quinta-feira, 28 de julho de 2022

A Carta dos banqueiros e dos empresários... e a história incrível da desfaçatez...


"O empurrãozinho que nos dá o destino - transforma-nos um deserto num jardim." 
(Trilussa)






No mesmo dia em que auditores e Fiscais do Trabalho anunciaram o resgate de quase 400 trabalhadores que estavam submetidos a situação de escravidão, em 16 estados do país, há um frenesi e uma excitação inacreditável ao redor da Carta dos Banqueiros e dos Empresários, em "defesa da democracia". Depois dos barões, agora até muitos pés de chinelo - de esquerda e de direita - estão se acotovelando para assinar a referida carta. Muitos, inclusive, nem sabem o que estão referendando e outros, que nem sequer sabem escrever o próprio nome. 

Surrealismo à parte, quê democracia é essa que se referem esses senhores? Quê democracia é essa que mantém de molho mais de 20 milhões de analfabetos? Uns 30 milhões de mendigos? Outros 50 milhões de limítrofes? Uma classe média abobalhada? Uma elite cretina? Uma sociedade que contabiliza 50 mil homicídios por ano e que mantém 700 mil sujeitos enjaulados em penitenciárias e manicômios medievais? (muitos, ainda sem julgamento e outros tantos por desentendimentos e mal entendidos).

Democracia? Desde quando um país é considerado democrata pelo simples fato de ter eleições livres de 5 em 5 anos? Com as mesmas famílias se revezando no poder e nos palácios há meio século? E de, qualquer clown poder ficar vendo filminhos pornográficos durante o expediente?

Enfim, ouvir Banqueiros e empresários defendendo a democracia não é apenas uma piada e um motivo de bebedeira, é algo quase messiânico e inacreditável... Mas afinal: de quê democracia eles estão falando? Da 'atual' ou de uma idílica e futura?

Estamos mal! Muito mal! 

Apesar de todo mundo gostar de exibir-se e de citar a frase de Marx: a história se repete primeiro como tragédia e depois como farsa,  ninguém parece querer sair da catalepsia!

Um show de vira-latismo que lembra a Síndrome de Estocolmo...

E o pior, é que o rebanho (cego, traumatizado  e sedento) vem sendo assediado e empurrado de um lado para outro com uma facilidade nunca antes registrada... E que até os tais artistas, os tais poetas, os delirantes das sextas-feiras, as mocinhas da 315, as velhinhas do final de feira... os animadores da esquerda e até mesmo o Bolsonaro e sua trupe, todo mundo só fala em democracia e na sacrossanta Carta Magna... Ah! a democracia! Ah! a Carta Magna! Sim, mas e as filas para mendigar ossos nos açougues? E os sopões de escamas de peixes? E as filas ao redor dos hospitais para conseguir um Band-Aid ou para tratar uma unha encravada? E os morros que, a cada chuva, se desmancham sobre os cortiços? E os rios, em estado terminal e cheios de espuma, que passam há décadas pela retaguarda das mansões iluminadas e em festa? E essa estranha submissão e culto à gerontocracia? E os salários de uma pequena e malandra confraria? E os salários de uma imensa multidão de escravos? E a tirania maquiada de humanismo e de cristianismo?

Enfim: o que é essa tal democracia? DEMO cracia?

Segundo Barbey d'Aurevily, seria a soberania do ignóbil. 

Segundo Bolivar, servir à democracia é como lavrar o mar. 

Segundo Russel Lowell, é a ideologia política segundo a qual eu não sou igual a ti, mas tu és igual a mim... 

Segundo um velho deputado, não é mais do que a arte de fazer com que o povo seja oprimido pelo povo, no interesse do povo...

Segundo o Mendigo K, ela se deve mais à pólvora do que a Montesquieu.

Ah! Que miséria! 

Mas, mesmo assim, Viva a revolução humanista dos banqueiros! 

Viva a consciência de classe dos Empresários! E viva também a revolução dos bichos! 

(Teriam lido o Banqueiro anarquista, do Fernando Pessoa???)

Na cobertura do prédio vizinho alguém, no violino, intercalava a Sonata número 10, com a de número 6,  de Nicollo Paganini... 

E la nave va... dritta nell'abisso...







quinta-feira, 21 de julho de 2022

Hasta la vista, baby!


"Tudo é poeira... as cidades, os homens, eu e você... Tudo é poeira!"

(Vovô Arkhip, em Górki)





Nestes dias de Campanha Eleitoral, os sociólogos, os antropólogos, os psicólogos, os astrólogos e até os donos de circos têm a oportunidade de ver, ouvir e mapear o espetáculo repetitivo e o atraso em que estamos metidos e do qual, parece, não será fácil sair.

Incrível! Os mesmos protocolos, as mesmas agendas, as mesmas promessas, os mesmos truques, o mesmo cinismo, as mesmas ilusões, aos mesmas declarações, as mesmas promessas, as mesmas desonestidades intelectuais e morais e a mesma ignorância de sempre, e com os mesmos rebanhos, gorduchinhos ou esqueléticos; burgueses ou proletários; urbanos ou agrários; católicos ou evangélicos ou budistas; mais fascistas ou menos fascistas, se deslocando fanática & religiosamente de um lado a outro, levantando bandeiras, exibindo frases, jurando fidelidade, falando em amor & ódio, brigando e se matando nas ruas pela honra de seus candidatos... Inacreditável! Penso no vovô Arkhip, de Górki, falando para seu neto: "é tudo poeira... as cidades, os homens, eu e você, tudo é poeira..."

É evidente que esse sistema, que eterniza o rodízio de gangues nos governos, não tem futuro. Principalmente, porque, na essência (bem na essência) eles têm o mesmo histórico, a mesma formação moral, pensam as mesmas coisas 'das coisas'; têm a mesma cartilha e fumam no mesmo cachimbo. O caráter é o mesmo! A diferença entre eles é insignificante! Pensem bem: são mínimas e insignificantes as alternativas no cultivo de uma cenoura ou na criação de uma cabra. Não é verdade?

Enfim: um show de mau caratismo! Uma espécie de pedagogia da trapaça! Exemplos:

Bolsonaro, dirigindo-se ao seu rebanho: Nós somos o BEM, eles são o MAL (!!!???)

Lula, dirigindo-se ao seu rebanho: Se ele lhes oferecer benefícios, peguem e vão comprar comida e depois, na hora de votar, deem uma banana para ele (!!!???)

Cinco anos de um grupo e logo vem outro grupo que destrói tudo o que o grupo anterior engendrou... e que depois de cinco anos será substituído por outro grupo que agora destruirá o que este fez... e assim, sucessivamente, de maneira ordinária e interminável... E só falam na corrupção dos antecessores. Ora! Já é tempo de entender que a única motivação desses grupos sempre foi a corrupção! E que, portanto, é tempo de legalizar essa patologia! Rouba mas faz! Lembram do slogam daquele governador de São Paulo? Que também dizia: estupra, mas não mata!? (Ah! Penso, inicialmente, nas secretárias e nas mulheres desses bandos, fascinadas lá nas boutiques de Paris e de Tóquio e em seguida, nas idealizadas estradas de ferro e nos trens noturnos e luxuosos fazendo diariamente Ceará/Foz do Iguaçu!) que ninguém quer construir...)

Porra! Mas nós já somos todos adultos! Muitos já com um pé na cova! E ter que assistir uma miséria dessas novamente... isso é demais! Vão foder outros!!!

E nem precisa viver aqui na capital, para entender que da maneira como a república está montada, é difícil quebrar esse circulo vicioso, subterrâneo e medíocre, essa lenga lenga de candidatos, militantes e de burocratas e de subalternos, essas nomeações de parentes e de amantes, essa puxação de saco, esse excesso de poder e de dinheiro, essa desonestidade intelectual e moral, essa cumplicidade com os jornais, com as igrejas, com a polícia e até com as cortesãs. Isto, porquê, todos esses trapaceiros estão envolvidos numa espécie de teia de aranha gigante que os impede de ser objetivos, práticos, lúcidos decentes e saudáveis. Por exemplo: para conseguir retirar um sofá (invadido por ratos) da sala de espera de um Ministério, não é uma missão simples. Se necessita de mil e uma autorizações. Memorandos, brigas, e ofícios pra cá e pra lá; reuniões com os sindicatos para saber se o despejo configura uma tirania stalinista ou apenas um capricho da pequena burguesia; consultas aos diretores; ao pessoal da limpeza; à Coordenadora da área; ao médico legista; aos especialistas em insalubridade; ao pastor que aparece de vez em quando para lembrar aos 'servidores' do Sermão da montanha ou ao padre que vem, às sextas-feiras, vender indulgências, enquadrar hereges e distribuir bençãos & hóstias entre eles. Se necessita consultar os defensores dos ratos, o pessoal dos Recursos Humanos, o Domenico di Masi, teórico (como Sêneca) do ócio criativo e etc e etc. O problema, é que durante todo esse longo e surrealista processo, (naturalmente), muda o Presidente, mudam os Diretores, os Subalternos, os Puxa-sacos; e os Cargos de Confiança, as Amantes (ou os Amantes) são substituídos e tudo recomeça... 

E, o pior: como os ratos passam a vida inteira ruminando e trepando, nesse tempo todo, já surgiram sete ou oito novas ninhadas, e o sofá já ficou inflacionado e superpovoado de ratinhos que, simpáticos e amorosos circulam por sobre os bureaus e as mesas... e, de madrugada, roem a beirada dos prontuários, dos processos, dos relatórios, dos contracheques, das bíblias, das bisnagas de vaselina, dos brinquedos de silicone e dos restos de biscoitos espalhados pelas gavetas... Sim, é a República que, como o gyros e o moussaka, herdamos dos gregos! A propósito, visitem a Grécia e o resto do mundo republicano para ver o resultado...

Não, não tem sentido ficar eternamente fazendo eleições! Essa masturbação coletiva, cansativa e sem gozo! Ficar nessa neurose de repetição!  - Ah! mas as urnas são confiáveis!  - Pior ainda! É necessário pensar. A cabeça não foi idealizada pelo CRIADOR apenas para ser enfiada num travesseiro, ou para nela se pendurar brincos, óculos escuros, chapéu ou boné...

E quando é que se enviará uma Comissão Parlamentar de Inquérito à Atenas, para lá mijar sobre a tumba e sobre as cinzas de Platão? 

Como ironizou o Primeiro Ministro Inglês, depois de perder o "melhor emprego do mundo": Hasta la vista baby!


 



segunda-feira, 18 de julho de 2022

LIVRE ARBÍTRIO!!! E você, nobre e revolucionário eleitor! Prefere o piauiense ou o mineiro?



"Beati tutti coloro che, nati prima della Scienza, 

avevano il privilegio di morire alla loro prima malattia..." 

(Cioran)


(Correio Brasiliense 18 julho)

 









domingo, 17 de julho de 2022

Depois do chinelo de dedos, a máquina de lavar, o liquidificador e o aspirador de pó...





Um mestre do Zen Budismo, - ou de outra seita qualquer daqueles tempos -, caminhando no meio da noite de braços dados com uma ninfeta, ao ouvi-la dizer: Adorado mestre, que silêncio! lhe responde: Adorada ninfeta, não digas: que silêncio, digas: Eu não escuto nada!

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Durante a pandemia, esses quase três anos que passamos engaiolados em casa, reféns não apenas do vírus, mas de nossas próprias paranóias & fantasias, além dos chinelos-de-dedo fizemos contato intenso com outros três instrumentos domésticos que estão na essência da loucura das donas de casa e de quem é obrigado a se submeter a eles: a máquina de lavar roupas o liquidificador e o aspirador de pó. O barulho dessas três geringonças, apesar de parecer natural, é inquestionavelmente enlouquecedor. Quando a máquina de lavar (de qualquer marca e de qualquer tamanho) começa a fazer aquele rebolado, jogar a roupa de um lado para outro, preste atenção como o prédio e os cristais tremulam. E como, dependendo do tipo do zíper e dos botões que há lá naqueles quinze quilos de roupa suja, a coisa fica ainda pior. Se se esqueceu uma moeda ou uma chave num dos bolsos, então... 

E o liquidificador? Os dois minutos que aquelas navalhas precisam para trucidar o abacaxi ou o limão, são ensurdecedores. Do aspirador de pó, nem se fala...  E depois ainda se reclama quando se ouve as mulheres jurando que estão zonzas, baratinadas, fora-de-si e "uma pilha de nervos!"

Penso na chamada Revolução Industrial e nos fabricantes... Quem é que deu Alvará e direito a esses trapaceiros para fabricar e vender essas porcarias? Não há controle de qualidade nessa merda? 

E o barulho, todo mundo sabe: depois de se enfiar pelo labirinto do ouvido e desorganizar os cristais auditivos, vai direto para o sistema nervoso central e aciona no sujeito, além das neuroses atuais, até as  mais antigas, (neuroses, às vezes, relacionadas ainda com as putarias e chacinas das tribos e das antigas caravanas que, em condições de vida mais saudáveis até passariam adormecidas e desapercebidas). A propósito de neuroses seculares, lembram da gritaria e da barulheira das tribos chinesas, quando viam Gêngis Khan, chegando da Mongólia arrogante e invadindo suas aldeias?  

Apesar de Hipócrates, lá em seu "juramento" moralista não os mencionar, na rotina de seus conterrâneos, que viviam em média uns 100 anos contando estrelas e coçando o saco às margens do mar Egeu, havia três protocolos sanitários fundamentais: a qualidade da água, do ar, e do silêncio.





sexta-feira, 15 de julho de 2022

Os malefícios causados pelo tal 'chinelo de dedo'...


"Di novanta malattie, cinquanta son prodotte per colpa, quaranta per ignoranza..."

Mantegazza

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Um dos efeitos colaterais do covid e desses três anos de confinamento, trancados em casa como idiotas, foi o uso compulsório e full time de chinelos, as tais havaianas, cópia de um chinelinho ridículo, de mesmo formato, que os soldados americanos, traziam para o ocidente como souvenires quando voltavam humilhados e derrotados da Ásia e do Vietnã.

Em síntese: o uso de chinelo, em casa ou em qualquer lugar é depressivo. (E também deprimente!)

Preste atenção: se tua depressão tem se manifestado com mais frequência nestes tempos, associe e relacione os sintomas ao uso desse objeto vagabundo, com uma tira que forma calos entre o dedão e o segundo pododáctilo. O Dr. Ching Zoo está averiguando se há ali um ponto importante da acupuntura...

Lembre-se: Freud aconselhava, antes de diagnosticar alguém como depressivo, observe se ele não está cercado por idiotas! Nós aconselhamos: antes de diagnosticar alguém como depressivo, observe se usa chinelos de dedo.

E o problema não é apenas psico-físico, mas de auto-estima. Com essas geringonças nos pés, se olhe num espelho. Por mais arrogante e narcisista que sejas, a imagem patética que verás te colocará de imediato em nocaute. Aliás, por falar em ir ao chão, 90% das quedas (de velhos ou de jovens) em casa ou nas ruas são causadas por esse objeto estúpido, anti-estético e desprezível que vai se enroscando nos tapetes e levantando poeira por onde passa... (Sem falar do barulho e do cheiro!). Nós usamos barba, todo mundo sabe, para evidenciar nosso parentesco e afinidade com as cabras, mas e usamos chinelos para quê?

E depois, ninguém confia num sujeito que está usando chinelos! Preste atenção: é o arquétipo perfeito do bobalhão e do palhaço! Até os guardinhas do DETRAN proíbem seu uso!

Quando você começa ver casas se especializando na comercialização de um único produto (seja Havaiano,Taitiano ou Haitiano), desconfie! São trapaceiros e vivaldinos que estão sempre a serviço do tal Status Quo, da padronização e da universalização do babaca e do cretino. 

E depois, duvido que você vá a um encontro amoroso ou que a profissional que contrates apareça em tua casa com uma merda dessas nos pés! Duvido que consiga fazer um empréstimo ou realizar um bom negócio usando chinelos! Não é por acaso que quando se quer desprezar alguém se diz: esse é um pobre pé de chinelo!

Enfim: preste atenção nos teus sintomas depressivos antes, e depois de jogar  essas porcarias na lareira ou na lixeira. Milagrosamente, tudo passará! 

E este alerta, me dizia o Mendigo K, deve ser dado com urgência, principalmente à Confederação Internacional das donas de casa que, cada dia mais loucas, passam a vida inteira enclausuradas e sempre arrastando uma merda dessas nas patas...



 


quinta-feira, 14 de julho de 2022

Os vira-latas do Rock... Ou: com a estrela no rabo...


"Mediante el ladrón se desenmascara al proprietário".
Karl Kraus




Ontem, como todo mundo viu e ouviu, foi comemorado o dia do Rock in Roll. Uma memória daquele festival  realizado lá na Filadelfia para, demagogicamente, levantar uns trocados para os famintos da Etiópia. Lembram?

Na padaria da esquina, além dos costumeiros mendigos, ontem à tarde havia também um grupo de umas oito pessoas, mais ou menos jovens, homens e mulheres, mas de um pedigree diferenciado. Pelo que diziam, pela pantomima e por outros traços, não era difícil adivinhar  suas origens, o passado e o Curriculum de cada um deles. E claro, falavam sobre política e o Rock in Roll, mais ou menos com o mesmo fulgor com que os evangélicos falam de seus Encontros de Cura & libertação. Cada um, mais entusiasmado do que os outros, queria contar como havia se iniciado, quais eram suas fontes, suas preferencias, suas paixões e etc...

Eu - dizia um deles - fui iniciado por minha avó, que era professora e que adorava Edith Piaf. Meu avô, por sua vez, adorava Gigliola Cinquetti. Depois, fui enredado pelas coisas do Sting. Ah, o Sting! Eu e uma amiguinha sabíamos tudo sobre o Sting... Depois, passamos para o U2. Tínhamos veneração por ele. Diziam até que ajudava os pobres e que era comunista. Será? Um sujeito quase anoréxico, enquanto enrolava um baseado, insistia que devia sua vida a Eric Clapton...

Era interrompido por outro que conclamava: e minha mãe, que vendeu sua máquina de costura para comprar uma passagem de navio e ir ver o Elton John? Todos em casa tínhamos paixão por Elton John... Depois, vieram os Beatles...

Os mendigos prestavam atenção àquelas discussões quase infames e continham o riso...

Uma moça colocava na roda o Bob Dylan. Ah, eu e minha irmã mais nova nos masturbávamos ouvindo Bob Dylan. Alguém lembra que ele foi Prêmio Nobel de literatura, mas ninguém se entusiasma. Um barbudo conta em detalhes o show do Phil Collins que foi assistir. Diz que teve uma tremedeira quando o viu no palco. Outro diz que foi, a Londres, também com a mãe, para ver a banda The Police e que se apaixonou à primeira vista, quando os viu cantando uma música em defesa do proletariado. Voltam a falar do Elton John. Ah! minha adolescência ficou marcada por Elton John! O outro, cita em inglês, (britânico) os álbuns dos Beatles. Outro passa para o The Mamas and de Papas. O mais tímido do grupo diz que só cortava o cabelo como o Paul Mc Cartney. Outra mocinha conta intimidades do Eric Clapton e das aventuras do Mick Jagger com uma de suas primas. E o The Who? Pergunta um velhote com sobrancelhas tipo as de Brejnev. Um deles que parecia ser músico profissional insistia em falar do David Bowie. Dizia tocar suas músicas até hoje. E o Dire Straits? E ia descrevendo (no inglês americano) música por música do álbum Brothers in Arms... etc, etc, etc,

Foi um show infanto-juvenil e de vira-latas.

E volto a lembrar, era um grupo de gente com trinta/quarenta anos ou mais. Gente que inclusive, em outras épocas, se diziam stalinistas, que apoiavam na íntegra a Revolução cultural do Mão Tsé Tung, (mesmo quando viam seus soldados jogando pianos, guitarras e até seus proprietários pelas janelas) e que estavam sempre presentes nas manifestações anti imperialistas ali diante das embaixadas de Londres e dos Estados Unidos... gente que, inclusive, conhecia e defendia o Manifesto por uma arte revolucionária independente, escrito por Trotski e Breton, lá no México, em 1939.

Sim, mas é que viam também nas letras dos roqueiros, verdadeiras poesias, protestos e manifestos libertários. Ah! Os Rolls Stones! Ah! O Pink Floyd! Ah! a Edit Piaf! (quando aparecia o nome de Edit Piaf recitavam em coro, no francês aprendido com as freiras do Sacre Coeur de Marie: Je ne regrette rien!). Ah! o Elton John! Ah! o Bob Dylan... E quando alguém, nostálgica e distraidamente mencionava o Lobão, o Cazuza, o Renato Matos, o Porão dos ratos, o Liga Tripa, as alucinações de Raul Seixas, os Anéis de Saturno da Rita Lee, a lenga lenga do Renato Russo, a Plebe Rude e a Anita (que, ainda horrorizada com o crime da Foz do Iguaçu), minutos antes, havia declarado seu voto ao Lula), todo mundo torcia o nariz... 

Ah! como aquelas guitarras mexiam com nossos sentimentos, com nossos nervos, com nossa estrangeiridade, e como já tínhamos em nós, sem saber, os genes dos vira-latas... 

Um mendigo, recém incorporado ao grupo, pediu a palavra para revelar que, como muitos deles, também aprendeu com sua mãe, (uma senhora de quem herdou o ofício), a ter paixão pelo Rock de Cascatinha e Inhana... Todos, fingindo não entender o sarcasmo, e intimidados, ficaram em silêncio...

 



quarta-feira, 13 de julho de 2022

Murro das lamentações ou Folhetim escatológico & de horrores???


"Un medico coscienzioso deve morire con il malato 
se non possono guarire insieme"
Ionesco






Por mais cuidado que eu venha tendo, estou começando a concordar com um de meus leitores anônimos que escreveu-me: Bazzo, seu blog, de um Murro das lamentações está se convertendo numa espécie de obituário ou de Boletim escatológico e de horrores.

Admito: a critica é pertinente.

Mas.., me justifico: o problema é que se desgraças de todos os tipos e gêneros, continuarem pipocando nessa intensidade e por todos os lados... como ignorá-las? E depois, acrescento: é através dessas repetidas misérias humanas que, - como diria Cesare Pavese - contemplo, julgo e me equilibro no mundo...

Na semana que passou, por exemplo, lá no Rio de Janeiro, depois da descoberta de uma fábrica clandestina de cigarros, onde eram escravizados 23 paraguaios, surgiu agora o caso do médico anestesista que durante o processo do parto, colocava o pau na boca das parturientes. (Claro, eu poderia usar uma linguagem bem mais singela e até bem mais romântica, mas prefiro colocar-me à altura de minha época). 

Com uma mulher sedada? 

Anomalia que até entre as aberrações mais exóticas, aparece como uma bizarrice.

Quais seriam as fantasias daquele pobre sujeito? Não lhes parece algo que nos remete à necrofilia?  A propósito das perversões e da necrofilia, é sempre bom lembrar que lá no Egito dos tempos de nossos tataravós, numa espécie de gratificação trabalhista, ou de adicional de insalubridade, quem trabalhava nos necrotérios tinha o direito de copular com os cadáveres. 

Que tal? 

Sempre que dou um mergulho na história e me deparo com essas maravilhas de nossos ancestrais, penso na lenda que diz: E então, o Criador contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era bom... (!!?)  

Perversões? Tudo bem! 

O mundo veio ziguezagueando no meio delas, desde sempre mas, convenhamos, até elas têm limites...

As mulheres, com razão, assustadas, não param de falar sobre o assunto. E a velhinha armênia, que estava no mercado enfurecida com mais esse caso,  proclamava que se deveria implantar aqui, imediatamente, alguma coisa parecida ao  Código de Manú, ou de Hamurabi que, aliás, pelo que sei, foi uma aberração terrível, oficial e vingativa dos indianos.

Tudo bem, tudo bem - fui acalmando-a - mas enquanto isso, o que é que se poderia fazer?

Ela, arrumando o lenço amarelo que lhe ocultava a metade da testa e os escassos cabelos, bradou: decretar o fechamento de todas as faculdades de medicina do país por 60 dias! Tempo suficiente para rever os currículos, estabelecer protocolos e higienizar a área. Faculdades de medicina? Só públicas e com um outro tipo de MEC para supervisioná-las!

 E os estudantes, - continuou - não apenas dessa área, mas também da psicologia, da veterinária e até da engenharia, durante os seis anos de formação, deveriam passar anualmente por exames psíquicos! Pois uma tara dessas, não aparece de um dia para o outro, me entende?

E por que fechar as particulares?

Ora, porque se eu mesma, uma velhinha já caduca, com setenta anos, e cheia de 'contas a ajustar com o mundo', se eu dispor de dez mil reais por mês, durante seis anos, posso ingressar numa delas e, independente de meu desempenho, de meus problemas cognitivos e até de minhas taras, aos 76, receber invariavelmente meu título, e ainda por cima, com as honras e demagogias que se costuma conceder às velhas chantagistas, impertinentes, chatas, fofoqueiras, malandras e caducas. Me entende?

E isso é perverso! Isso é negócio! Isso é uma espécie de simpósio de ladrões que empata e conspurca o processo civilizatório!

E quanto ao Código de Manu, Bazzo, ainda hoje, se você circular lá entre as castas e regiões miseráveis da Índia, vai encontrar Versos dele, escritos em sânscrito, gravados em bronze, descrevendo as atrocidades que o Estado e os Clérigos estavam autorizados a praticar contra aqueles que cometessem uma aberração como a desse medico...

Pegou o gerente do mercado pelo braço para reclamar do preço do Kiwi, pagou a conta e saiu arrogante, como se  acreditasse haver revelado a mim e aos outros que a ouviram, um capítulo extraviado da Sabedoria universal...  

Atravessou a rua fora da faixa, assobiando uma música de Cesária  Évora. (na intimidade, ela já me havia confessado que essa música a fazia imensa e misteriosamente feliz!!!)



segunda-feira, 11 de julho de 2022

E lá no velho Oeste...

"La mejor representación es aquella que hace para si el lector del universo del drama..."
Karl Kraus
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A mídia está excitada com o tiroteio em Foz do Iguaçu, e faz de tudo pala glamorizar  o duelo. Querem, a todo custo, colocar o Lula e o Bolsonaro no meio da história. Mas, se depender do desempenho dos dois atiradores, o resultado das eleições ficará empatado. 

Quem cresceu e viveu lá naquele Velho Oeste, tem dificuldade para acreditar que o tiroteio tenha sido motivado por questões verdadeiramente políticas. Lá, principalmente naquela Tríplice Fronteira, desde os tempos da Guerra com o Paraguay, -  onde qualquer um aprende a atirar ainda quando está mamando e onde se pode comprar uma pistola automática e uma caixa de balas como quem compra uma barra de chocolate - os duelos acontecem mais por ciúmes, mais pela marca de um tênis ou de um  perfume do que por ideologia. Dificilmente se ouvirá por lá alguém questionando Montesquieu, os alicerces da República, os postulados da Revolução francesa ou as idéias de Gramsci.

Acreditem, tudo por lá foi construído e destruído (desmatamento) na base da bala. Tanto os latifúndios como os minifúndios foram legalizados com uma das mãos sobre o coldre e com jagunços de prontidão na sala de espera.

E os crimes, desde Getúlio, Lupión e etc, que eram logo interpretados como crimes políticos, foram quase sempre pretextos dos bandos dominantes para usar os cadáveres como alibi. Na verdade, eram apenas fúteis intrigas de homens entediados, apaixonados por uma ou outra cortesã que, acreditando no fetiche da honra, exigiam um 'acerto de contas' na bala. Entre gente que, na Loteria  que é a vida, haviam comprado um bilhete furado...

A propósito, os dois atiradores em questão, demonstraram ser exímios atiradores!

Penso em Stálin: Uma morte é sempre uma tragédia, milhares de mortes apenas um dado estatístico.

E naqueles tempos, para comemorar o dia de Corpus Christi ou da Proclamação da República, as "tias" nos levavam para admirar as Cataratas do Iguaçu. Ah! aquelas tremendas cachoeiras! E a euforia da turma diante da Garganta do Diabo, era vista pelas freirinhas mais enrustidas, quase como uma traição e uma profanação ao tédio dos Evangelhos e praticamente uma iniciação ao gnosticismo! Um prematuro ato revolucionário! 

Um casal de paraguaios tomando tererê enquanto descansavam as arpas sobre os joelhos. Guarânias. 

El lago azul de Ypacarai!

 Aqui e ali, na beira das veredas, na mais absoluta solidão, cruzes antigas, já apodrecidas e outras recentes, brancas, ora indicando que o cadáver tinha um sobrenome guarani, outro italiano, outro espanhol... E para nós, visitar o Hotel das Cataratas que havia lá, era quase como visitar o Palácio de Versalhes ou o Palazzo del Quirinale. Os tiroteios diários eram "ignorados". Os finais de semana eram pródigos. Como não havia playgrounds, nem cinema e nem MacDonalds, alguns pais 'enervados' até levavam os filhos, lá pelas 5 da tarde, para os arredores das tabernas mais badaladas, onde o Bang Bang e o espetáculo com os revólveres era quase garantido. De repente os gritos, aqueles gritos manhosos e suicidas dos bêbados e em seguida o cheiro da pólvora misturado ao da cachaça... os gritos dos taberneiros, a euforia... e depois, misteriosamente, caia sobre a tarde um silêncio literalmente mortal... Todo mundo queria ver o baleado, no chão ou escorregando junto a uma parede, ver o abismo refletido no fundo de seus olhos, o dedo indicador, impotente, ainda cravado sobre o gatilho e na sua máxima e máxima solitudine. Aos poucos ia aparecendo aquela marca sanguínea e inesquecível, normalmente fatal e no peito.

Tínhamos uns 10 anos! Tomávamos o rumo de casa olhando curiosos para a tarde que ia se enchendo de estrelas e de vagalumes, às vezes ao lado de uma ou outra mulher vestida de preto que ia na mesma direção, normalmente viuva, atormentada por recuerdos y memorias, que marchava sem sentido, com os olhos cravados na poeira vermelha que caracteriza aquela parte Oeste do mundo... Rumávamos, também sem muito sentido para casa, ainda com o coração dando saltos, o cheiro da pólvora nas narinas, mergulhados num mutismo existencial e com uma espécie de morte na alma... em casa, alguém sempre nos esperava  cantarolando Torna a Surrento.., uma minestra, com pão integral e meio copo de vinho...


Para não esquecer que estamos vivos e que hoje é segunda-feira...








sábado, 9 de julho de 2022

A morte do premier japonês e Mishima...

"Em 1778, o capitão James Cook entrou no porto de Waimea (Havai) e iniciou a venda de armas de fogo aos chefes havaianos. O Sr. Ali'i nui Kamehameha obteve o monopólio da compra dessas novas armas e as utilizou de imediato contra seus rivais que brandiam lanças. Depois de derrotar a todos os adversários, em 1810, se declarou primeiro rei em todo o arquipélago havaiano..."
 Marvin Harris 
(IN: Jefes, cabecilhas, abusões)
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POR PURA COINCIDÊNCIA, nesta semana, quando apareceu a noticia do assassinato do ex premier japonês, lá no Japão, eu revisava algumas anotações nos livros de Yukio Mishima, principalmente no Confissões de uma máscara. Todo mundo deve conhecer, mais ou menos, a história desse autor japonês, seus conflitos com sua identidade sexual e por fim seu haraquiri. Na página 158 desse livro, ele faz a citação de um autor francês (que não diz o nome) e que é a seguinte: a medida do poder de uma mulher é o grau de sofrimento com que ela pode punir seu amante...
Isso dito ou pensado por um japonês, me parece algo quase transcendente, não?
Pelo povo japonês ser visto com muita admiração no Brasil, o assassinato do Shinzo Abe continua repercutindo e causando indignação.
Como é que pode ter acontecido? E o mais curioso, - dizia um sansei que vende Bardanas, Renkon e pacotinhos de Iriko, ali na feira - é que num país onde, desde Miyamoto Musashi e outros samurais, a honra dos guerreiros e a espada, foram sempre consagradas, o crime tenha sido praticado com uma arma de fogo e, pior, pelas costas... 
Será que o fato de ter sido fabricada artesanalmente, em casa, teria sido uma forma de, pelo menos, tentar minimizar a aleivosia e a heresia? - indagava-





quinta-feira, 7 de julho de 2022

Enquanto isso, 3/4 da população mundial já são mais ou menos declarados e descartados como lixo social...



"TU COMERÁS O PÃO COM O SUOR DE TEU ROSTO!" 

foi a primeira maldição lançada pelo Demiurgo contra os fodidos do mundo.

Agora, há uma outra, lançada com a mesma eloquência, pelo Mercado, e sobre os mesmos fodidos: 

TU NÃO COMERÁS MAIS PÃO, PORQUE TEU SUOR SE TORNOU SUPÉRFLUO E INVENDÁVEL

 Groupe KRISIS

(IN: Manifeste contre le travail)





quarta-feira, 6 de julho de 2022

Si me dejan hablar...

" En 1774, La Gazette de Pennsylvanie explique qu'il faut donner à chaque milicien (ou Minute Man) qui n'en est pas encore pourvu une arme à feu, une baïonnette, un étui  à munitions, un havresac et trente boîtes de cartouches et de balles..."

Andrea Barham

(IN: Napoléon n'était pas petit et autres fausses vérités de l'histoire)

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Meu correspondente de NY acaba de comunicar-me, com um dia de atraso, que prenderam por lá o garoto que, em Chicago, da cobertura de um prédio, abriu fogo contra a multidão que comemorava o Dia da Independência.

Segundo ele, ainda não se sabe grande coisa a respeito daquele criminoso juvenil que, todos vimos, parece saído de uma creche e não ter sequer forças para apertar o gatilho daquelas armas poderosas que são vendidas por lá (desde 1774!?) até nos quiosques de hot dogs. E é curioso que para driblar as patrulhas, subir à cobertura do prédio e cometer o crime, disfarçou-se de mulher, exatamente como aquele que meses atrás, em Paris, entrou no Louvre para cuspir sobre a Monalisa, obra santificada e incensada de Michelangelo.  Qual seria a fantasia desses precoces e pequenos bandidos?

Esse tipo de atentados sempre fazem as pessoas de minha geração lembrarem do dia em que assassinaram o Kennedy. Daquela vez, do alto da janela de um depósito de livros escolares.

Por que atiram do alto?

Eu e os de minha geração esperamos durante uns 40 anos para ouvir as razões intimas daquele atirador. Mas ninguém nunca as revelou. Observem: Não se costuma dar voz aos bandidos. E isso é uma espécie de burrice e de perversão paranóide da justiça. Como é possível que a sociedade, os pesquisadores, os criminologos e os demagogos em geral não tenham interesse em ouvir essas pessoas. E não sob tortura, evidentemente, mas nas universidades, no púlpito das igrejas e até nos terraços do Club Méditerranée

Imaginem o que um garoto como esse, que atira sobre uma multidão sem fazer pontaria, não teria a nos dizer e a nos revelar!

E mais: se o continente americano de que fazemos parte, tem uma população de presos e de enjaulados, até maior do que a população inteira de alguns países europeus... Como então, não se interessar por aquilo que eles têm a nos dizer? Ora! Não sejamos babacas! Sem ouví-los, tudo vai ficando sepultado, mais pobre e + medíocre e o processo civilizatório não anda!

 Qual é o problema? Ah!, É que não suportaríamos e não saberíamos o que fazer com suas razões..! Ah! Bom! Mas é até por uma questão pedagógica e de civilismo, que se deveria deixá-los falar...

E por falar em deixar falar, uma das presenças mais marcantes na UNAM (Universidad Nacional Autônoma do México) nos anos 80, foi a de  Domitila Barrios de Chungara, uma boliviana, vestida a rigor, falando Quechua, mulher de um trabalhador de minas, que recém havia lançado um livro com o título: SI ME DEJAN HABLAR, onde retratava o horror vivido tanto por seu marido como pelos camponeses e mineiros daquele país.  Sua presença naquele Campus foi bem mais estimulante e impactante do que as visitas anteriores de Sartre; de Buñuel; dos sábios da Escola de Francfurt; dos gênios ingleses da Antipsiquiatria, e até mesmo do Elias Canetti, quando apareceu por lá para autografar seu Consciência das palavras...

My sweet lord... A guerra das rosas, o assedio homo afetivo e a Casa de Orates...




Nosso assediador da Caixa Econômica não está só! 

Em Londres, entre a turma de parlamentares que ocupa o Palácio de Westminster, está se desenrolando um sério conflito, ainda não se sabe bem se é político ou de gênero, em função do que, vários ministros, entre eles o da educação, estão se demitindo.

Motivo: Segundo os jornais, o conflito foi detonado quando veio a público o caso do deputado Chris Pincher,  - com coreografia de coroinha e encarregado da disciplina parlamentar dos deputados conservadores - que no meio de uma noitada, cheio de  tragos, na media-luz de um pub privado -, teria bolinado, apalpado e sarreado vários homens. (O jornal francês, naquele idioma falsamente sensual diz: des attouchements sexuels sur plusieurs hommes). Em outras palavras: ter assediado vários homens. Mas até aí, se sabe, a pós modernidade digere bem o assunto, o problema real é que além disso, o tal mão leve ao contrário do nosso, aqui do Brasil, foi promovido pelo Boris Jhonson. E é isso que está provocando a debandada dos ministros, daquilo que aqui se diz Casa da Mãe Joana, e que lá se diz Casa de Orates.

Quem é que ainda se atreveria a duvidar da eficiência pedagógica de Oscar Wilde?


Esse fato coloca um pouco de luz e esclarece a recente e esdrúxula lei aprovada por esses mesmos deputados criminalizando o tal "intrusivo staring", o olhar fixo nos trens e nos ônibus... Lembram?



Involuntariamente, numa espécie de associação livre, pensei no Piccadilly Circus. 

E logo em seguida na ironia de Bernard Shaw: "O choque da guerra criaria automaticamente um novo céu e uma nova terra; onde os cães nunca mais teriam que coçar as próprias pulgas, e onde os porcos não voltariam a refocilar na lama..." 

Logo depois, minha imaginação se voltou para Marx, ele, com seus furúnculos sendo expulso do German Hotel (ali próximo), ou na Biblioteca Britânica (também próxima) revisando seu Das Kapital e as últimas páginas de seu Materialismo histórico e dialético... 

Sem querer, do Piccadilly Circus cheguei à famosa Guerra das rosas, ocorrida lá, (de 1455-1487) entre as milícias dos Lancaster e as dos York. Por fim, depois de quarenta e tantos anos de morticínios, os filhos de uma milícia foram induzidos a casar com as filhas da outra milícia e a paz foi reestabelecida. E la nave va... 



segunda-feira, 4 de julho de 2022

Uma bizarra curiosidade... E os homens sem atributos...

"Se você é míope cuide-se muito para não olhar de soslaio a uma velha dama ou a um guarda. Eles sempre acreditam que se está querendo insultá-los. E nada é mais perigoso que a cólera de uma velha dama... e a de um guarda, então, nem se fala..."

Louis Huart

(IN: fisiologia del flâneur, p. 96)

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Segundo anunciado agora à tarde, por uma rede de televisão, o Google estará oferecendo milhares de bolsas de estudo para pessoas que tenham mais de 18 anos e que queiram receber treinamento na área de TI. Até aí, tudo bem. O bizarro é que dizem que darão prioridade para mulheres, negros, LGBTs e deficientes físicos.

Não lhes parece bizarro?

E nós?

Qual é o sentido?

 Qual é o nexo que existe entre a área de TI e esses 4 grupos? E como é que ficam os homens, os heterossexuais, os brancos e os que ainda estão com a carcaça em dia?

Discutindo essa questão com uma especialista e interessada no assunto, ela ainda ironizou: e dê graças a Deus por ainda estar podendo flanar e fazer suas caminhadas por aí, sem que, em cada esquina, apareça alguém lhe atirando pedras ou lhe dando umas pauladas...

Caralho!

sábado, 2 de julho de 2022

Os imortais, a medalha, Daniel Silveira e a amante imaginária de Dom Quijote...



"Não convém recusar as recompensas oficiais; o que se deve fazer é não merecê-las..." Jean Cocteau
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 Num país onde 98% da população nunca leu um único livro, me pareceu meio imoral, segregacionista e meio indecente a recusa de alguns membros da Academia de Letras a receber a medalha (medalha?) de ORDEM AO MERITO DO LIVRO, - amuleto que tradicionalmente se concede à gente adicta à cultura e aos livros -, com o argumento de que entre os agraciados estão pessoas que preferem passar o tempo com outros tipos de brinquedos, além de bibliotecas e de livros, entre eles o Presidente da República e o deputado Daniel Silveira.

A estratégia dos ilustres imortais me parece equivocada e mesquinha. Ora! Por que não aproveitar para enredar os dois hereges, promover sua sagração e ordená-los, no misterioso, idílico, delirante e narcísico mundo das letras? Nesse Sanctum Sanctorum? Nesse Jardim de Hespérides? Já que Il n'y a rien d'autre au monde que l'Eternité dorée de l'esprit divin?

Quem é que não se lembra que Calígula, o grande Imperador de Roma, nomeou seu cavalo como cônsul da Bitínia? E do incêndio da Biblioteca de Alexandria que, segundo especialistas, os prováveis responsáveis pela destruição - daquela que abrigava o principal acervo do mundo -, teria sido a igreja católica ou a invasão dos muçulmanos, para quem, além do Corão, o resto dos livros eram inúteis?

Pensei na biblioteca de Hitler, que suplantaria as de nossos bem-aventurados professores, juntas. Também no Dom Quijote, ele que teria enlouquecido de tantas leituras e que teve a biblioteca queimada por um padre e por um barbeiro... E que inventou um amor platônico por Dulcinéia (mulher imaginária) de quem deveria salvar a honra... tudo como pretexto para sair pelo mundo lutando com inimigos, também imaginários...

Indignados e cheios de erudição, os mencionados "imortais" argumentam que seria uma desonra para a classe estender essa Sagrada Comenda (comenda?) à pessoas que não têm pedigree, nem simpatia por livros e que, inclusive, até estariam dispostas a transformar Bibliotecas em Clubes de Tiro. (a propósito, qual a razão da Biblioteca Nacional aqui de Brasília estar fechada há uns cinco anos?! Ninguém responde.)

Confesso que achei essa história, tanto na forma como no conteúdo, o Máximo do surrealismo! E que gostaria imensamente de ver o Daniel Silveira, num sarau poético, a tal comenda no pescoço, com aqueles bíceps de escudeiro enfiado dentro de um daqueles arreios horríveis e obscenos, tomando o chazinho das cinco no meio daquela "velharada de imortais" e lendo poemas de Castro Alves e da Cora Coralina ao som de Adagio in G minor, do Albinoni...

 

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Cercados por currais e por estábulos por todos os lados...




Os dois anos de pandemia colocaram em alerta não apenas os virologistas, os infectologistas e os pneumologistas, mas também os antropólogos, os psicólogos, os sociólogos e até os astrólogos.

Talvez, nunca antes nos tivéssemos dado conta de como a sociedade é um aglomerado e a junção de currais, de corporativismos, de confrarias, de compadres, de comadres, de mediocridades e de gente cujo ofício principal é queimar incenso aos pés de quem, hoje à tarde ou amanhã, pode abrir-lhe as pernas e retribuir-lhe o gesto. 

Um bairrismo e um puxa-saquismo de dar pena: 

Este é de meu estado! Este é de minha religião! Este é meu colega de profissão! Este é meu parente! Este professa os mesmos moralismos que eu! Esse lambe as mesmas botas que meus tataravós lambiam e porquê temos o mesmo sotaque! 

Esse foi quem arrumou meu primeiro emprego! Esse representa minha classe! Esse chupa os mesmos picolés que eu e usa as mesmas fantasias! E cultivam, sorridentes, os mesmos rituais da Idade Média enquanto a fumacinha do incenso vai ziguezagueando... É que nos criamos no mesmo curral e que frequentávamos o mesmo estábulo! Somos como irmãos! Ah! e, curiosamente, de um dia para outro, escondem os anéis e os relógios, esquecem que passaram 35 anos incrementando as condições da miséria vigente, e vão às ruas pagar um almoço para famílias em penúria e até se desmancham em lágrimas ao verem aqueles famintos roendo uma coxa de frango e preferindo usar os dedos aos garfos. Disfarçam as unhas de rapina e começam a falar compulsivamente em aporofobia! E, entre eles, juram acreditar nas mesmas ficções e nos mesmos manuscritos apócrifos que cinco ou seis dementes dizem ter desenterrado no deserto! E adorar as mesmas pedras! Usar e confiar nos mesmos amuletos! Um horror! E o pior, é que se você, aí na sua vida de beócio, - como se diz - puxar o fio da meada, vai ser conduzido ao mesmo covil de sempre (de alto padrão, com os mesmos confrades cheios de anedotas para contar e que se auto-rotulam liberais, comunistas, fascistas e até monarquistas com a mesma teatralidade e desfaçatez). Se você puxar o fio você vai se dar conta de que tudo, absolutamente tudo ao seu redor e o que se prega e se promove por aí, no cotidiano, está contaminado pela baba e pela caca dessa gente. E que, mexer com um, é mexer com todos! Sim, montaram uma rede de proteção mútua mais ou menos como fazem os guapecas suburbanos. Confrades! Compadres! Cúmplices! Adictos da mesma beberagem! Fumantes do mesmo cachimbo! Clientes dos mesmos escritórios de advocacia! Uns declamam as poesias dos outros com tanta pantomima que um Schiller ou uma Florbela Espanca ficam no chinelo... Se mistificam! Juram nunca ter visto alguém tão sensível e tão humano, tão competente e tão maravilhoso como seu conterrâneo! 

Que reportagem! 

Que narrativa!

Que memória!

Que capacidade ímpar no trato com os negócios e no uso dos verbos e dos advérbios!

Deveria candidatar-se!

Que honra ser seu amigo e saber que somos da mesma região! E saber que fomos educados no mesmo aprisco e pelos mesmos pastores! 

E se defendem mutuamente, se glorificam. Sim, às vezes até parecem estar humilhando uns aos outros, (mas é só uma senha). Se elogiam; trocam Cartas de referências, se oferecem prêmios, medalhas, títulos, honoris-causa, bolsas de estudo, promoções. Uns convidam os outros para darem conferências em suas universidades e estes, logo depois, os convidam para escrever um editorial em seus jornais. Uma mão lava a outra é o postulado filosófico mais profundo que conhecem. Você alça meu filho para o generalato, que eu indico tua filha para a Corte Suprema e aquele teu afiliado, que ora está meio deprimido, empurro para o Patriarcado ecumênico de Bangladesh... E a coisa é tão delirante e tão caipira, que uns até indicam os outros ao Nobel... E quando se encontram só falam das notícias que viram nos jornais, que ouviram nos elevadores ou dos animadores de platéias e a conversação logo degenera em piadas, em infecções, em furúnculos, em trocas de receitas, em misérias de alcova, familiares e em fofocas... E vão obsessivamente juntos à igreja. Sabem rezar em latim, em italiano, em romeno, e até compartilham o mesmo rosário. Apesar de praticarem usura mesmo entre eles, as filhas de Uns só podem casar se for com os filhos dos Outros, e eles mesmos batizam e crismam os filhos engendrados naquela nuova famiglia... O que é, digamos, a superfície se juntando com a superfície! E dizer compadre é praticamente como dizer comparsa.  Enfim, o que todo mundo sabe, mas que ninguém quer encarar, é aquilo que denunciava Milorad Pavitch:

 "Só se pode ser um grande cientista ou um grande violinista quando se é apoiado por uma das grandes internacionais do nosso mundo. Internacional judaica, islâmica ou católica. Eu, como não pertenço a nenhuma, não estou em lugar nenhum. Entre meus dedos todos os peixes escorregaram, há muito tempo..."

É o que temos para esta sexta-feira, com um sol exuberante que desabrocha as flores amarelas das aboboreiras lá em baixo, elas que se mantêm absolutamente indiferentes a tudo isso que lhes digo.

 Convenhamos, este é apenas um breve retrato da miséria de todas as misérias!

Enquanto vou descascando umas batatas de inhame, penso na inscrição que vi rabiscada na tumba de alguém lá num cemitério parisiense: Se a metempsicose me conceder uma nova existência, quem quiser voltar a me encontrar que me procure lá entre os cães... (selvagens, evidentemente!)