terça-feira, 31 de agosto de 2021

A velhinha do mercado, Deus e a Aposta de Pascal...



"Aprendi a prezar certos homens, pelo mal que ouvi dizer deles, por certos indivíduos que não estimo"

Sacha Guitry

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De saco cheio com esse confinamento que não tem fim, depois de já ter tomado meia dúzia de vacinas, rezado dois mil Pai Nossos, feito uma promessa para São Cipriano e de levar sistematicamente um litro de álcool 95% no bolso, fui ao mercadinho da esquina comprar meia dúzia de ovos caipiras e umas ameixas Umeboshi.

Lá estava a velhinha de sempre, com um lenço preto de seda italiana na cabeça, discutindo questões sobrenaturais com o dono  do estabelecimento, um sujeito quase albino que veio do leste da Europa com uma mão na frente e outra atrás e que, em menos de vinte anos, já tem uma rede de lojas na cidade e no país, que diz ser amigo do governador, ter três mulheres, uma filha no Congresso e que rouba descaradamente protegido por um Alvará...

Nunca escondeu de ninguém que é ateu, mas também não procura conduzir outros para sua descrença. Seu sucesso 'amoroso' & empresarial, inclusive, o atribui a seu ateísmo. Coisa que deixa sua octagenária cliente confusa e irritada...

Nesta manhã radiante de terça-feira, ouvi que perguntava com uma voz suave, maternal e quase amorosa ao tal proprietário:

- Conhece a Aposta de Pascal?

Ao silêncio de seu interlocutor, foi explicando: Na discussão interminável sobre a existência de Deus ou não, a atitude de apostar na crença porque é mais vantajosa que as outras alternativas, ficou conhecida como Aposta de Pascal. E é mais vantajosa - como se verá - porque ganhando a aposta se ganha a vida eterna e perdendo, não se perde praticamente nada. 

O comerciante a ouvia atentamente com a teatralidade civilizada que se tem com os velhos, mas dando demonstrações de não estar entendendo muito bem a lógica da coisa. .Pascal, - foi dizendo aquela simplória senhora - que era  filósofo, matemático e um eminente vaselina, demonstrava que, apesar da ausência de evidencias e de provas, apostar na existência de Deus é sempre um negócio bem mais vantajoso.... Veja as alternativas: 

1. Se Deus existe e acredito: ganho a eternidade..

2. Se Deus existe e não acredito: perco a eternidade..

3. Se Deus não existe e acredito: o que perco não é significativo.

4. Se Deus não existe e não acredito: o que ganho não é significativo.

O comerciante, impressionado com o cinismo de Pascal e daquela pobre velha, deu uma gargalhada e arrematou: Pelo que me dizes, Pascal, em suas crendices esotéricas era mais trapaceiro do que eu em meus negócios... Só mesmo um Deus bêbado e trouxa não o mandaria direto para o fundo dos infernos...

Silenciou por uns instantes, respirou fundo e arrematou novamente: por mim, pagando suas compras em dia, a senhora pode acreditar até em cavalos voadores... e resmungou entredentes aquela frase de Celine: "é horrível o sentimento de ter perdido tanto tempo e ter feito tantos esforços por esse bando horroroso e diabólico de beatos, filhos da puta e puxa-sacos!!!"




Um paraíso habitado por demônios... E você? Nunca foi a Napoli? Então vá...





segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Sete de setembro e a Política do Espetáculo...


"A política? Um porco degolado; fanfarrões que assistem ao fato e outros que lhe lambem o sangue..."(Capus)


Nas 'células' e nas comunidades bolsonaristas, nas esquerdistas e na dos outros 30 partidos (que ninguém consegue saber nem o nome, nem o que pensam e nem se pensam) há uma subagitação, um prurido cutâneo na espera pelo dia Sete de Setembro. Dia comemorativo! Dia em que o Brasil teria se libertado do surrealismo português, para colocar em cena o próprio. Mas que na prática, ninguém sabe direito o que foi e nem o que essa Independência representou. Prepara-se um grande espetáculo! Como nos períodos carnavalescos! O desfile pela avenida Paulista se tornou mais disputado que o da Apoteose no Rio de Janeiro. Uma vez para a Direita, outra para a Esquerda. Desta vez a Paulista ficou para a Direita. É ali que fica o Jardim Pamplona; a Casa das Rosas; a FIESP; o Trianon; o Conjunto Nacional e as pizzarias.., tudo o que a petite burguesia adora. Sem falar do MASP, aquele templo sagrado da Lina Bo Bardi e dos pequenos delirantes.  E, claro,  endereço das clinicas que cobram 2 mil dólares por dia para manter um sujeito vivo com água açucarada na veia.. Já, a esquerda, desta vez, foi empurrada para o Anhangabaú, para aquele refúgio de andarilhos, nome dado pelos Tupi-guaranis ao córrego que passa lá, que queria e que quer dizer: Rio dos malefícios do diabo.

Dramaturgos! Prestidigitadores! Ilusionistas! Trios elétricos, motos, bandeiras, batuques, faixas, Mussolini & Marx revisitados; caminhões, tiros, abraços, mentiras, delírios, ficções, promessa de cargos; flutuações de humor; mitomania, esquecimentos seletivos. Mas orgulhar-se de quê?

E aparecem revolucionários dos dois lados. Discursam. Fazem pose. Interpretam os lances dos governos passados e do governo atual. Definem o neofascismo e o neo comunismo com o mesmo entusiasmo de torcidas de futebol opostas. Uns ficam de quatro para os EEUU, outros preferem a China. Preparam um Espetáculo. Fazem profecias, projeções, análises marxistas e mussolinistas. De vez em quando descambam para analisar e contrapor as 'narrativas' do ódio com narrativas do amor ao próximo e vice-versa!. Ah, mas a epidemia! Ah, mas os fuzis! Ah, mas o STF! Ah, mas a Lava-jato! Ah, mas o Stalin! Ah, mas o Trotski que comeu a mulher do Rivera! Ah, mas os vinte anos do PT no Poder! Ah, mas o Capital Financeiro! O latifúndio  As privatizações! Ah, as rachadinhas! (depiladas); Ah, mas a fidelidade à Terceira Internacional! Escorregam para as discussões de seita. Imaginem o pessoal do Reino de Deus discutindo a Bíblia com o pessoal das Comunidades de Base: é a mesma coisa! E se agridem, se ameaçam, se irorizam. Dependendo de tua contribuição mensal (uma espécie de dízimo), podes ser rapidamente considerado analista político, um bolsonarista full time ou um Leninista clássico e passar a usar a vontade as três frases terríveis da militância: "Só a verdade nos salvará!"; "Atravessar o rubicão"; "No bojo do programa".  Trazem o Trump, o Talibã, fantasmagorias e até Napoleão para a discussão. O problema é que há talibãs de esquerda, de direita e até ambidestros! Uma espécie de Carnaval messiânico. Cantos fúnebres misturados à idéia de uma panacéia universal! Algo como a reinauguração de um circo. Uma Grande marcha para Jesus. O Trigésimo GRITO dos EXCLUíDOS! Mas esses caras estão gritando há trinta anos? E não acontece nada? Vão continuar gritando até quando? Quando, enfim, serão incluídos? E onde? E por quem? E eis que chega o Novo Manifesto da FIESP e dos banqueiros! Quase uma Encíclica de trapaceiros! Ao mesmo tempo em que a Revista Forbes divulga o nome dos 10 bilionários brasileiros. As fortunas são indecentes e pornográficas! Como ser bilionário sem ser um ladrão? Resmungaria Proudhom. Paralelamente, no outro lado da pista, a fome! E não há nem papel higiênico. Como é que, data vênia, os pobres vão se limpar o cu? A cesta básica! Nenhum mendigo honrado deveria contentar-se com uma cesta BÁSICA que não contenha vinho e salame! E o tal golpe, que o Bolsonaro promete nas entrelinhas? Mas golpe contra quem? Contra si mesmo? E para quê, se está tudo dominado? Se o país está mais homogêneo do que nunca, nivelado por baixo e transformado num aprisco com um só rebanho? Rebanho que, - como diria Massaryk - é hoje tão antropomórfico sobre política como seus ancestrais o eram sobre a natureza... A idéia de que o país está dividido é esotérica e quase bi-polar! Frases e slogans que excitam os ratos da direita, que por sua vez excitam os ratos da esquerda e contaminam até os ratos sem identidade. E dizem que o identarismo é coisa da CIA. Mas a CIA? A CIA que acaba de levar um baile no Afeganistão. Mas enfim: entre Lula e Bolsonaro, o lupemproletariado votará em quem? E a burguesia? E a Terceira, a Quarta e a Quinta via? A burguesia - dizem - precisa de um Bolsonaro com uma 'narrativa' mais culta, mais delicada e com algumas palavras em alemão ou, pelo menos, em inglês. Crendices prosaicas! Como acreditar numa gente inclinada a dar ao sobrenatural o benefício da dúvida... E depois, esses caras estão aí há cinquenta anos dizendo as mesmas coisas. Não reciclam nem sequer os discursos. Na essência de seus corações e neurônios o que há é só o murmúrio da TFP! Nós, da esquerda e da direita, na verdade, somos irmãos, brothers que acreditamos nas mesmas coisas! Nosso DNA e nosso Deus é o mesmo! Nosso problema não é ideológico nem religioso ou de classe... O que nos importa e nos separa é o Poder. Só o poder!  Não podemos deixar o populacho perceber que fazemos uma política que é pura superstição. Não podemos deixar as massas descobrirem que, como dizia Montesquieu "a política é uma arte - não de tornar o homem feliz, mas de depravá-lo para o oprimir...". Uma alternativa à crise? Mas os caras que deram o golpe na monarquia há séculos, diziam a mesma coisa. Getulio reativou a frase, depois os militares; depois o Sarney, o Collor; o Fernando Henrique; o Lula; a Dilma... Agora o Bolsonaro que, turbinando o caos, usa a mesma justificativa. Que porra é essa? E ninguém nem sequer promete, em seus cinco anos de governo, pelo menos, construir estradas de ferro de um extremo a outro do país... Nem transferir os atuais hospitais públicos, asfixiados e apodrecidos, para edifícios de mármore azuis como as estupendas mesquitas da Turquia; e nem ensinar 4 idiomas às crianças das creches... Só a proliferação da incultura oral, fajuta e alienante! Só demagogia! Só verborréia pseudo revolucionária! Só enfrentamentos linguisticos onanistas entre exegetas picaretas e laicos...

Enfim, ninguém dúvida mais de que, como dizia Arréat: 'se houvesse eleições na república das plantas, as urtigas desterrariam as rosas e os lírios...'

sábado, 28 de agosto de 2021

E nas memórias digitais... (A alma encantadora das ruas...)



"O miope fareja tudo com os olhos..."

Ramon G. de la Serna

 E... "tudo se transforma, tudo varia - 0 amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia. Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o AMOR DA RUA"

João do Rio












































sexta-feira, 27 de agosto de 2021

O agito dos fotógrafos... Pero.., no pasa nada...

Empurrões, cotoveladas, indelicadezas, disputa entre agências; policiais disfarçados com uma Canon 70D a tiracolo. Um ou outro grotesco barnabé freelancer. Troca de lentes, tripés. Atenção! Já acenderam o isqueiro! Agora! Rápidos antes que os bombeiros cheguem! E nada de fotos no automático! O fogo! Pensem em Prometeu, aquele que roubou o fogo dos deuses! Ou, sendo mais modestos, em Gaston Bachelard e em sua Psicanálise do fogo. Atenção fotógrafos! Limpar as lentes! Esta tem que estar amanhã na primeira páginas dos matutinos londrinos e não esqueçam das espectativas dos revolucionários rousseanianos do Libération! Atenção. Cadê o cacique? Cadê a faixa de genocida? E na fumaça, não haveria alguma mensagem secreta & especial? Vejam como sobe rumo aos céus! Pelo menos nisto, não é como a oferenda de Caim! Lembram de Caim? O cara que com uma só bordoada eliminou + ou - 25% da humanidade? Lembrem também do Biden... O corpo fala! Quem viu sua expressão corporal ontem, tem certeza que ele também está preocupado & ansioso com o que pode vir a acontecer com o Marco Temporal de nossos povos indígenas. Sim, ele que já teve o seu lá no Afeganistão. Atenção: Clicar! 

500 anos de aberrações subliminares e de gente que parece "ter passado toda sua vida mental numa magia irremediável..." Pura performance onde até os pobres fotógrafos são obrigados a fazer o papel de harlequin e de clown. E, como dizem os espanhóis: no pasa nada...



Uns dois dias depois, já no escuro...






Eles não sabem que nós lhes estamos trazendo a peste (S.Freud)

 "Quando ouço afirmar que os mongóis, os alemães, os napolitanos, têm este ou aquele defeito, tenho a impressão de estar ouvindo dizer que os suínos de Parma são mais imundos do que os porcos da Inglaterra..."P.



Segundo um jornal de hoje, alguns dos milhares de índios que estão acampados aqui na Esplanada testaram POSITIVO para o coronavírus. Enquanto isso, os juízes do STF transferiram novamente, agora para a semana que vem, a decisão do assunto que os trouxe e que os mantem em Brasília, decisão que poderia ser tomada em menos de meia hora, até por um tribunal de bêbados...

Quem é que leu Darcy Ribeiro e que não se lembra das épocas de guerra entre índios e brancos no Brasil, quando se usou da varíola, do sarampo e de outras doenças para livrar-se deles? Lembram do Maranhão, onde fazendeiros portugueses e brasileiros doavam para os timbiras, roupas, escapulários, estatuetas de santas e até imagens de Dom Sebastião (desaparecido em 1578 na batalha de Alcácer-Quibir),  tudo contaminado pela varíola? E que em seguida, contaminados por aquilo que eles chamavam a "Sarna dos cristãos" e queimando em febre, os indígenas passavam o dia dentro dos córregos tentando aliviar-se e que quando não suportavam mais a febre, imploravam aos membros da tribo para que os eliminassem? E lembram dos botocudos? E lembram dos tais bugreiros lá no PR e em SC? De como os xoklengs e os kaigangs foram dizimados? E lembram dos métodos 'europeizados' com os quais os espanhóis tentaram se livrar dos Incas e dos Maias? 

Apesar de até aqui a história ter sido um genocídio atrás dos outro, muita gente por aí, vira-latas ou não, alguns até mais ou menos inocentes; gente - como diria W. James -: obscuramente motivada, insistem na espera por Godot, na transcendência do espírito e em canonizar meia dúzia de picaretas e de cretinos ilustrados... e fazendo declarações de amor aos 'Bandeirantes'; ao Estado e a seus cupinchas e comparsas... e até, de vez em quando, lhes dedicando pequenas e românticas poesias ao som rococó de Bach...

Curiosamente, também Freud, (segundo um de seus biógrafos) no auge das discussões sobre a psicanálise, chegando de navio da Europa à Nova York, onde iria proferir conferências sobre o assunto, vendo a multidão que o aguardava no cais do porto, teria proferido esta metáfora a um dos capachos que o acompanhava: Eles não sabem que lhes estamos trazendo a peste...


quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Os "selvícolas?" Sim, eles voltaram..

Observe: "Quando aparece um poeta numa família, todos os outros 

parentes sentem-se mais unidos..."

M.L. Descotte

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Desde que mudei-me para Brasília, quando isto aqui ainda era uma pobre, experimental, asfixiada e empoeirada aldeia, repleta de delirantes e de nômades pés-rapados, vindos de todos os cantos do país, acompanho a vinda de grupos de indígenas (Bororos, Caiapós, Machacalis, Pataxós, Ianomamis, Xavantes e etc) para, junto aos latifundiários travestidos de parlamentares e sob os olhares cretinos dos burocratas, reivindicar o impossível. A terra!... A posse da terra! E só insistem porque ainda não perceberam que há nessa gente um esquecimento seletivo... Marco Temporal? Que porra é essa? O tempo? - Reflete um velho pajé - O tempo e o amor são dois estrangeiros caminhando em estradas paralelas...  Ora! Não sejam caricatos!.., isto não é uma disputa eclesiástica. E depois.., nos últimos tempos, todo mundo sabe, as excelências só têm se interessado verdadeiramente por eflúvios etéreos e por coisas atemporais, fora do tempo... Há uns 45 anos atrás, quando passei uma breve temporada numa dessas tribos, ao aproximar-mo-nos da margem onde ficava a aldeia de destino, o barqueiro, um pau d'água clássico e com uma significativa ficha policial, citando a J. Frazer, me preveniu: Dr. não esqueça que "o 'selvagem' não é capaz de fazer nítida distinção entre o natural e o sobrenatural".

E esse pequeno e pretérito pormenor, nem sei se verdadeiro ou se inventado, me vem à memória agora, enquanto os vejo ali, como tantas outras vezes, ao redor do Congresso Nacional, girando em seus rituais, com seus cachimbos fumegantes, suas fantasmagorias e seus chocalhos intrépidos em busca de algum transe que, oxalá, possa influenciar a decisão dos juízes sobre suas demandas. Dr. não esqueça que o 'selvagem' não é capaz de fazer nítida distinção entre o natural e o sobrenatural. Terras! A gleba! O lote! A reserva! O latifúndio! E ninguém parece lembrar-se dos sete palmos de usucapião que já estão garantidos para todo mundo! O NOME DA TRIBO! As terras registradas em nosso NOME! No NOME DO PAI (balbuciaria Lacan). Em nome de nossos Herdeiros! De nossos parentes! Mas grande parte das desgraças do mundo sempre estiveram relacionadas à terra, com a terra. À posse da terra! Essa Terra-de-ninguém... Desta  mesma terra para quem não faz diferença alguma estar registrada em nome dos selvícolas; das filhas solteiras & vitalícias dos generais; das herdeiras dos latifundiários, dos senadores, dos garimpeiros ou das jibóias...  Morada temporária! Cantorias quase gregorianas e fúnebres! Todos iludidos, cristianizados e perdidos... E rodopiam e dizem frases incompreensíveis, como se dominassem um 'alfabeto telegráfico'; os olhares quase infantis, uns de desespero, outros quase felizes numa espécie de balada democrática ou de lupemradicalismo, como se alguém, (além de um ou outro entediado jornalista, por força do ofício) nesta quarta-feira de agosto e com clima de deserto, estivesse minimamente interessado neles... Boatos. O clima é de ocultismo. E se se mantiverem por aqui até o dia 7 de setembro? Agitam os braços e as penas como se acreditassem estar empolgando, por um lado, à legião de burocratas sonolentos sobre seus escritórios e por outra, à parcela imensa de aposentados e de frouxos que os espiam por detrás das persianas... e que mais tarde, depois que o sol tiver sumido, irão até seus acampamentos levar-lhes cobertores, gravatas, anáguas velhas e os macacões de algum defunto...  O mendigo K, que por interesse antropológico também não perde nenhuma destas manifestações, com todo o cuidado para não levar uma flechada, me sussurrou: E se ao invés de terras, lhes dessem de uma vez quatro ou cinco coberturas lá na Viera Souto?

Ah, a falibilidade dos sentidos! Como o tempo vai falsificando nosso acervo mental...

Mais tarde, quando a noite começou a aparecer meio misteriosamente por detrás dos ministérios e as meninas já iam chegando para girar bolsas na esplanada e fisgar algum punheteiro subalterno e quando um vigário a paisana atravessou a pista para ir acender as luzes da catedral, vi o tremular de uma lamparina numa das barracas do acampamento. Uma cantoria dos tempos de Pedro Álvares Cabral...Tudo lembrava as Mil e Uma noites. Na penumbra, vislumbrei um índio, já sem os badulaques e vestindo uma camisa branca de algodão egípcio. Queimava uma erva não profana em seu cachimbo e de tão seguro de si, lembrava o lendário Monctezuma. Soube que uma Confraria de Mulheres Transtornadas, ex-concumbinas de ministros, o elegeram como xamã e que ele, sem saber muito bem do que se trata, esperava por elas, ao entardecer, para revelar-lhes algum novo segredo da natureza e dos 4 elementos unidos e imantados, para antes e depois do juízo final... Dizem que se fosse por elas, já lhe teriam concedido mais Honoris Causa do que os que o Lula e o Fernando Henrique acumularam juntos... E assim a quarta-feira, como a vida, vai passando...

Sorte que o vírus ainda não descobriu meu endereço e que por todos os lados, mesmo a esta hora, dá para perceber que os ipês amarelos, teimosos & escravos de seus genomas nucleares, voltaram a florescer...





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Iconografia - E quando preciso turbinar meus índices de testosterona...

"Entre tanta mentira e tanta fraude é reconfortante contemplar um mendigo. Ele, pelo menos, não mente nem se engana: sua doutrina, se é que a tem, a encarna ele mesmo; não gosta do trabalho e o prova. Como não deseja possuir nada, cultiva seu desprendimento, condição de sua liberdade. Seu pensamento se resolve em seu Ser, é seu pensamento. Sua preguiça, de uma rara qualidade, faz dele um autêntico 'liberado', perdido num mundo de babacas e de troxas. Sobre a renúncia, sabe muito mais do que vossas numerosas obras esotéricas. Para convencer-vos, basta atirar-vos às ruas... Mas, não! Preferis os textos que preconizam a mendicância..." (E.M.Cioran)