quarta-feira, 29 de maio de 2019

APOROFOBIA = El rechaço al pobre...

"Y lo más sensible en este caso es que hay muchos racistas y xenófobos, pero aporófobos, casi todos..."
página 21


Recém chegado de Madrid, o mendigo K. relatava a uma legião de lupemproletários e a outros seus companheiros de infortúnio a nova moda por lá, chamada aporofobia. Palavra que ainda nem existe nos dicionários e que foi engendrada por Adela Cortina (catedrática de ética e filosofia na universidade de Valencia) para referir-se ao repúdio, nojo e rechaço da sociedade para com os pobres e fodidos.
Sim, repetia, Aporofobia quer dizer repúdio e rechaço ao pobre. Contava a seus camaradas que ao passar por uma determinada rua da cidade deparou-se com uma multidão de miseráveis, maltrapilhos, mendigos, pedintes, esmoleiros, moradores de rua, imigrantes ilegais, andarilhos, negros, árabes, indianos, ciganos, latino-americanos, europeus do leste, africanos do Magreb, todos famintos, sedentos, 'sem papéis' e expulsos do mundo, amontoados na entrada de uma igreja em cujo portal estava uma imensa faixa branca onde estava escrita, com letras vermelhas e pretas a palavra APOROFOBIA. Seria o oposto de OPOROFILIA? 
Entrou e perguntou a um padre esquisito que circulava por lá, de que se tratava e qual era o significado daquela palavra. Foi então que descobriu que tratava-se da recente descrição de mais uma fobia, conhecida por todos, mais que ainda não havia sido nominada e nem descrita. A mendigada parecia até sentir-se feliz, reconhecida e emancipada com aquela bobagem erudita e acadêmica. E na entrada das livrarias já estava lá uma pilha de livros da senhora Adela e os vendedores o indicavam a qualquer um pensando, evidentemente, nos 50% que iriam para o bolso de seus amos... Ninguém duvida que os editores brasileiros já se movimentam para editá-lo por aqui, mesmo todo mundo sabendo que os pobres não fazem parte de seus banquetes para nada e que, apesar do teatro filantrópico de todos os dias, não é para essa gente que os acordeões tocam...... 
Enfim, como diria Fellini, por detrás de seu barrigaço: E la nave va!

segunda-feira, 27 de maio de 2019

"Quando os padres e os missionários chegaram aqui nos trópicos nós tínhamos as terras, o ouro e as esmeraldas e eles tinham a bíblia. Hoje, eles têm as terras, o ouro e as esmeraldas e nós ficamos com a bíblia..." (saber indígena)


 O Mendigo K., depois de me passar esta foto diminuiu a voz para confidenciar-me: Fico imaginando o Raoni, com esse beiço horrível, no meio do abraço com o pontífice ruminando esta frase de Rajneesh: " A vida é simplesmente uma canção que não tem sentido e estar perto da beleza é estar perto da morte. Eu não sou um pregador. Pregar é sujo. Eu sou um amante. O idiota é duro, muito duro. É impossível que qualquer coisa penetre na cabeça de um idiota. A cabeça de um idiota esta coberta com aço, nada pode penetrar nela. Sou um fim... Um fim no sentido de que depois de mim não poderá mais haver nenhum cristianismo, nenhum judaísmo, nenhum hinduísmo ou maometismo. Depois de mim não haverá a possibilidade de existir nenhuma ideologia. Eu sou um trapaceiro. Você não pode me trapacear. Eu já trapaceei tantos trapaceiros..."

E... naqueles tempos...



sábado, 25 de maio de 2019

A bravata do Paulo Guedes inspira a prédica do Paulo Guiraldelli....


''... e. enquanto isto, o velho L. Wittgenstein, lá do além, se põe a resmungar em castelhano: 
"Con frecuencia, los filósofos son como niños pequeños, que empiezan por hacer rayas caprichosas con su lápiz sobre un papel y después preguntan a los adultos: que es?"

A arte de ser simpática...






sexta-feira, 24 de maio de 2019

PSICOPATOLOGIA - Os juízes do STF decretam que quem sofre de fobia é um criminoso...

[... Por acaso não são sinceras as lágrimas que se derrama no teatro, onde atores e público sabem que tudo é mentira?]
Soeren Kierkegaard

Sem querer salvar a pátria e nem ser um mártir da hermenêutica volto a lembrar que considerar a homofobia um crime é um equívoco dos senhores juízes e também da mídia. Me explico: uma fobia (seja a homofobia ou uma das outras trezentas e tantas conhecidas dos especialistas) é uma neurose e um transtorno de personalidade que até pode induzir o sujeito a um crime, mas ela em si não pode ser considerada um crime. Me entendem? Imagine as pessoas que têm fobia por livros (bibliofobia) ou por gatos (ailurofobia), por exemplo, serem consideradas criminosas. Seria ridículo. Portanto, é uma irresponsabilidade e uma espécie de acosso moral considerar e enquadrar uma pessoa fóbica (seja a fobia que for, com todo o sofrimento que isto  representa) como um criminoso.  
Qualquer pessoa que tenha em casa os 3 volumes da obra de Freud pode  encontrar lá, no Volume II, da página 1365 até a 1440 a ANÁLISE  DA FOBIA DE UMA CRIANÇA DE CINCO ANOS. O famoso 'Caso Juanito' que os psicanalistas passam a vida inteira explicando a seus pupilos... Não só os senhores juízes, mas também os senhores da mídia têm obrigação de conhecê-lo, não é verdade? 
Claro que uma fobia pode predispor a pessoa que a sofre a uma bizarrice qualquer e até mesmo a um crime, mas isto é outra coisa. Se a bibliofobia pode induzir o sujeito a tocar fogo em bibliotecas e o ailorofóbico a organizar massacres de gatos, por exemplo -, isto é outra coisa. Me entendem?

RIO DE JANEIRO: O que são os crimes das milícias comparados a decisão de ontem do Supremo Tribunal Militar?

Nas ruas e no saguão dos edifícios está todo mundo furioso com a decisão do Superior Tribunal Militar do Rio de Janeiro que ontem concedeu habeas Corpus aos 09 soldados que estavam presos por, semanas antes, terem disparado mais de 200 tiros num carro civil suspeito e que depois, para ocultar o crime, o rechearam de mentiras. 
Uma indecência! Um fracasso para o processo civilizatório! Uma vergonha para as forças armadas! Perderam a chance neste julgamento de moralizarem a justiça, de pisotearem a prática vigente de nepotismo e de corporativismo e, inclusive, de colocarem em dúvida as acusações que lhes são atribuídas de crimes hediondos praticados durante as décadas do regime militar. Inacreditável! Agora, com que cara vão conseguir sair por aí com suas fardas e suas metralhadoras, reprimindo as milícias e o lupemproletariado... e defendendo as Fronteiras, a Ordem e o Progresso? 
Bah!  
Como diria aquele poeta espanhol do século XVI: Lastima grande que sea verdad tanta miséria!...

Marc Chagal

quarta-feira, 22 de maio de 2019

As manifestações de Domingo...



Dia 26, domingo próximo, todos na rua!
Diz um cartaz colado numa parada de ônibus.
Pensei logo que fosse de algum grupo pedindo a soltura do Cabral, do Lula, do Cunha e de outros presos, mas não!
Era um cartaz feito de forma amadora, ninguém sabe por quem, possivelmente por uma dona de casa e que indicava a pauta principal da manifestação como:
1. Exigir do governo a construção imediata de uma ferrovia de luxo que vá da Paraíba à Foz do Iguaçu. O cartaz até sugeria onde conseguir mão de obra para tal: 
a) Aproveitar os 13 milhões de desempregados;
b) Convocar os 600 mil funcionários públicos federais e os quase 300 mil soldados das Forças Armadas que, convenhamos, estão há décadas enxugando gelo... 
E em seis meses, tudo estaria concluído.
No rodapé do cartaz havia esta frase em negrito:
 Reforma nenhuma e nenhuma reza salvará da indigência e do abismo um país que não tem estradas de ferro..."

Camões, Chico Buarque, o velho de restelo, o Mendigo K e o quarto pecado capital...


"... As duas horas da manhã, se você esta em estado maníaco, até mesmo  o ambulatório apresenta um certo charme..."
(IN; Confession d'une psyquiatre maniaco-dépressive, p. 11. - Paris, 1997)

Apesar dos pesares, existem dois personagens no Brasil pelos quais  "todos os acordeões parecem tocar" e pelos quais não é qualquer um que consegue conter sua inveja: me refiro ao fotógrafo Sebastião Salgado e ao cantor e escritor Chico Buarque. Este último, "agraciado" mais uma vez, agora pela intelligentsia  lusitana, com o mais cobiçado prêmio literário, o CAMÕES. 100 mil euros que é igual a 500 mil reais e etc.
Quem me alertava para isto nesta manhã ensolarada de quarta-feira era o Mendigo K. E o fazia com um visível ar de malignidade, como se dissesse: E você, seu bosta, que acaba de publicar um livro sobre o Paganini e que não mereceu nem mesmo um release de cinco linhas nos jornalecos da cidade?!
Fiquei em silêncio, mas com todos os meus piores sentimentos a flor da pele enquanto ele continuava: E não me venha novamente com a história de que os concursos são sempre marcados por nepotismos e por puxa-saquismo! Por pura identificação ideológica como o foi com Jorge Amado e com o velho comunista Saramago! Que são sete ou oito energúmenos que formam os tais comitês julgadores; que o Chico teve um avô influente no mundo das letras; que recentemente foi recebido pelo Papa; que se diz de esquerda e que vive em Paris num apartamento estupendo com uma amante que tem menos da metade de sua idade! E que além de tudo isso, interpreta magistralmente a música preferida do Lula... 
Disse isso verdadeiramente entusiasmado e disposto a fazer o vírus de minha inveja vir à superfície e saiu cantarolando trechos do Bêbado e a equilibrista...
Quase em fúria, fiquei olhando que se ia em seu passo trôpego e desejando (sem nenhuma culpa) que um meteorito desgovernado lhe destroçasse os miolos.
100 mil euros! 500 mil reais!
Era um estorvo! Era o leite derramado!






domingo, 19 de maio de 2019

O texto "anônimo" do Bolsonaro e o galinheiro da Irmã Dulce...

"... el vino es fuerte, el rey es más fuerte que el vino, las mujeres son más fuertes que el rey, pero la verdad es más fuerte que todo..."
Martin Lutero


Os estóicos, os otimistas, os farsantes e os crentes de plantão (sempre muito bem remunerados) estão fingindo espanto e horror diante do texto "niilista" que o Bolsonaro divulgou nesta semana. Estrebucham, corrigem as vírgulas e os circunflexos do texto, juram que seu autor só pode ser leitor do Eclesiastes ou a reencarnação de um anjo caído, que foi Jânio Quadros que ditou o texto ali num Centro Espírita, que nada daquilo é verdade, que foi um desabafo do Getúlio feito numa aparição relâmpago ali no Centro de Tradições Gaúchas querendo justificar o petardo que detonou contra si mesmo num dia relativamente ensolarado e ainda fresco pela brisa do mar......  Enfim que a carta é puro rancor e ressentimento contra a pátria, pura covardia, uma declaração de pessimismo impotente e um certo desprezo pelas máfias e pelos petimetres organizados... Um desses falsários de plantão pago há décadas para manter o entusiasmo, a ilusão e a esperança entre o populacho e o rebanho em desespero chegou até a insinuar que o Bolsonaro é leitor sistemático não apenas do Eclesiastes, mas também de Vargas Vila e de Cioran. Que o capitão  deve ler Cioran no original, isto é, em romeno.

Independente de todas essas cochinadas, as razões que levaram o Bolsonario a publicar esse texto são ainda um mistério, mas qualquer um, mesmo que não viva em Brasília, sabe que política e socialmente tudo realmente esta dominado, que não é possível mover sequer uma cadeira ou um pentelho de lugar sem a autorização e sem o consentimento dos tubarões vivos e dos tubarões mortos, de suas famílias e também do Papa. Que existe uma corja (de esquerda e de direita) que navegou até onde quis e que queimou todos os navios. Que nos últimos cem anos governo nenhum conseguiu tapar um buraco, salvar os rios e as matas, racionalizar a justiça, tirar o sistema educacional da beirada do abismo e nem fazer um esgoto ou um hospital funcionar decentemente. Aliás, a Irmã Dulce, recentemente elevada ao status de Santa pelo Papa argentino, foi a única neste país que conseguiu, "milagrosamente" e lá na Bahia, transformar um galinheiro em hospital... Repito: a base para santificá-la foi ter transformado um galinheiro em hospital...
Enfim, todo mundo minimamente ético e sóbrio sabe que nossa sociedade vem há séculos sendo comandada por padres, por advogados e por milícias sem que ninguém tenha se atrevido a pedir esclarecimentos ou fazer escândalos... O mais bizarro é que agora, que o Bolsonaro, (também elevado misteriosamente à presidência) ao dar de cara com esse paredão putrefato está querendo cair fora (exatamente como muitos outros malandros profissionais já o fizeram, só que com menos manha e com mais ingenuidade...) os vivaldinos de plantão fazem de conta que até então não haviam percebido nada... e estrebucham...
Diante deste espetáculo melancólico, burlesco e masoquista até ouço os velhos anarquistas russos e italianos cochichando vitoriosos entre si: o melhor governo é aquele que menos governa!  E la nave è naufragada...
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NB: Quem já leu Diário de um século, de Norberto Bobbio, deve lembrar-se que lá na página 2 há um parágrafo que se refere à Itália, mas que se multiplicado por 4 pode ser usado também para nossa situação nacional: "Um país marcado, do alto, pela prepotência e, embaixo, pelo servilismo. pela arrogância e pela má vontade, pela astúcia como arte suprema de governo e pela esperteza como pobre arte de sobreviver, pela grande intriga e pelo pequeno subterfúgio..."

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Do neoliberalismo, dos turistas babacas e da melancolia de uma saracura...

 .
[...aquele que colocar as mãos sobre mim, para me governar, é um usurpador e um tirano. Eu o declaro meu inimigo...]
Pierre-Joseph Proudhon

Hoje encontrei o mendigo K. no meio desta tarde quase chuvosa. Caminhava meio bêbado pela Av. Beira mar.
Como sempre, estava se queixando. Agora da exploração comercial. Estava indignado com os sete ou oito camarões que lhe custaram cento e quarenta reais ali num mercado popular... e muito mais ainda com os garçons de uma pizzaria que, por três pedaços com dois copos de cerveja artesanal lhe rapinaram os últimos centavos... Repetiu-me que depois de assaltos como esses, faz um esforço imenso para conter seus instintos primitivos e numa espécie de consolo, sempre volta a ler o Manifesto Comunista do Marx e do Engels...   
  - Olhando para o mar por onde naquele exato momento passava um buque repleto de bobalhões e otários com suas câmeras, suas bandeirinhas e suas caricaturas de felicidade - repetia os principais chavões das leis econômicas marxistas e lançava maldições contra o liberalismo económico (essa licença cretina para roubar)...
Repetiu mais cinco ou seis maldições contra os protocolos inevitáveis da sociedade e rumou para o hotel ali próximo onde estava hospedado e que, segundo ele, teria que arrumar as malas e partir porque o ar condicionado de seu quarto, atualmente com defeito, o fazia lembrar involuntariamente da Sibéria... 
Antes de passar pelo umbral de seu hotel apontou o dedo para uma espécie de saracuras que, sobre as pedras no meio do mar eram, para ele, o signo perfeito da melancolia...





sábado, 11 de maio de 2019

Enquanto isso, nos mares do sul...

A tempestade que viria da Patagônia nao apareceu, mas esta todo mundo de cara fechada a espera do sol. Teríamos herdado esse costume dos caranguejos?
Na hora do breakfest os casais não se dirigem a palavra e nem sequer se olham. Há um ódio levitando entre os personagens, principalmente por três motivos:
1.  Desde que acordaram  um acusa o outro de ser responsável pela ausencia do sol e pelo marasmo do sul.
2. O cara veio para cá com a fantasia de,
 finalmente, passar uma semana trepando. Já, ela, veio com a ideia fixa de "descansar", passar os sete dias com as perninhas fechadas e com os pés mergulhados nesse imenso pântano que, com seus 9 mil quilômetros, é o maior das Américas.
3. Porque o casal - como dizia Ambrose Bierce - é constituído por um Patrão, uma Patroa e dois Escravos...
Tenho ouvido estórias de vários pescadores. Parecem educados na Escola de Frankfurt. Sabem tudo sobre o mar e sobre as patologias infantis dos turistas. Dividem as ondas com as gaivotas e não gostam de ouvir dizer que ambos são gigolôs do mar...
E la nave va...

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Parasitando o mar imenso...

As pequenas montanhas que lembram vulcões que não vomitaram estão escondidas na neblina. Quase antes do dia amanhecer um caçador de moedas aparece ali nas areias com seu sensor. Ele, cinco seis gaivotas famintas, um ou outro que exagerou na dose, o mar, em sua longa e obsessiva lenga-lenga, e os surfistas, essa confraria de babacoes dos anos 60  
 passam ali a manhã inteira, de uma onda a outra, legitimando o pensamento de Fernando Pessoa de que 'a vida não basta!' E não pensem que são só adolescentes! Adolescentes que a mãe só deixou saírem de casa depois das orações matinais. Não. A maioria é de sujeitos já descendo a ladeira...
O vento vindo lá das geleiras de Bariloche ou do Himalaia uiva na esquina da pensão.
O caçador de moedas estaciona a meio metro da espuma do mar, enfia a enxada na areia, recolhe alguma coisa e a deposita num saco. As gaivotas que o assistem continuam imóveis como pinguins. Alguém lhes joga uma tainha. Elas quase se matam para disputar aquele cadáver ... Os turistas, cada um parasitando o mar a sua maneira, passam olhando com desconfiança e desanimo para as nuvens negras que são trazidas, segundo eles, lá da Patagônia e que ameaçam estragar as fantasias de todos... 
O mendigo K que saiu do meio de uma onda tenebrosa com uma prancha de surf veio contar-me que o nome Joaquina, desta praia, refere-se a uma senhora que ensinava as mulheres da região a fazer rendas e que, num momento de distração, ali junto ao paredão de pedras, foi puxada pelo mar... e ficou flutuando sobre suas rendas até desaparecer definitivamente e para sempre no meio das ondas...