terça-feira, 30 de novembro de 2010

Os subterrâneos do Complexo do Alemão e o suicídio do criador do filme o Incrível exército de Brancaleone...

Suicidou-se hoje, aos noventa e tantos anos o cineasta e comediante Mario Monicelli. Aproveitou um vacilo da trupe de um hospital de Roma e lançou-se pela janela do quarto andar. Todo mundo sabe que foi ele o criador do filme O incrível exército de Brancaleone. Correm boatos maldosos aqui pela capital da República segundo os quais seu suicídio estaria relacionado à tomada do Complexo do Alemão. Não teria suportado ver a realidade sul-americana superando, e em muito, sua ficção. Pura maldade! Seja lá o motivo que for sua decisão traz novamente à tona o principal e maior de todos os problemas humanos: o suicídio. Tema intangível e que quando é discutido é sempre olhado do mesmo ângulo e com o mesmo estrabismo. Proibir uma pessoa adulta de sair da vida quando ela bem entender (e obrigá-la assim ao vexame de jogar-se furtivamente por uma janela, por exemplo) talvez seja o pior de todos os absurdos civilizatórios. É bem provável que esta mesma sociedade desvairada que busca neurótica e desesperadamente pela longevidade, um belo dia se permitirá oferecer àqueles que já estão fartos, formas bem mais dignas e respeitáveis de colocarem um ponto final em suas existências.

domingo, 28 de novembro de 2010

Rambos, pés de chinelo e o sensacionalismo da melancolia...

A decepção foi geral. Tanto os que torciam pelos bandidos como aqueles que apostavam nos policiais tiveram que contentar-se com um final melancólico. Só os meios de comunicação com seus fotógrafos, seus câmeras, seus repórteres e seus âncoras puderam faturar legal e iludir as massas por alguns dias. No front, nada. Só aquelas tartarugas enferrujadas e aqueles homens fantasiados de Rambo – de um lado – e aqueles pés de chinelo de outro. Uma rajada aqui, outra ali para não deixar o tédio tomar conta. Uns sacos de maconha aqui, uns pacotes de cocaína acolá, fuzis, cartuchos, balanças e bacias que os foragidos iam deixando pelo caminho, mas nenhum livro. Nenhum, nem sequer um Manual de guerrilhaA vida de Papillon, Como fabricar bombas caseiras, o Kamasutra, Como negociar com pó sem voltar ao pó, ou pelo menos uma Bíblia, nada. Ateus e analfabetos. O analfabetismo é epidêmico. Complexo do Alemão? Complexa mesmo é essa intriga entre Cain e Abel. Ou seria entre Abel e Cain? A comunidade obesa espiando pelas frestas dos barracos, um policial aponta para o nada, helicópteros das TVS privadas iludindo e atiçando as massas, outra rajada, a policia sob a chuva, os bandidos correndo morro acima com suas incômodas havaianas. Faixa de Gaza ou Muro das Lamentações? Frustrado e impressionado com o abismo que existe entre as palavras e os atos, fico imaginando como devem ter sido inacreditáveis os micos na guerra do Paraguai.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A maldição de Paganini...

Dois anos e meio de violino renderam-me além do prazer imenso de vinte e tantas partituras dores incomodas nos cotovelos e nos punhos, transtorno que os especialistas classificam como DORT ou LER, e para as quais não há remédio pronto, só abstinência, paciência e fisioterapia. Raios infravermelhos, placas quentes, fisgadas eletromagnéticas, bolsas de gelo intercaladas com bolsas de água quente, muitos alongamentos associados as sete ou oito agulhas da acupuntura e às mãos hábeis e pecaminosas da expert em shiatsu. Segundo as inúmeras teses acadêmicas sobre o assunto, quase todos os violinistas sofrem ou já sofreram desse mal. Até já ouvi alguém jurando que esse tipo de dor advém de uma maldição de Paganini, de uma praga daquele louco genial que por ter rejeitado a extrema-unção, recebeu da igreja vingativa da época a proibição de que seu corpo fosse enterrado num cemitério. Daí o fato de seu cadáver ter ficado durante anos a espera de uma cova, até que seu filho conseguiu uma autorização junto ao Papa para o sepultamento. Finalmente foi depositado lá no cemitério de Parma, com todo o luxo e os requintes que um músico de seu calibre merece. Maldição paganiniana ou não essas dores têm servido para esclarecer-me duas coisas:

1) que nosso esqueleto é de uma precariedade lastimável.
2) que o violino não é instrumento para qualquer um, pois não se deixa manipular impunemente...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A simpática milionária de São Paulo e Al Capone...

Os crimes atribuidos a Tânia Bulhões em São Paulo e os atribuidos a Al Capone, em Chicago, foram de mesma natureza: sonegação fiscal. Al Capone (vendedor de antiguidades) pegou 11 anos de cadeia; a simpática empresária paulista (do ramo de perfumaria e decorações) pegou 04, mas de leves atividades filantrópicas e beneficentes. Terá que prestar serviços junto a uma entidade que assiste a deficientes visuais e já se sabe que irá instruí-los e adestrá-los no métier da perfumaria. Ah, e outra punição, esta mais dura ainda: não poderá ficar em Paris, Londres, Hong Kong ou Cote D'azur etc., por mais de 10 dias sem o consentimento das autoridades brasileiras. Por que 10 dias pode e quinze não pode só mesmo Chico Xavier poderia nos dizer. Que tal? Você aí vendedor de chinelos, funcionariozinho público, catador de latas, sapateiro de fundo de quintal, marceneiro, vendedor de espanadores, você que não pode contratar aquele ex-ministro para ser seu advogado, fique esperto, pois se desviar duzentos reais da Receita ou sonegar uma cesta básica correrá o risco de perder suas tralhas e de mofar numa jaula. E claro que eu não seria indelicado e insensível ao ponto de desejar que as desgraças da lei se abatessem sobre a mademoiselle em questão, se faço esta nota é apenas para relembrar que as coisas transcorrem aí pelos tribunais no mesmo clima, ritmo e frenesi de uma perfumaria e que a justiça aqui nos trópicos – apesar dos deslumbrados - é de um surrealismo interminável. 

NB: Alquém que já visitou a tumba de Al Capone lá em Chicago diz que viu esta inscrição na lápide: My Jesus mercy!

sábado, 20 de novembro de 2010

EM DEFESA DO NOBRE DEPUTADO TIRIRICA...

Não apenas o Tiririca é a cara falsificada do Brasil, mas também as leis e a justiça que quer impedi-lo de assumir seu cargo no Congresso Nacional. Que raciocínio é esse que possibilita e que até obriga analfabetos a votarem e a elegerem e que ao mesmo tempo os interdita de se candidatarem e de serem eleitos? E se uma pesquisa verdadeira demonstrasse que 70% (sendo otimista) de nossos eleitores têm o mesmo grau de escolaridade e de “substância”que o Tiririca? Pobreza mental da ameba residual que ainda trazemos ou aos tiriricas da vida ainda se resguarda apenas o status de bucha de canhão e de massa de manobra?

Se o Tiririca (com seu analfabetismo) não tem “substância” para ser deputado, como é que a tem para ser eleitor, e mais ainda, um homem público de televisão, formador de opinião e com uma audiência diária e nacional muito maior que a de qualquer parlamentar? Se a dialética dos nobres senadores e dos nobres deputados continua sendo “pão e circo” qual é o problema se um palhaço autêntico ingressar em suas fileiras? Pelo que tenho notícias, meus antepassados, aqueles que construíram Veneza, não sabiam interpretar texto nenhum e nem sabiam direito se Radicchi se escrevia com ch ou com x. Além disso, aqui entre nós, desde que se fundou a Republica nunca se exigiu dos deputados mais do que duas competências: contar dinheiro e saber quanto é 20%. 

Falsidade ideológica? Que porra é essa? Não sejamos perdulários! Se nunca tivemos ideologia alguma como poderíamos falsificá-la? Somos de uma estirpe que sempre confundiu ideologia com teologia e mesmo quando nos gabamos de algum ponto de vista “revolucionário”, no fundo, continuamos sendo apenas um parafuso ou uma porca da grande engrenagem ocidental chamada Opus Dei.

Se quiserem processar alguém por esse bafafá todo, que processem o MEC por tê-lo deixado crescer alienado das letras; que processem o STE por eternizar a perversão do voto; que processem o Ministério das Comunicações pelas concessões esdrúxulas das rádios e das Tvs; que processem os partidos que o usaram malignamente e que processem até mesmo Platão por ter legado ao mundo a República, essa legitima égua de Tróia. 

Enfim, por tudo isto, defendo a posse do Tiririca. E como moro a uns poucos quilômetros do Congresso Nacional, prometo estar fielmente lá nas arquibancadas sempre que o nobre deputado colocar as quatro patas na tribuna.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

UMA ODE AO ESTRAGÃO...

Você que já leu todos os livros sagrados e que até quis escrever um novo evangelho; você que já militou tanto como sindicalista como “pelego” de fábrica; você que já foi padre, herege, indiferente; você que num dia se achava o bambambam e no outro, com a mesma pompa, focinhava pelas tocas de raposas; você que numa semana discursava sobre a filosofia da miséria e na outra sobre a miséria da filosofia; você que pisoteou e foi pisoteado, você que fez apologia da Ficha Limpa para ocultar que é um Ficha Suja; você que ao longo de tua vida elegeu uma corja de larápios atrás da outra; você que se vende por um saco de farinha; você aí, com teu terno de três mil euros e com tua gravata de mafioso; você que já fez de tudo nesta puta existência e que mesmo assim continua na merda inclua o Estragão na tua vida! Abra tua cozinha e teu estômago para o Estragão, essa erva asiática que lhe fará momentaneamente feliz. Está escrito: uma sopa de anholini temperada com Estragão, seja feita numa lata de querosene ou numa sopeira celta é a verdadeira Graça e a verdadeira Glória que os ingenuos tanto imploram na penumbra de seus covis...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

As bactérias hospitalares e a busca de santidade...

A mídia  informa obsessivamente  que as "bactérias hospitalares" estão espalhadas por todos os lados e que estão cada vez mais resistentes! Ora, que argumentos nos fariam acreditar no contrário? Como elas poderiam estar se debilitando? Sempre foi óbvio que após o sucateamento das instituições viria o sucateamento das pessoas, e vice-versa. E no meio de toda essa mentirada de incompetentes ressurge outro mito, a idéia de que o álcool gel e os detergentes salvarão o mundo. Balelas! Pensem nas legiões de doentes crônicos e úteis que povoam o país... Por menos que acreditem e por mais insólito que pareça existe uma relação sutil e quase secreta entre religião e sujeira, entre falta de esgotos e misticismo, entre doença e santidade. Vejam as reflexões de Cioran sobre esse assunto:

A santidade: fruto supremo da enfermidade. Quando se está saudável, parece monstruosa, ininteligível e ridícula. Mas, basta que esse Hamletismo automático chamado doença (ou neurose) reclame seus direitos para que os céus tomem forma e constituam o marco da inquietude. A gente se defende contra a santidade mantendo-se limpo já que ela advem de uma sujeira particular do corpo e da alma. Se o cristianismo tivesse proposto, em lugar do inverificável, a higiene, não encontrariamos em sua história um único santo. Mas cultivou nossas feridas (nossa culpa) e nossa sujeira, uma sujeira intrínseca e fosforescente. A saúde: arma decisiva contra a religião. Inventai o elixir universal e o céu desaparecerá. É inútil seduzir ao homem com outros ideais, sempre serão mais débeis que as enfermidades. Deus é nosso ferrugem, a deterioração insensível de nossa substância. Quando penetra em nós, temos a impressão de elevar-nos, mas baixamos mais e mais e quando chegamos ao fim coroa nossa decadência. "Salvos" para sempre? Superstição sinistra, cancro coberto de auréolas que roe a terra há milênios...”

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

VIVA A REPÚBLICA!!!


Como dizia George Clemenceau: Existem dois órgãos inúteis, a próstata e a Presidência da República...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

CANNABIS & SENECTUDE......

Fracassou novamente o projeto californiano de legalizar a maconha. Se as plantas realmente nos compreendessem e pudessem se expressar – como acreditam alguns fanáticos – essa simplória e singela erva talvez já tivesse manifestado seu espanto diante de tamanha ambigüidade que o mundo lhe confere. Por um lado a idolatria e por outro a abominação. Alguns acreditam que o projeto só não foi aprovado porque estava mal formulado e que a proposta teria muito mais consistência se previsse a liberação de seu uso apenas para pessoas com mais de sessenta anos. Como assim? Indaguei ao autor dessa idéia. Os jovens não necessitam de droga nenhuma – respondeu-me categórico. Eles próprios, com seus hormônios, com seus sonhos e com seus ideais somados às mentiras do mundo são uns laboratórios ambulantes. O THC (ou o tetrahidrocanabiol contido na cannabis) é uma titica diante do princípio ativo que o cérebro de um jovem produz. Já o velho não... Ele sim precisa drogar-se para seguir sua viagem e para suportar tanto o teatro tedioso dos dias como o peso velhaco da história. Ao invés de passarem seus últimos anos trabalhando, rezando ou jogando dominó nas esquinas, os velhos os passariam flutuando na varanda de seus arranha-céus, bocejando na janela de suas mansardas ou "viajando" pelas estradas do mundo no meio da fumaceira de seus baseados... A eles sim o tetrahidrocanabiol teria uma utilidade única e transcendente.

domingo, 7 de novembro de 2010

LETIV PTACHOK...

Nestes dias de outono aqueles que por necessidade ou pelo simples prazer de vagabundear descerem aos subterrâneos do metro de Montmartre e vagarem sem compromisso por aqueles túneis e labirintos, uma hora ou outra se depararão com o casal Lhor e Dariya Kuhaykevych - ele com um acordeão e ela com sua voz - interpretando umas 19 musicas ucranianas. Entre elas, a de número sete, titulada Letiv Ptachok é estupenda. (Você pode ouví-la agora no link abaixo). No meio da pequena platéia que se aglomerou ao redor dos músicos havia três ou quatro ciganos, dois negros das guinés, um chinês e pelo menos um clochard, este, já entrando na velhice, com aquele aspecto quase medieval de europeu do Leste e com aquela embriagues misteriosa nos olhos que sempre os diferenciam do rebanho. Todos que passavam sentiam que havia algo de especial na voz daquela mulher e especialmente ele parecia atordoado e chocado pela força e pelo poder misterioso daquela musica. Mas, pelo menos durante o tempo que permaneci ali, não expressou nenhum gesto de "fraqueza" e nem deixou vazar nenhuma lágrima de silicone. Apenas se lhe via nas faces a lividez e a soberba de um chacal de rua, como se Paris, o  frio e o exilio lhe tivessem ensinado que "en toutes choses, nous devons savoir souffrir en silence...  Já, os ciganos, olhavam para todo aquele "romantismo"  dramático com uma certa desconfiança, como se lembrassem da frase de Madame de Stael: "L'amour est le tout de la vie d'une femme, il n'est qu'une saison dans la vie des hommes"...

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A IRANIANA E AS NOSSAS MULHERES...

O mundo é realmente uma piada, um lugar repleto de contradições, bizarrices e desgraças. A condenação da iraniana Sakineh Ashtiani é um dos mais truculentos exemplos. Ah, mas é a cultura! Cultura? Em nome da cultura, do sexo e da fé é que se tem cometido os crimes mais estúpidos. E é importante lembrar que muitos dos humanistas de plantão que hoje se dizem indignados e fazem alarde com o trágico destino daquela mulher nunca se atreveram a abrir a boca para mencionar as centenas de milhares que aqui, ao nosso redor e sob nossas barbas também são cotidianamente "enforcadas"... Pense em quem você quiser, na mãe, na irmã, na tia, na serva, na vizinha, na amante, na filha, na neta... Apesar do silêncio e da ignorância generalizada, o universo feminino ainda constitui uma legião de condenadas, mesmo quando a maquiagem civilizatória e a demagogia vigente perpetuem o atual disfarce. 

Na semana passada quem é que não ouviu a história da defunta que, aqui entre nós, foi arrancada da tumba e estuprada? Necrofilia! Alguém consegue imaginar o clima durante a consumação do ato? Eis aí o homem, o pobre homem com seu pobre pau, esse ser sem porvir que insiste em permanecer nas entranhas da hiena...

Ezio Flavio Bazzo