mulher do Mendigo K, no imenso pátio de concreto que o Niemayer plantou ao redor do prédio da Biblioteca Nacional. Levava uma mochila no ombro esquerdo, uns óculos rosa dependurados ao pescoço, cinco livros em baixo do braço e estava vestida de maneira que qualquer um poderia confundi-la com uma professorinha laica do Sacrè Coeur.

Veio em minha direção esbravejando porque a biblioteca estava fechada.

- Caralho, Bazzo! Essa merda está fechada há três anos! O que é que esses merdas estão esperando para colocá-la em funcionamento?

Continuou falando sobre o assunto por uns momentos e caiu no tema do Dia das Mães.

Uma aberração! Disse. E foi exibindo os livros que estava lendo. Mostrou-me um por um, fez um discurso terrível sobre a escravidão reprodutiva das mulheres. Gostaria de perguntar a Darwin, por que não somos ovíparas, como os crocodilos? Atacou a igreja dizendo que os padres, principalmente no interior do país, da sacristia, do confessionário e nos sermões continuam induzindo as famílias ignorantes e principalmente às mulheres, a terem 8 filhos. OITO FILHOS, Bazzo! E mais: dizendo que esta é a vontade de Deus. 

E ela não estava mentindo - pensei -, pois eu próprio, por coincidência ou não, era o oitavo na minha casa.

Imagine!, bradou com indignação: OITO FILHOS! O que é que se espera de uma mulher que pariu oito filhos? O que é que sobra de uma mulher que tem OITO filhos? E depois se queixam que as mulheres são todas hipocondríacas e loucas! E como é que as mulheres vieram aceitando esse papel de.......... desde a origem do mundo? Inacreditável!

Voltou a  mostrar-me os livros que estava lendo no exato momento em que passava um carro de som com alguém gritando num alto-falante: 

- Domingo, dia 09, não seja ingrato! Não esqueça de presentear aquela que te deu a vida! Sua mãe! Aquela que se anulou completamente para cuidar de você, seu merda! 

Dia das mães um caralho! Resmungou. 

Esse é mais um truque para amansar as parideiras involuntárias. Para fazê-las acreditar que a gravidez é algo divino e que o filho é uma benção e um enviado dos céus. Um horror! Eu tenho 4 filhos, Bazzo. Um, foi morto pela policia ainda quando era adolescente. Outro, está preso. Outro está pelo mundo. E outro está em casa me enchendo o saco 24 horas por dia, cheio de culpas e fingindo que me venera. Nada é mais decadente do que a veneração dos filhos pelas mães! Ah, se soubessem o que as mães sentem & pensam verdadeiramente deles!!! Ver um babacão desses no shopping de braços dados com a mãe, é um horror... Ela, circundada por uma aureola mística e ele com a coreografia débil de alguém em liberdade condicional... Fez um silêncio e me exibiu um dos livros que levava, o de um filósofo argentino, com este título aterrador: Porque te amo não nascerás

O sol se infiltrava pelo meio das nuvens e a manhã estava começando a ficar estupenda. Um herbanário ambulante veio oferecer-nos umas ervas, ela olhou-o com um certo desprezo e falou autoritária: me veja dois baseados aí! Mas que não sejam paraguaios!  O moço ficou visivelmente intimidado. Revirou umas raízes de manjericão e uns pacotes de ervas de provence no fundo falso de sua bolsa fingindo escolher para ela os melhores cigarros. Depois, mais intimidado ainda, meio tremulo, deu a mercadoria e pegou o dinheiro. Realmente os baseados estavam perfeitamente enrolados num papel de seda que só se encontra nas boutiques de Amsterdam. Ela os olhou com admiração e ele, percebendo, exibiu-se: foram enrolados por minha mulher, como as egípcias enrolavam os charutos do rei: sobre as coxas nuas... e desapareceu. Ela enfiou os baseados na parte dianteira da calcinha e comentou: viu como o cara ficou intimidado? Com quase quarenta anos e traficante, ainda não sabe relacionar-se a altura com uma mulher! Os estrago que as mães causam nos filhos-homens é avassalador. Nunca mais conseguem ter uma relação normal e saudável com uma mulher. Passam a vida inteira submissos, encantados, de joelhos e babando, até que, de repente, sem nenhuma razão convincente, (pelo menos para a policia e para a sociedade) saltam para o feminicídio..

Os sinos da catedral, ali perto, começaram a badalar; o caminhão de som passou novamente, agora com um sujeito com uma voz meia de falsete e sem testosterona, recomendando que os filhos, pelo menos, enviem flores para suas mães... Uma orquídea! Uma begonia, uma planta carnívora, uma pimenteira... e a biblioteca permanecia fechada in infinitum...

Ela colocou-me a mão no ombro, uma mão delicada com unhas vermelhas, com cheiro de vulva e de sabonete vagabundo e murmurou, a media-voz, uma frase de outro escritor argentino: Bazzo, se nascer é fazer parte de um pacto  monstruoso ... como dizia Arlt, quando é que as mulheres vão cair na real?








sábado, 24 de abril de 2021

MANDARIM - Confusão de línguas...

Chou En-lai

Beijing, 1991

 Sem nenhum histrionismo, a história dos medicamentos com rótulos e bulas em mandarim que o Ministério da Saúde despachou aos hospitais, aos médicos e aos enfermeiros, me causou uma imensa curiosidade: além de um amigo porra-louca que, nos anos 90 traduzia Chou En-lai na UnB, quem é que entende esse idioma excêntrico no país? Algum burocrata do Ministério? Algum burocrata hospitalar? É verdade, nos anos 80 muita gente aqui da capital ia para Xangai ou para Beijing adestrar-se em acupuntura. Também em 95, muitas madames revolucionárias daqui foram participar da QUARTA CONFERÊNCIA MUNDIAL DA MULHER, em Beijing. Mas, pelo que sei, nada lá era falado em mandarim. Todas se confundiam e se agrediam em inglês. Algumas até, para lembrar os felizes e juvenis tempos da Alliance Française se aventuravam pelo idioma de Robespierre. Mas nada sério. Nada transcendente ou subversivo. Seriam elas? Seriam eles os causadores dessa confusão? Ainda estariam vivos? Ou foi uma sacanagem dos vendedores chineses? Ou sabotagem de alguma confraria maoista infiltrada na burocracia? Sabotadores! Ah!, a república tem também esse exotismo!: o bando que sai deixa atrás de si uma série de bombas relógio e de minas para atrapalhar e detonar o bando que chega. Os monarcas portugueses, lembram?, deixaram uma imensidade de minas no caminho dos republicanos. O bando do Sarney deixou um exército de sabotadores para o bando do Fernando Henrique; este deixou outro bando para sabotar o bando do Lula; o bando do Lula minou a passagem do bando do Bolsonaro e este, com certeza, deixará o terreno todo minado para o próximo bando que virá... E enquanto isso, o país vai virando gelatina e se mediocrizando... 
República! Quando é que se poderá ir ao Phanteon de Atenas para pisotear o busto de Platão?  

Rótulos em mandarim! E muitos médicos, enfermeiros e agentes de saúde que conheço, delirantes e soberbos como se fossem os "últimos discípulos de Galeno", dizem estar preocupados com a possibilidade do IFA para as vacinas que está para chegar da Índia, venha com os rótulos em sânscrito e, pior, em sânscrito védico! É realmente bizarro & curioso, já que qualquer porcaria que se compre nos países asiáticos vem sempre com uma bula em cinco ou seis idiomas. Por que é que sedativos e outras drogas quase terminais teriam vindo em mandarim? (em tempo: um país que tem 500 anos, que exporta cocaína, maconha e cachaça para o mundo inteiro e que ainda não sabe produzir seus próprios sedativos, talvez devesse apagar as luzes e fechar as portas!) E agora, quem é que vão chamar para fazer as devidas traduções? 

Um rótulo 50 dólares! 

Uma bula 300 dólares! 

Negócios! Business

Imaginem um doente implorando por um sedativo e a enfermeira, com aquela coreografia de freira, mimetizando à Madre Tereza, segurando-lhe religiosamente a mão, fazendo-o beijar o crucifixo e lhe contestando que tem que esperar pela chegada do um mandarim-tradutor... Surrealismo! Thanatos se sobrepondo a Eros!

Mas, fazer o quê? 

Já que a maioria não sabe nem português, que o Esperanto não deu certo e já que os chineses estão cada dia mais interessados nos latifúndios amazônicos, por que não aproveitar para oficializar logo o mandarim? Trocar o inglês pelo mandarim? Por que não aproveitar logo e trocar uma idiotice, um rótulo e uma escravidão por outra?

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Da biblioteca de Don Quijote (100 exemplares) à de Hitler (16 mil volumes)...



 Nesta quinta-feira ao anoitecer, o Mendigo K apareceu na padaria de sempre. Havia sumido por uns dias depois de ter roubado uma garrafa de vinho sob as barbas do filho do português, dono do estabelecimento. Trazia dois livros numa velha bolsa de mulher. Um, do tamanho de um livro de artes, em castelhano, escrito por um psiquiatra espanhol, com o titulo História clinica del caballero Don Quijote, e o outro, em tamanho normal, A biblioteca esquecida de Hitler.

Estava meio euforico. Mostrando-me o referente a Hitler, falou exaltado: "Para ele, um império não se constrói com piedade... (pausa) quem diria que esse ditador tinha uma biblioteca particular, em casa, com16 mil volumes!" E prosseguiu, com ironia: "E Freud, como é que fica Freud, que dizia que dos homens cultos e eruditos não precisaríamos ter medo?!!

Listou alguns do livros que o chanceler e genocida alemão dispunha em sua biblioteca e levou o assunto para o Dom Quixote: "Não tenho muito saco para ler Don Quijote de la Mancha - dizia - mas, frequentemente releio o capítulo VI, a parte onde o padre e o barbeiro entram na casa do fidalgo, enquanto ele dorme e, com a ajuda de sua sobrinha, vão à biblioteca da casa, levando uma bacia com água benta para exorcizar aquele lugar maldito e providenciar a queima de parte ou de todos os 100 livros que, segundo eles, haviam sido a causa de sua loucura. A queima é feita no curral. Quando D. Quixote acorda e procura por eles, o convencem de que foram levados pelo diabo e por um feiticeiro conhecido na Espanha daquele tempo por Munhatão..."

Fez uma pausa e declarou: "da biblioteca de Hitler, gostaria de ler quase tudo. Já, do acervo do Quixote, tenho uma curiosidade especial por dois: As lágrimas de Angélica e Os quatro de Amadis de Gaula. Conhece?

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EM TEMPO: Gostei da intervenção do Bolsonaro de hoje na tal Cúpula do clima.. Parece que finalmente ele entendeu como é que se joga com aqueles trinta ou quarenta farsantes que estão há mais de 100 anos prometendo em vão tapar as chaminés de suas fábricas e diminuir a fumaça em seus próprios países... e delirou legal! Prometeu o possível e o impossível. Fez, como eles, o teatro do politicamente correto e ainda por cima, pediu uma grana extra para turbinar suas ficções. Só faltou liberar o garimpo de ouro e de esmeraldas e até as concubinas dos caciques a forasteiros. Só faltou jurar que fará todo o possível para resgatar a história e o DNA dos Jívaros, com suas coleções de cabeças; que mandará erigir em Pau Brasil, uma estátua gigantesca do Biden e uma do XI Jinping às margens do Rio Negro... e um busto do Makron, em pedra, às margens do Rio Purus e que, se necessário, solicitará o assessoramento do Leonardo DiCaprio e da adolescente sueca... Só faltou jurar que no tempo de governo que lhe sobra, investirá prioritariamente na reprodução das araras azuis, na eugenia entre as populações de jibóias e na imortalidade da Vitoria Régia... E as harpias-cretinas-internacionais, o ouviam satisfeitas enquanto se cutucavam as nádegas e as virilhas por debaixo da mesa! Fingiu acreditar principalmente naquilo que ouvia do chefe dos USA e do chefe da China. Dois países onde a fumaceira é geral; onde os mares estão entulhados de tocos de cigarro, cacos de garrafas, de dejetos orgânicos e metálicos, de lixo e etc... Muito bem!, é assim que se governa! É assim que o mundo vem sendo governado, desde a Guerra de Tróia e desde os tempos do Sobrinho de Julio Cesar...

Se só a mentira nos une, social, religiosa, ideológica, política, ecológica e amorosamente, então sejamos realistas! Exijamos o impossível!


 



My sweet lord... (O animal que logo sou...)

Daumier 

 



quarta-feira, 21 de abril de 2021

Carta dos artistas, (uns de joelhos, outros de quatro) ao Biden... E o canto da araponga-da-Amazônia...






"La celebrità di certi contemporanei dipende unicamente dalla stupidità degli ammiratori..."

Henrich Geissler

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Acabo de ler a carta que um grupo de artistas norte-americanos e brasileiros enviou ao Biden, exigindo que ele não faça nenhum tipo de acordo com o governo brasileiro, (com o Bolsonaro), a respeito do meio ambiente; da ascendência e da ascensão das moto-serras e das fogueiras na Amazônia, já que ele, (o Bolsonaro) não é confiável e etc. Entre os assinantes da carta, para que tenha maior credibilidade, faltou - segundo o Mendigo K - o nome da Miss Bumbum; o da adolescente sueca, representante do 'Fridays For Future' e a do Paulo Coelho...

E, claro, também o canto parecido a um martelo, da araponga-da-Amazônia...

Como hoje é feriado, dia de Tiradentes, li e reli a biografia de Joaquim Silvério dos Reis e também a tal missiva dos artistas enquanto dava longos goles num caneco com chá de Picão Santo. Epistolas e discussões entre palhaços!

A carta é de uma submissão aterradora. De uma trairagem e de um viralatismo tremendo. De joelhos e de quatro! A falta de um pai, de um chefe, de um fuhrer, de um deus!!! 

De onde nos vem essa personalidade intrusa? Essa carência? Essa vassalagem? Essa frescura de subalternos? Essa submissão e essa necessidade? Está ficando cada vez mais evidente que os maiores cretinos e que os piores vira-latas são sempre aqueles que sobreviveram a algum tipo de humilhação e de massacre...

E o Biden, enquanto isso, enquanto espera ansiosamente pela carta redentora dos clows ilustres, com seu "amor" pelas florestas, pelos imigrantes, pelos povos em geral e pelos artistas em particular, acaba de enviar uns dois ou três mísseis sobre a Síria e também de incrementar outras incursões humanitárias, democráticas e armamentistas pelo mundo a fora, sempre com as bênçãos de outros energúmenos ocultos atrás do álibi do selvagismo, da religião ou da arte que, na essência, são a mesma coisa... 

Enfim, como escrevia L. Sciascia: "Atualmente está cada vez mais difícil encontrar um cretino que não seja inteligente e um inteligente que não seja um cretino [...] Oh i bei cretini di una volta!"






domingo, 18 de abril de 2021

Somente tijolos na parede... Várias...


[... como uma jangada que se recusasse e reconhecer um transatlântico de vinte mil toneladas...]

Bernard Shaw

(IN: Casa de orates)


 I. A anulação das condenações do Lula feita pelo STF nesta semana, mexeu não só com os mendigos, mas com quase todo mundo que tem um ou outro parente condenado e preso... trancafiado numa cadeiazinha miserável de fundo de delegacia ou apodrecendo no inferno de uma penitenciária e ainda sem julgamento... E muitos, enjaulados por bagatelas, pelo roubo de um guarda-chuva, por vingança... por problemas íntimos e pessoais dos policiais e dos juízes... Imagine - dizia o mendigo K - se as condenações do Lula que envolviam a rapinagem de bilhões de reais, que foram todas televisionadas, acompanhadas pelos jornais, respaldadas e homologadas por vários juízes e tribunais, são agora consideradas invalidas e anuladas, imagine então como devem ter sido as prisões de 99% de nossos presidiários... E quem é que vai rever e anular suas condenações? Já que eles não dispõem sequer de um advogadozinho de merda que fique, durante anos, fazendo petições e reinterpretando os Salmos, os Artigos e as Cláusulas pétreas das brochuras sagradas???

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II.Tendo em vista que a pandemia está absolutamente desenfreada e que os cemitérios já não dão conta da demanda, o Ministério da Saúde, recomendou ontem que as mulheres 'evitem engravidar' enquanto as coisas não se amenizem. Muitas donas de casa e até de senhoritas ficaram em dúvida se ele estava recomendando para que não esquecessem de tomar a pílula; para que ajeitassem bem o DIU, para que voltassem a praticar o coitus interruptos... ou, para que fechassem bem as pernas e radicalizassem ainda mais na ausência de sexualidade...

***

III. Mais da metade do país, ontem, assistiu de boca aberta e quase de joelhos ao funeral do monarca britânico. É impressionante como a população dos países periféricos tem uma idolatria mais do que religiosa pelas monarquias, pelos ricos e pelos poderosos. É espantoso como aquelas imagens de príncipes e condessas, da rainha e até dos lacaios, todos de preto, uns com chapéus, outros de cabeça baixa, com andar fúnebre, marcial, ensaiado e quase wagneriano, no meio de cavalos, de canhões e de bispos, eletrizam as castas inferiores, os párias e o populacho. Realezas & Monarcas! Como é possível que o mundo, que se crê vivendo no iluminismo, tenha tolerado até agora esses bolsões de nobreza de 'inspiração divina' enquanto 80% da humanidade se debate literalmente entre o pelourinho e a merda? Como é possível que eles próprios, depois de tantos séculos, não se envergonhem desse teatro?



sexta-feira, 16 de abril de 2021

Entre vacinas e pepitas de ouro...


Entre todas as noticias inacreditáveis que circularam pelo mundo desde o inicio da pandemia até agora, a mais fascinante e mais cinematográfica foi a de ontem: os índios ianomâmis fazendo uma denuncia de que funcionários da saúde que estão lá nas tribos aplicando vacinas, estariam vacinando clandestinamente também a garimpeiros em troca de pepitas de ouro. Sem nenhuma mistificação babaca, isto não lhes parece fantástico? Imaginem um curta-metragem. Os detalhes da negociação. A artimanha dos garimpeiros, todos nômades e pertencentes ao lupemproletariado nacional. Os trabucos e os facões na cintura e uma bolsinha de couro de vaca cheia de pepitas, de pedras preciosas que ainda não foram arrematadas e traficadas pelos estrangeiros, pelas ONGS, os evangelistas, as múltiplas congregações planetárias que disfarçadas de ecologistas, incursionam por lá. E o terror de morrer. Na hora do crepúsculo o canto da araponga com seus 120 decibéis que faz estremecer o sertão. As culpas. As dividas, a promessa de prosperidade e de voltar, feita aos filhos e às amantes que deixaram pelo mundo. A luzinha vermelha de um lampião lá no acampamento das putas que, como gaivotas, viajam sempre atrás dos garimpos porque, como eles, também são loucas pelo vil metal. Mas surgiu a epidemia! O mundo entrou em colapso! Os humores mortais da floresta. Os miasmas na beira dos rios... as sombras... as covas no meio do mato e sem identificação alguma, como ponto máximo da solidão! Um vírus! O que é isso? E os índios, com suas manhas próprias, que assistem passivos e em silêncio aquele focinhar incensante em suas terras.
E eis que aparecem os agentes de saúde com suas agulhas e com seus vidrinhos. Quase uma regressão de 500 anos. Alguma coisa em seu íntimo deve acionar as memórias da chegada daquelas caravelas que eram como medusas que seduziam e devoravam. Os tempos eram outros, as doenças e os perigos também... Espelhos, punhais e saca-rolhas... Filetes de bacalhau. Segundo os feiticeiros, sempre há alguma maldição rondando a floresta. As  agulhas! Como acreditar numa agulha e ainda mais, nas mãos de um homem branco? Ali ninguém é digno de confiança! Imunizar. Contra o quê? Os anticorpos. Mas o que são e onde estão os anticorpos? De onde teria vindo o mal. De qual aldeia? E os garimpeiros fazem bullying entre eles, brincando com as armas e olhando para as índias semi-nuas com concupiscência. Se não fossem as flechas envenenadas dos pajés.... O cheiro do fumo e da hoasca. Apesar das crenças, ninguém quer morrer e por fim a negociação: duas vacinas, uma pepita. Mas quem prova que a vacina é vacina e 
que a pepita é de ouro? 
Um casal de ecologistas passa à margem fazendo sua pregação quase religiosa de amor às árvores, à floresta e as libélulas. Um dos mais jovens e mais escolados dos garimpeiros os olha com ironia e resmunga para um colega o pensamento base de Chico Mendes, aquele que foi assassinado por lá:  luta ecológica que não inclui luta de classes é jardinagem... Todos riem sem saber do que riem. A vida é um show até mesmo lá no meio da floresta mais cheia de perigos e mais vazia de porvir...

 

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Da Sagrada hidroxicloroquina, ao Bolsonaro e ao Makron...




Acaba de chegar na minha tela, um novo video onde os franceses, numa suposta reunião de parlamentares, capitaneada pelo Makron, ironizam o Bolsonaro e o Brasil, com relação à "nossa" neurótica e estúpida insistência em usar a tal hidroxicloroquina para combater os sintomas do coronavírus.  

Sem nenhuma sombra de chauvinismo ou de nacionalismo, de minha parte, a gargalhada quase feminil daqueles sujeitos, me incomoda. Principalmente, porque na França atual, 80% da população, para resolver problemas físicos e psíquicos, ainda recorre a cartomantes e a oculistas e porque o principal motivo da cloroquina ter entrado na pauta do Bolsonaro e de outros ignorantes, foram as teses de um médico e pesquisador francês, de Marselha, um tal Didier Raoult... Lembram?

E depois, além disso, com cloroquina ou sem cloroquina, a França também está mergulhada numa merda total, com relação ao vírus.  Ou não? Portanto, qualquer ironia com o desastre e com a mortandade em curso no Brasil, independente das idiotices de nossos governantes ou de nossas putas, é mau caratismo e deve ser repudiada com veemência ao invés de ser capitalizada politicamente como tem sido por alguns vira-latas e por algumas de nossas cortesãs de plantão... 

E mais: a França, apesar de suas maravilhas, de seus bouquinistes às margens do Sena; de seus cafés; seus vinhos e de suas madaleines, não tem muita moral para ficar ironizando outros países, principalmente do Terceiro mundo, de onde rapina há séculos grande parte de seu PIB e depois de ter ficado décadas de joelhos tanto para os EEUU como para os vizinhos do norte...

Como ficariam aqueles petimetres que gargalham do Brasil no video, se alguém os lembrasse do escândalo do sangue contaminado em Paris, nos anos 90? 

Ou do vexame que tiveram que engolir, com cloroquina ou sem cloroquina, na Indochina? 

E a humilhação na Argélia? 

Ou mesmo se os lembrasse que o grande feriado francês, o dia 14 de julho, é uma fraude, pois que quando "tomaram heroicamente a Bastille de assalto" ela já estava vazia?

Ridículo! Tudo isso é  muito ridículo! Um pântano de mentiras coletivas... E com o vírus que vem ferozmente conseguindo desmascarar a gênese miseranda do ocidente e dos canalhas que o governam e que o emporcalham...

  Que o Makron tenha problemas com o Bolsonaro, depois que este ironizou sua mulher, tudo bem, mas por que, ao invés de usarem seus cargos para comprometerem os países que representam, não pegam uma garrafa de vinho e um meio quilo de Roquefort e vão passar uma semana numa ilha deserta, com discos da Edit Piaf e da Bethânia?








 

terça-feira, 13 de abril de 2021

Várias... Ou: lástima grande que sea verdad tanta miséria...

"Melhor é assoar o nariz do que enxugar as lágrimas"

(Carta de Mallarmé a uma amiguinha)

Citado por Pitigrilli


O caso Cajuru quase serviu para amenizar o trauma ocasionado pelo infanticídio que vitimou o menino Henry, lá no Rio de Janeiro, e que a mídia não se cansa de, entre propagandas de salchichas, seguros, bicicletas e uma ou outra pastilha vazar os detalhes de horror daquele casal miserável, da polícia e principalmente das testemunhas. Que a justiça ainda se apoie em testemunhas para condenar ou para inocentar alguém, é quase uma aberração, tendo em vista nosso atual grau de amnésia, de obnubilação e de nossa precária capacidade de observação a ponto de normalmente, não termos certeza nem da cor das cuecas e dos sapatos que usamos antes de ontem. E isto, sem falar das empresas de testemunhas falsas. Sobre este assunto, acabo de ler a anedota de que "certa pessoa que emprestara uma soma a um amigo, pediu-lhe a restituição, e quando o ameaçou de chama-lo a juízo, o devedor lhe respondeu que não havia documentos, nem recibos, nem testemunhas. Procurou o credor quatro testemunhas falsas, que compareceram perante o juiz:

-Estávamos presentes quando este homem emprestou o dinheiro àquele.

Mas o outro, por sua vez, apresentou oito testemunhas, que declararam:

- Estávamos presentes quando ele o restituiu". (p. 167,168 P.)

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Outro fato quase inacreditável ocorrido no último domingo, lá em Minas Gerais, e do qual não se fez nenhum alarde, foi uma manifestação pedindo a criminalização do comunismo. Acreditem, estava escrito isto na faixa que ia na frente da manifestação e que era transportada por quatro ou cinco dementes. Seria mais ou menos como pedir a criminalização das poesias de Tennyson; da loucura; da obesidade; do verbo subir e até da marmelada que na minha infância, era feita com laranjas... Inacreditável. De onde nos vem essa ânsia por criminalizar tudo? Esse desejo de voltar às grotas e às cavernas? 

Sem falar do padre, lá de São Paulo que durante uma missa, frustrado e insatisfeito com a igreja quase vazia, com a ausência de platéia e de seus pupilos dominicais, meio fleumaticamente, atribuiu a responsabilidade, não ao vírus, mas aos "vagabundos esquerdistas". Acusou a China, disse que na Venezuela estão torturando cristãos e os obrigando a comer as folhas da Bíblia... Acreditem, isto ocorreu realmente... E pelo que se sabe aquele padre não cheira e nem fuma... Qualquer semelhança com a Idade das Trevas não é mera coincidência...

E por último, o surrealismo do papo do Presidente da República com o senador Cajuru tornado público. Aqui na cidade, apesar das legiões de  maledicentes estarem sempre atentas, ninguém ainda conseguiu entender qual foi o sentido e a lógica daquele papo, e muito menos a intenção do senador em divulgá-lo. 

Por fim, como diriam os irmãos Argensola: Lástima grande que sea verdad tanta miséria...

segunda-feira, 12 de abril de 2021

América Latina: 26 milhões de desocupados. (Não seria o melhor remédio para a Síndrome de Burnout?). E o povo do Equador elege um banqueiro. Nem Bakunin explica...

"...Se nos tornássemos todos pobres, ou todos capitalistas, continuaria o rebanho humano a ter as suas ovelhas negras, a ovelha-vítima, a ovelha-tirano, a ovelha-privilegiada e a ovelha gata-borralheira..."
Pitigrilli

Da BBC no Equador
 

O Tempo e suas artimanhas...


Segunda-feira! Principalmente nas segundas-feiras acordamos cheios de curiosidades para saber se aconteceu alguma coisa nova no mundo, no país, na cidade, na nossa quadra. Porra nenhuma! Uma ou outra babá passeando com suas tirânicas crianças; um ou outro passeador de cachorros; o caminhão do lixo e a aboboreira, lá em baixo que, cheia de flores amarelas escorrega como uma serpente por entre as outras ramagens. Não está nem aí para as masturbações físicas e metafísicas a respeito do "degelo das calotas polares", do "efeito estufa", do envenenamento dos rios e muito menos com os misteriosos buracos negros lá por detrás das nuvens... E nem com a pandemia. Está, isto sim, admirada com o silêncio e com a melancolia que se instalou  nos prédios vizinhos nos últimos 500 dias, mas nada que a incomode. Floresce quando bem entende, umas vezes na aurora, outras no crepúsculo. Sabe lidar muito bem tanto com os dias ensolarados como com as chuvaradas inesperadas de abril, com as abelhas que aparecem para parasita-la e tanto lhe faz ver chegar da maternidade uma criança enrolada num monte de trapos ou a saída de um féretro para o cemitério, dentro de um caixão de mil dólares. É uma senhora abóbora, nascida ali pela urgência e pela falta de uma toalete pública. Os sem teto e até os forasteiros que vêm à cidade para ver a obra do Le Corbusier acabam tendo que invadir os jardins para suas mais abomináveis necessidades. A propósito, o que se pode esperar de uma cidade que, estando no meio de uma epidemia só vacina seus moradores nos horários comerciais. (Das 8:00 às 12:00 e das 14:00 às 17:00?) Quê ilusões se pode alimentar de uma cidade que não dispõe de toaletes públicas?  Os governos, com seus  lacaios estão prometendo privadas públicas na cidade desde os tempos em que JK ainda andava por aí em seu Galaxie 500... E, nada! Privadafobia? Sobre as vacinas? Todos os dias um exército de burocratas fala sobre elas. Um milhão, vinte milhões! Chegarão! Os impérios nos enviarão suas sobras! Todo mundo será imunizado! Nos salvaremos! Seremos Outros! Confesso que tenho uma súbita brochada quando vejo uma pobre velhinha, depois de caminhar duas léguas ou de atravessar um pântano, agradecendo a Deus e ao governador por ter sido vacinada! E em seguida, se dizendo feliz, enquanto está indo para o cemitério depositar um ramo da laranjeiras sobre a cova de seu filho, quase adolescente, morto asfixiado... 

O relógio! O tempo! Pasará más de mil años muchos más...

E os Barnabés, nas últimas cinco décadas, vieram insistindo que precisaríamos agregar uma vigésima quinta hora ao dia para que todas as burocracias pudessem ser superadas... 

Enquanto observo os movimentos da intrusa aboboreira lá no jardim e rabisco estes pensamentos, me vem à mente a anedota da construção da Mesquita de Bagdá. Diz, um escritor italiano, que "no momento em que a construção da Mesquita de Bagdá chegava ao fim, e surgiram os imprevistos de sempre inventados pelos contramestres e empreiteiros, Solimão, o Magnífico, chamou o arquiteto e disse-lhe: Na sexta-feira farei o "salemlik" na mesquita. Se nesse dia não estiver acabada, mando cortar-te a cabeça. Na quinta-feira o arquiteto lhe apresentou as chaves da mesquita..."

Outro exemplo de como lidar com o tempo: "D. Carlos, filho de Fillipe II, descontente com seu sapateiro, que atrasou um dia o conserto de suas botas, não o despediu e nem o trocou por outro, como era costume, fê-lo comê-las aos pedaços, fritas em azeite..."

E la nave va...


 



domingo, 11 de abril de 2021

COVID 19 no Canadá: - Jornal do Quebec, (sexta-feira)

 


Padre paulista "roda a baiana" contra o esvaziamento das igrejas...


No Diário do ano da Peste, Defoe constrói a história dos meses que precederam os tempos terríveis da Peste Negra em Londres (+ ou - 1665). Defoe, já em sua época, no meio do conflito entre as igrejas (protestante e anglicana) na Inglaterra, também publicou anonimamente um panfleto com o titulo: A solução mais rápida para com os Não-conformistas, onde "incentivava os grandes conservadores da igreja que atacavam os não-conformistas a prender todos os que fossem encontrados rezando em local secreto e enforcar o pregador religioso..." (Ver apresentação de Anthony Burges, a Um diário do ano da peste, de Defoe)

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"As platéias, os teatros, as naves das igrejas, os passeios dominicais, são museus de monstruosidades..." (P.)

O jornal dominical aqui da capital traz hoje uma noticia pra lá de cômica: O padre Oscar D. Clemente, de uma cidade de São Paulo, durante uma missa, ao ver a igreja quase vazia, (por ordem do STF), tem uma crise metafísica, rodou a baiana e atacou não apenas os "esquerdistas" a quem chamou de vagabundos, mas até mesmo ao Partido Comunista Chinês e denunciou que na Venezuela estão fazendo os cristãos comerem as folhas da Bíblia. Imaginem: as 889 páginas até o final de Malaquias 4, mais as 299 do novo Testamento e ainda o mapa de Canaã repartido em tribos... Haja estômago!  Curiosamente, esse servo de Deus se chama Clemente, como meia dúzia de Papas na história.

Se você está meio deprimido neste dia em que os ventos trazem até nossos ossos o frescor dos Andes, leia a matéria abaixo, ela te produzirá um pouco de serotonina e melhorará teu humor. ... Quem, até pouco tempo atrás ainda acreditava que a próxima guerra civil seria deflagrada por idiotices relacionadas a questões sexuais, agora começa a acreditar que será novamente por idiotices religiosas... Sim, é incrível!, e a espécie, meia rabugenta, meia cretina, resmunga e patina sem conseguir sair do lodaçal secular em que se encontra...


 "O veto imposto a celebrações religiosas presenciais pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciado no pacote de medidas restritivas para frear a disseminação do coronavírus no Estado, que enfrenta o pior momento desde o início da pandemia, virou tema de pregação durante uma missa transmitida ao vivo às vésperas da Páscoa. Na ocasião, havia expectativa em torno de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre pedidos para liberar a abertura dos templos no período, um dos mais importantes do calendário cristão. Dias depois, o plenário do tribunal acabou referendando decretos que proibiram temporariamente cultos e missas com a presença de fiéis.

A rotina de igreja vazia irritou o padre Oscar Donizete Clemente, da Paróquia Imaculado Coração de Maria, em São José do Rio Preto, no interior paulista. Após a celebração da missa no último dia 2, o líder religioso subiu o tom e criticou as medidas que limitaram a entrada nos tempos. Clemente atribuiu as restrições à influência do "Partido Comunista Chinês", que promoveu a revolução comunista no país asiático em 1949 e, desde então, permanece no poder do outro lado do globo.
Ao politizar a pandemia, o padre criticou Doria, chamado de "imundície", se referiu a adeptos de ideologias ditas de "esquerda" como "vagabundos" e repetiu a teoria conspiratória de que há um plano para transformar o Brasil em um país comunista e acabar com as igrejas no prazo de uma década - segundo cálculos próprios do religioso.
"Por que isso está acontecendo? É por causa do Partido Comunista Chinês. Esse bando de vagabundo não quer mais que Deus esteja presente. Então vamos distanciar, vamos afastar o povo de Deus. Todo mundo acha que é uma beleza, é uma gracinha, mas não vai dez anos, escreve. Se a gente não reagir, se a gente não bater de frente com esses vagabundos políticos, o Brasil vai ser um país comunista. Deus queria que a gente faça alguma coisa", disse.
"Vamos continuar assim. Nós de igreja, padres, bispos, pastores de igreja, vamos continuar tudo com a boca fechada. Vocês vão ver daqui a dez anos. É por isso que a igreja está desse jeito. Aqui na igreja tem covid, mas no ônibus lotado e nas festas não têm. Esse bando de canalha. A única coisa que eu posso fazer é falar, porque se eu tivesse autoridade para fazer ia ser diferente."
O padre ainda estendeu as críticas às demais autoridades responsáveis pela gestão da pandemia e repreendeu o silêncio das lideranças religiosas diante das restrições a atividades coletivas nas igrejas.
"Nunca é demais falar que isto acontece, por causa dessas autoridades incompetentes que nós temos. De um lado, os governantes que estão de sacanagem, estão de brincadeira, começando por essa imundície desse governador. Não pode na igreja, com todos os cuidados possíveis, ter presença do povo na celebração, porque na igreja se pega covid. Nos ônibus lotados, nas festaiadas que têm por aí, ninguém fala nada. E, por outro lado, as nossas autoridades religiosas, que têm medo, só pode ser medo, incompetentes, não batem de frente com esses vagabundos, abaixam a cabeça e dizem amém. Isso em âmbito católico, em âmbito evangélico", disparou.
Clemente também repetiu o bordão "Vai para Cuba", popular entre grupos de extrema-direita, e disse que na Venezuela, comandada por Nicolás Maduro, "chefes de famílias estão sendo obrigados a comer as folhas da Bíblia" após sessões de tortura.
"Só para você dar uma olhadinha, aqui, vizinho nosso, na Venezuela, que todo mundo acha, principalmente esse povo de esquerda, que ama, esses esquerdistas vagabundos. Por que não vão morar na Venezuela? Por que não vão morar em Cuba? Na Venezuela as autoridades políticas estão fazendo os chefes de famílias, depois de serem torturados, comer as folhas da Bíblia até acabar. Na Bolívia, semana passada ou agora essa semana, não vai ser mais permitido evangelizar na Bolívia. E todo esse bando de esquerdista vagabundo batendo palma para essa corja e as nossas autoridades não fazem nada. Mostra, Clóvis, aqui a igreja. É por isso que a igreja está desde jeito que vocês vão ver agora: olha aí, olha que bonito, olha que gracinha, está vendo. Do jeito que o Partido Comunista Chinês deseja", emendou". (Correio Braziliense)



+ Bolsonaro, os médicos e o judaísmo... (Por Rui Costa Pimenta, do PCO)

 


sexta-feira, 9 de abril de 2021

Tânatos ou Eros? O homem contra si próprio...

"Torna-se cada vez mais evidente que parte da destruição que flagela a humanidade é autodestruição; a extraordinária propensão do ser humano a aliar-se às forças externas no ataque contra sua própria existência é um dos mais notáveis fenômenos biológicos..."

Karl Menninger


Para todos os lados que se olhe, o desastre e a mortandade está escancarada. A doença entrando em todas as casas e se apoderando de grupos inteiros abandonados pela dita sociedade, pela cultura e pelo dito Estado. Incompetência generalizada! Só discussões covardes. O que, convenhamos, caracteriza uma traição abominável. Nenhum plano, por mais elementar que seja, para interromper a matança. Só masturbações intelectuais vindas tanto dos currais da política como da ciência. Uns apontando o dedo para os outros e todos se beneficiando da carnificina. Não é possível que, no meio dessa ilíada de energúmenos, não exista cinco ou seis sujeitos razoáveis que possam redefinir os rumos desse desastre e traçar um roteiro para a interdição dessa imbecilidade coletiva.

Estamos há 400 dias falando sobre lockdown e não tivemos a capacidade de decretar nenhum. Ou, pelo menos, demonstrar que ele não serve para nada. Vivemos num abre-e-fecha de escolas, de mercados, de bordéis, de estádios e de igrejas que é quase demencial, apostando no impossível, ouvindo politicozinhos de merda, da esquerda e da direita, que conduzem o país baseados apenas em crenças e em opiniões pessoais. Isso é ridículo! Vergonhoso! Canalha!

E o pior é que, quando isto passar, se é que passará, deixará nos sobreviventes a marca de uma decepção e uma sensação de fracasso que será tão ou mais devastadora que o vírus. Decepção que fará com que lembrem destes dias e de nós apenas com pena e desprezo...

Uma vergonha! Um primarismo cretino! Uma falta de capacidade generalizada. Todo mundo turvando as águas para dar impressão de profundidade. Estamos atrasados, muito atrasados. E as pessoas, que passaram décadas sendo convencidas de que havia um Sistema de Saúde; uma Universidade; uma Casta de brâmanes e de Sábios; um Estado; trezentas e tantas religiões, tudo para protegê-las e ampará-las, estão agora em casa perdidas e abandonadas com suas próprias doenças e com seus mortos, assistindo aos funerais diários que se perdem no meio da bruma de toda essa ignorância cristalizada, sem ter a quem recorrer. Diante do que, é até compreensível que se lancem louca e neuroticamente na direção dos céus, só que, por ironia, até eles estão desertos...

Querem saber por quê, apesar da proibição, as festas e as baladas continuam por todos os lados e por quê a juventude está indo voluntariamente de encontro ao vírus? Optando por Thanatos ao invés de Eros

Porque perceberam, no meio dessa retórica decadente e de um doloroso assombro, que todos os cartuchos estavam queimados e que todos os cofres estavam vazios! Que vieram pela vida-a-fora, sendo manipulados, domesticados e traídos por uma legião de barnabés demagogos, vaselinas, fanáticos, corruptos, cretinos e mentirosos...

De minha correspondente no Camboja...



quarta-feira, 7 de abril de 2021

Enquanto isso...

PARADOXOS. Para combater as trevas, dez minutos de trevas...(?) Mas e quem sofre de noctifobia?


 "Do mesmo modo que Tolstoi, agonizante, movia os dedos cegos no lençol repetindo o ato de escrever..." 

Antonio Lobo Antunes




Nesta manhã de quarta-feira, já recebi uns134 comunicados de que no dia 08 de abril (amanhã), das 20:00 às 20:10 horas, como protesto e como 'ato revolucionário' contra o governo Bolsonaro, será promovido nada mais nada menos do que um APAGÃO de 10 minutos. 10 minutos nas trevas! Diz a mensagem revolucionária. Todas as casas deverão apagar as luzes por dez minutos... Teriam feito algum acordo pelego com os chefões das Companhias Elétricas? (Mas e quem irá apagar a luz no fim do túnel? Mas e quem tem fobia à escuridão?)

Fico imaginando, quem foi o extremista que idealizou um ato tão soberbo, tão ameaçador, tão radical, tão subversivo... tão singelo e tão delicado... Um ato quase amoroso e romântico! Com certeza os efeitos serão imediatos... não é? Como reagirá a juristocracia? E quê pensariam dessa meninice o chanceler Molotov, Kadafi, Emma Goldman e o velho Bakunin? 

Ou será apenas uma sutil e dissimulada demonstração de capitulação? 

Que raciocínio de libélulas! Que manifestação esdrúxula e bizarra de resistência e de protesto! Como discordar dos mineradores estrangeiros que atravessando clandestinamente nossas fronteiras com sacos de diamantes às costas, elogiam os guardas por serem parte de um povo tao passivo e tão solidário?

Tudo bem, protesto é protesto! Já vi até grupos lançando brados de repulsa ao redor do Congresso Nacional que iam enrolados em bandeiras multicoloridas ou em lençóis brancos, queimando incenso e levando círios acesos nas mãos gritando contra os malandros do presente, contra os covardes do passado e provavelmente do futuro... Outros que passaram a noite em frente às conchas do Niemayer em posição de Ioga, resmungando mantras e 'captando energias positivas do Cosmos'. Já vi membros de várias tribos enterrando amuletos, puxando fumo e fazendo pajelança diante do Ministério da Justiça. Adolescentes dos três sexos, em plena luz do dia, baixando as calças e mostrando os respectivos traseiros para o  stablishment... Já vi grupos passando horas abraçados em árvores e gritando por imanência, transcendência, liberdade e por soberania... Já vi idiotas de joelhos gritando na direção dos governantes e da sociedade sitiada, que Nosso reino não é deste mundo!

Tudo bem, protesto é protesto, mas mergulhar voluntariamente a cabeça nas trevas por dez minutos, deixando o rabo levantado e para fora... Só falta ligar na radiola a Ave Maria de Gounod... e, nos dez minutos de escuridão, com os braços levantados para o invisível e para as réstias crepusculares, entoar juntos uma Salve Rainha... 

Isto não lhes faz lembrar a maledicência histórica contra o avestruz? Qual é o significado disso? Teria algum sentido metafísico? Quântico? Secreto? Não lhes parece um paradoxo? Tudo bem, protesto é protesto. O que verdadeiramente me incomoda, nem é o surrealismo místico dessas performances, mas a semelhança e a similitude entre os anseios e as táticas dos dois grupos opositores. Essa forma aparentemente diferente de reivindicar as mesmas coisas, como se um fosse espelho ou o alter Ego do outro. Como se tudo isso fosse muito infantil e muito tropical... 

Se a idéia é fazer um ato de protesto, sem sujar-se as mãos e sem molhar as calças, um ato diferente dos que se costuma idealizar lá na taberna, por quê não propor algo exatamente ao contrário? Por exemplo: ao invés das 20:00 horas, (quando todo mundo já está de pijama e de chinelos, coçando a barriga, passando óleo de jojoba nas articulações, ouvindo a xaropada da Band e se preparando para ouvir a xaropada da Globo), por quê não às 4:00 da manhã, com todo mundo levantando mal-humorado e intoxicado pelos pesadelos, dando descarga, alongando o esqueleto, abrindo as janelas, acendendo as luzes, os isqueiros, os faróis, as lanternas, dando gritos e tiros para o alto, exigindo mais e mais luz (como Goethe quando estava agonizando), tocando fogo nos conteiners e etc. 

Ah! Como ainda estamos enredados às táticas beatas das antigas camareiras de Gandhi e dos antigos pick-nicks das carmelitas... 

Quem é que, nestas horas, não tem nostalgia pelos tempos dos black blocs?

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EM TEMPO:  

Essa idéia de ficar dez minutos no escuro e diante do invisível, me remete à página 93 de um autor italiano (que não me autorizou a citar seu nome), onde se pode ler: "Nada é mais belo do que aquilo que não existe e se adivinha e faz pensar (...) Quando morreu inesperadamente a dançarina Anna Pavlova, o seu recital não foi cancelado, mas à noite o teatro mergulhou na sombra, e enquanto a orquestra executava "A morte do Cisne", de Saint-Saens, o pano se abriu lentamente, deixando ver o palco vazio e escuro. De repente a luz argêntea de um refletor começou a  mover-se como se seguisse os passos da sublime bailarina..."

terça-feira, 6 de abril de 2021

A pandemia e as promoções...

 "não existe nas farmácias nada específico para a existência; somente pequenos remédios para os presumidos..." e-commerce E.M.Cioran

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Nesta semana, com o anúncio de que os preços dos remédios iriam dar um salto, a mocinha de uma farmácia aqui dos arredores ligou-me para saber se eu ainda estava neste mundo e se não queria aproveitar, comprar alguma coisa, antes que 10% fosse agregado aos remédios, em geral. 

Lembrei do mendigo K que sempre que pode solta os cachorros contra as multinacionais de medicamentos, (as suíças, as alemãs, as britânicas, as francesas, as da Holanda e as gringas em geral) acusando-as de viver às custas dos velhotes aposentados, da hipocondria e das misérias corporais dos países subdesenvolvidos. Enquanto ela ia listando os remédios que ainda estavam em promoção eu lembrava daquele caso ocorrido nos EEUU no século passado, daquela mulher que tentou suicidar-se para aproveitar os preços e as ofertas de uma funerária. 

A moça ia me oferecendo de Losartana, e Band-aid a Viagra... Tudo a preço antigo! Sim, tudo iria aumentar! Ah! A carestia... A pandemia... o dólar, as vacinas falsificadas, os combustíveis, a reabertura dos templos, o anti-cristo, a China, os ladrões, os buracos nas calçadas e os buracos negros nas camadas de ozônio, as vacinas indianas, o turbante dos marajás e o Karma, os efeitos do Brexit, as greves, o Bolsonaro, o Lula, os raios, os mosquitos da Dengue, a desvalorização do yen, o aniquilamento da Amazônia de onde roubam a matéria prima, o apocalipse anunciado tanto por São João lá em Patmos como pela Virgem de Fatima, lá em portugal...  Sua voz era suave e quase febril, como a das moças ignorantes e saudáveis que sabem muito bem como tocar aquele instrumento de Safo, sempre sóbrias e descompromissadas com todas as mentiras, as dores e a hipocondria do mundo... Era a voz de quem parecia apenas estar cumprindo com uma determinação do gerente dos trustes, dos cartéis e das máfias farmacêuticas. O senhor vai querer o quê hoje? Aproveitei para comprar meia dúzia daqueles chicletes com gosto de pastilhas Valda... Enquanto ela ia atualizando meu cadastro eu lembrava daquele filósofo grego que antes de jogar-se na cratera do Etna teve o cuidado de tirar as sandálias e também da ironia de um escritor italiano sobre os otários do mundo: Se o zoológico colocasse seus animais em liquidação - dizia -, muita gente levaria para casa um urso e até teria uma família de focas dentro da banheira... 

Parecendo ter ficado decepcionada com minha compra, mandou-me o valor e o número da conta bancária da farmácia, garantindo que um entregador estaria batendo à minha porta nas próximas 24 horas para fazer a entrega dos chicletes, isto, se alguma nova desgraça não descambasse sobre a cidade ou se abatesse sobre o mundo... Antes de desligar, pronunciou o mantra de  todos os comerciantes: Fique com Deus! Diante de meu silêncio ela mesma concluiu: Amém...