"Guia teu cavalo pelo fio da espada
Esconde-te no meio das chamas"
(Sentença Zen)
Com um extremo do país salpicado de gelo e o outro com o mesmo sol do Saara, o dia por aqui amanheceu com ar esquisito. Não apenas a temperatura, mas a luz e o movimento dos astros e das nuvens... Também no comportamento das pombas, dos sabiás, dos chupins, até dos gaviões e de outros pássaros que frequentam esta quadra, sinto que algo está alterado. Se perseguem, se debatem entre as folhagens, se olham meio de lado, dão rasantes quase suicidas na beirada dos paredões dos prédios, uns para fugir dos outros. Que porra é essa?
Segundo uma moradora aqui dos arredores, enquanto apertava fortemente um rosário entre os dedos minúsculos da mão direita, é pura safadeza, estão em cio. Preste atenção, me dizia: são as pobres fêmeas em fuga, com os machos tarados e abusadores atrás delas querendo a parte que lhes cabe neste latifúndio...
Acreditei, mas não convencido, liguei para um sujeito que conheço, um tal ornitólogo, que está há treze anos para concluir uma tese doutoral sobre a sexualidade de uma determinada espécie de beija-flor. Um tipo que não é o colibri comum, mas um outro das 320 espécies que, segundo ele, vem do Alasca passar a primavera por aqui e que tem uma mancha vermelha na nuca, dois olhinhos menores do que uma semente de papoula e três penas de uma cor de vinho infernal no rabo.
Ele estava em reunião com seus sete orientadores, dois vindos da Alemanha, um de Vancouver e um de Puskar, cada um falando no seu idioma, mas mesmo assim, pediu licença a esses sábios, foi a um canto do auditório e falando baixinho, foi me explicando: Bazzo, a senhora do rosário, que falou em fornicação aviária, tem razão! Quando há uma mudança de estação, principalmente esta, isso mexe com os hormônios das aves em geral, mas principalmente dos hummingbird. E basta um raio de sol nas pupilas para transtorná-los. São mais ou menos como nós! E não só as pombas, há beija-flor que sai do Canadá para ir à la Tierra del Fuego ou para vir dar uma trepada aqui em Sobradinho. Muitos, apesar de terem um coração quase maior que o corpo, morrem pelo caminho, ao atravessar o Golfo do México ou o Triângulo das Bermudas, e os que chegam, frequentemente descobrem que sua pretendida ingressou num convento de carmelitas... outros, quando entram aqui nos trópicos, são logo papados por um carcará Zen ou por uma outra ave de rapina...
Quer sacanagem e escravidão mais fdp do que esta? O que é que impede esses idiotas de treparem por lá mesmo? A propósito, Bazzo, você já leu o Egoísmo dos genes? Ou: o Gene egoísta?
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