segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Eça de Queiroz e Ti-Chin-Fú...Se você também já não aguenta mais ficar em casa coçando o saco ou a vulva... Leia O Mandarim, de Eça de Queiroz. Uma maravilha!

"A oração e o reino dos céus... uma consolação fictícia que os que possuem tudo inventaram para contentar os que não possuem nada... Eu pertenço à burguesia; e sei que ela mostra à plebe desprovida um paraíso distante, gozos inefáveis a alcançar, para lhe afastar a atenção dos seus cofres repletos e da abundância das suas searas..."



domingo, 29 de novembro de 2020

A praga emocional...

Ilustração: Maurice Henry

"Os adultos, independentemente de sua vontade, exercem repressão sexual sobre seus filhinhos, porque vivem sua própria sexualidade de maneira reprimida...(...) Desde o princípio da vida até a universidade, os indivíduos não têm contato com nenhum tipo de educação sexual o que, já é uma forma de educar sexualmente, isto é, uma maneira de educar para a ausência de sexualidade, uma forma de educar para a negação sexual, uma forma de viver a sexualidade como algo alheio, distante e místico..."

W. Reich


E o  caso do senador e da modelo, em são Paulo, que está sendo tratado como estupro, continua... não mais no hotel (evidentemente), mas na policia, nos tribunais e nas sacristias. 

Independente do que tenha acontecido entre o casal, é importante perceber que, no fundo, na essência desse patrulhamento doentio e psicopatológico, está a repressão sexual. E que, na verdade, o estupro pode estar sendo usado apenas como um pretexto para criminalizar o desejo e a sexualidade, já que a sociedade ainda não os suporta. Qual é o problema que pode existir na relação amorosa entre duas pessoas que passaram o dia inteiro juntas, se excitando mutuamente e que depois, na hora fascinante do crepúsculo, sem a autorização de um padreco ou de um juizeco, se recolhem para gozar? 

Gozar! Por que será  que esse pormenor da existência nunca conseguiu ser digerido pelo rebanho? 

Qual é o problema? 

Coisas de libertinos? 

Coisas de putas? 

Mas, e qual é o problema com os libertinos e com a putas? 

Se não tivesse sido por um ato de libertinagem de nossos pais, nós nem sequer teríamos nascido e nem estaríamos aqui! Quê imbecilidade é essa? Sem falar, inclusive, que o libertino pode até estar apaixonado. Apaixonado como aquele personagem de Gorki, em "Pequenos Burgueses", por duas virgens e por uma mulher casada ao mesmo tempo...

E era exatamente a isso que Reich denominava: A praga emocional:  (a expressão Praga Emocional não tem conotação difamatória alguma. Não se refere a algo consciente, à degeneração moral ou biológica, à imoralidade, etc. A praga emocional assume dimensões de uma pandemia, na forma de uma gigantesca irrupção de sadismo e criminalidade, tal como foi a inquisição católica da Idade Média e do fascismo internacional de nossos dias).

Qual é o problema que duas pessoas, se envolvam sexualmente, mesmo que seja apenas por uma única vez, depois de uns tragos, de uns baseados, de uma garrafa de vinho, de uma aula de antropologia, ou até mesmo de um iogurte de coco? Ocultos por detrás do abominável "estupro" e da burocrática "relação consentida", está o pai e a mãe castradores e moralistas: ele impotente e ela frígida. Depois de passar a infância e a adolescência ouvindo a mãe recomendando: feche as pernas! Tire as mãos daí! Desse jeito vai crescer e ir para um puteiro! Os homens são todos uns cachorros e uns porcos! etc, etc;  Depois de crescer ouvindo as ameaças de um pai brutamonte que jurava assassinar aquele que a "desrespeitasse"; de uma tia beata que, na igreja ou na escola associava sexo com coisas do demônio... como querer que uma moça de 22 anos consiga ter uma relação sexual livre, com soberania e por puro prazer, sem, durante o ato, voltar a sentir a angústia de todas aquelas ameaças e sem sentir-se uma puta? 

Impossível.

Por isso, é bom que a policia, os juízes e outros substitutos da mãe, do pai e da tia, saibam que essas acusações de estupro, podem não ser estupro, mas simples surtos regressivos dos envolvidos, "prestações de contas" aos primeiros tutores e repressores lá da infância e à moralidade vigente.

Ou, do contrário, logo logo, todos nós, como gostariam as feministas, seremos diagnosticados e acusados de estupradores... 

O silêncio dos apóstolos da psicologia, da psicanálise e da psiquiatria sobre estes repetidos casos, constitui uma descarada e abominável conivência com os leigos e vingativos gerentes dos órgãos de repressão...



quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A morte do Maradona, entre parabolas, metáforas, superstições e cantos gregorianos... (O mundo é um circo!)


A morte do Maradona roubou a cena e eclipsou a tragédia das quase cinquenta costureiras que morreram ontem, nas estradas de São Paulo. O motivo? Sempre o mesmoMas eram apenas costureiras!.., sendo levadas para o trabalho e no mesmo esquema dos bóias-frias dos anos 70, que eram transportados como gado para as fazendas... E que caíam daqueles caminhões sucateados por estradas ainda piores que as de hoje e que iam de um cafezal e de um canavial a outro, sempre pilotados por motoristas bebuns e improvisados que também eram recrutados no hall dos botecos. Morriam anonimamente como moscas a ponto dos jornais nem mais noticiarem suas mortes. O que é um bóia-fria? O que é uma  costureira?

E o Pelé, que declarou que ainda vai jogar uma pelada com Maradona no céu? Tudo bem, a liberdade de expressão e de crença é sagrada, pode ser apenas uma metáfora, uma força de expressão, uma parábola, mas o que é que leva um homem de 80 anos a valer-se de uma fantasia primária  dessas, na qual nem mais as crianças de 6 anos e suas bonecas acreditam? 

E todo mundo só pensa na chegada do tal 5 G. Todo mundo tem pressa. (Seria pressa em acabar?) Já pensou "baixar um filme em menos de meio minuto!" exclamam os energúmenos. Agora só falta decidir se ficaremos de quatro para a China ou para os EEUU. Se preferimos ser enrabados por um comunismo ou por um capitalismo selvagem... Que miséria! 



quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Mientras...

[A morte é a destruição violenta do erro fundamental de nosso ser, 
o grande desengano...]
A. Schopenhauer 


 



A cada novo crime de racismo, a leitura de Frantz Fanon se faz mais necessária... Quando é que se vai incluí-la nas escolas de Primeiro Grau?



"Não sou prisioneiro da história. Não  tenho que buscar nela o sentido de meu destino. Tenho que lembrar a todo momento que o verdadeiro salto consiste em introduzir a invenção na existência."

"Oh, meu corpo, 

faça de mim um homem que sempre questiona!"

F. F

PELE NEGRA/MÁSCARAS BRANCAS

Prefácio 

(por Lewis R. Gordon)

"Houve uma época em que um professor universitário norte-americano que tentasse abordar a obra de Frantz Fanon em um ambiente acadêmico estaria sujeito a perder o emprego. Naqueles anos turbulentos das décadas de 1960 e 1970, a situação era diferente na América do Sul. No Chile, por exemplo, as idéias de Fanon estavam sendo ensinadas nas salas de aula, e uma leitura cuidadosa da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire revela o quanto essa obra sofreu a influência de Fanon. Nos anos de 1990 era possível estudar Fanon e Freire em cursos como Teologia Política, Filosofia da Libertação e Pensamento Social e Político, e os estudiosos em todo o mundo estão agora compreendendo a relação entre Fanon e outros intelectuais brasileiros como Alberto Guerreiro Ramos e Abdias do Nascimento. Esta tradução de Peau noire, masques blancs não é, portanto, a primeira vez que Fanon será ouvido no mundo lusófono.

Fanon é mais conhecido como um revolucionário. Nascido na ilha da Martinica em 20 de julho de 1925, era um homem carismático de grande coragem e brilho, tendo lutado junto às forças de resistência no norte da África e na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, ocasião em que foi por duas vezes condecorado por bravura. Após completar seus estudos em psiquiatria e filosofia na França, dirigiu o Departamento de Psiquiatria do Hospital Blida-Joinville na Argélia (hoje renomeado como Hospital Frantz Fanon) e tornou-se membro da Frente de Libertação Nacional da Argélia, entrando, assim, na lista de cidadãos procurados pela polícia em todo o território francês. Todo o resto de sua vida foi dedicado a esta batalha, enfatizando sua importância na luta para transformar as vidas dos condenados pelas instituições coloniais e racistas do mundo moderno. Fanon morreu de pneumonia em 6 de dezembro de 1961 em Bethesda, estado de Maryland, nos Estados Unidos, enquanto buscava tratamento para sua leucemia.

As idéias de Fanon estimularam obras influentes no pensamento político e social, na teoria da literatura, nos estudos culturais e na filosofia. Existem hoje centros, clínicas e hospitais fundados ou renomeados em sua memória, e, graças à Associação Filosófica Caribenha, a comunidade acadêmica outorga o Prêmio Frantz Fanon por Obras Excepcionais do Pensamento Caribenho. Existem quatro livros impressos sob sua autoria. Cada um deles é um clássico, marcando presença no cânone filosófico da Diáspora Africana. O mais conhecido dentre eles é Les damnés de la terre (Os condenados da terra, 1961), publicado postumamente e escrito durante um período de dez semanas, quando o autor já sofria de leucemia.Peau noire, masques blancs (1952) e L’an V de la révolution algérienne(1959), subseqüentemente lançado como Sociologie d’une révolution: l’an V de la révolution algérienne, foram publicados em vida. Sua esposa, Josie (Marie-Josèphe Dublé) Fanon, editou, também postumamente, uma antologia de seus escritos intitulada Pour la révolution africaine (1964).

O título Les damnés de la terre (Os condenados da terra) foi retirado de uma adaptação feita pelo poeta haitiano Jacques Rouman, em seu livro de poemas Bois-d’Ébène (1945), do primeiro verso da Internacional (1871) de Eugène Edine Pottier. A conexão com a Internacional, mediada pelas lutas dos negros no Caribe e na África, e com Jean-Paul Sartre, o mais famoso intelectual vivo na época e autor do prefácio da obra, fizeram com que o livro lançasse uma sombra sobre os outros escritos de Fanon por quase vinte anos. Só na década de 80, quando os estudos pós-coloniais conquistaram uma posição sólida no ambiente acadêmico do Primeiro Mundo, leituras mais cuidadosas das outras obras de Fanon começaram a aparecer nas publicações. Foi nos anos 90, entretanto, com a ascensão da filosofia da Diáspora Africana, que a riqueza teórica do “pensamento inicial” de Fanon obteve reconhecimento.

É estranho falar em pensamento “inicial”, em contraposição a “posterior”, quando nos referimos a um homem que morreu aos 36 anos de idade. Há um ditado do povo akan (na região do Golfo da Guiné) que ensina que os sábios já são sábios de nascença, não se transformam em sábios, referindo-se assim às pessoas que já nascem “velhas”. A outra dimensão desta observação é que tais pessoas morrem jovens. Mesmo quando elas vivem quase um século, como no caso de W.E.B. Du Bois, suas idéias permanecem tão vivas que seus autores parecem estar perpetuamente jovens. Fanon é uma dessas pessoas. Seu trabalho não pode ser dividido em “inicial” e “posterior”, porque em cada um dos momentos ele permanece maduro e vivo.

Peau noire, masques blancs foi ao prelo quando Fanon tinha vinte e sete anos de idade. Foi escrito quando o autor tinha vinte e cinco. Inicialmente destinava-se a ser sua tese de doutorado em psiquiatria, recusada pelos membros da comissão julgadora. Eles preferiram uma abordagem “positivista” no estudo da psiquiatria, exigindo mais bases físicas para os fenômenos psicológicos. Fanon, então, escreveu sua teseTroubles mentaux et syndromes psychiatriques dans l’hérédo-dégénération- spino-cérébelleuse. Un cas de maladie de Friedreich avec délire de possession (Lyon, 1951).

Fanon não se arrependeu de ter escrito Peau noire, masques blancs após obter o doutorado, como se nota em suas reflexões na introdução:

Il y a trois ans que ce livre aurait dû être écrit... Mais alors les vérités nous brûlaient. Aujourd’hui elles peuvent être dites sans fièvre. Ces vérités-là n’ont pas besoin d’être jetées à la face des homes. Elles ne veulent pas enthousiasmer. Nous nous méfions de l’enthousiasme.

(Este livro deveria ter sido escrito há três anos... Mas então as verdades nos queimavam. Hoje elas podem ser ditas sem excitação. Essas verdades não precisam ser jogadas na cara dos homens. Elas não pretendem entusiasmar. Nós desconfiamos do entusiasmo.)

Seu irmão, Joby Fanon, relatou que os colegas de Fanon diziam que ele era “zangado por dentro e por fora”. Fanon admite, em sua introdução, que ele estava irritado demais para produzir o tipo de trabalho necessário, aquele que precisava ser feito, porque, como explica na primeira página,“il y a trop d’imbéciles sur cette terre.”

Ao ser publicada, esta obra clássica do pensamento sobre a Diáspora Africana, do pensamento psicológico, do pensamento da descolonização, da teoria das ciências humanas, da filosofia e da literatura caribenha foi recebida ao mesmo tempo com escândalo e com indiferença. O ambiente em que a publicação ocorreu estava dominado pelo mundo latino, tanto francófono, quanto hispanófono ou lusófono, ou seja, um mundo em que o racismo contra os negros era considerado uma doença peculiar das sociedades anglófonas, especialmente nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália e África do Sul. O retrato exibido neste livro revelava uma história diferente. Mostrava como a ideologia que ignorava a cor podia apoiar o racismo que negava. Com efeito, a exigência de ser indiferente à cor significava dar suporte a uma cor específica: o branco.

Embora fosse um fato perturbador para o típico leitor francês, a má-fé prevalecia através de uma rejeição não-empírica de sua suposta falta de validade: eles simplesmente diziam que o racismo não existia (apelo à evidência) recusando examinar a evidência.

A reação a Peau noire, masques blancs evidencia um problema com que se defronta a maioria dos estudiosos que examinam as questões relacionadas aos negros. Como W.E.B. Du Bois observou, em vez de estudar os problemas enfrentados pelas pessoas negras, as próprias pessoas passam a ser o problema. O resultado é, como Fanon subseqüentemente argumentou, uma exigência neurótica de que os estudos sobre o negro pudessem existir se houvesse acordo de que o negro não existe. O mesmo se aplica ao pensamento negro.

Fanon oferece uma crítica incisiva à negação do racismo contra o negro na França e em grande parte do mundo moderno. Embora outros escritores também tenham criticado tal comportamento, existem características singulares na análise de Fanon que fizeram com que seu trabalho sobrevivesse ao século XX. Primeiro, ele examina a denegação como algo sintomático em muitas pessoas negras. Segundo, rejeita a tese estrutural ao admitir a tese existencial da contingência e das exceções. Em outras palavras, Fanon não considera todo o mundo como sendo racista. Terceiro, examina o problema em seus níveis subterrâneos e, ao fazê-lo, revela seu significado para o estudo do homem. Quarto, aborda questões disciplinares e problemas de dominação no âmbito epistemológico, na esfera do conhecimento, radicalizando assim sua crítica. Quinto, oferece discussões originais sobre a dinâmica da liberdade e do reconhecimento no cerne das relações humanas. E, sexto, mas em último lugar, Fanon propõe um conjunto de mecanismos retóricos que implementam as muitas maneiras de abordar o problema.

O livro fala por si mesmo, mas também é um livro que fala através de si mesmo e contra si mesmo. Fanon literalmente põe em cheque a maneira como entendemos o mundo e também provoca um desconforto na nossa consciência que aguça ansiosamente o nosso senso crítico. Ler este livro é uma experiência desafiadora. Temos indiscutivelmente que nos valer de uma série variada de recursos intelectuais, aí incluindo recursos emocionais. Fanon ressalta inicialmente que racismo e colonialismo deveriam ser entendidos como modos socialmente gerados de ver o mundo e viver nele. Isto significa, por exemplo, que os negros são construídos como negros. Em outras palavras, não haveria razão para as pessoas na África, na Austrália ou em outras áreas do Pacífico Sul pensarem sobre si mesmas em termos raciais. Para entender como tais construções ocorrem, o caminho lógico é examinar a linguagem, na medida em que é através dela que criamos e vivenciamos os significados. Na linguagem está a promessa do reconhecimento; dominar a linguagem, um certo idioma, é assumir a identidade da cultura. Esta promessa não se cumpre, todavia, quando vivenciada pelos negros. Mesmo quando o idioma é “dominado”, resulta a ilegitimidade. Muitos negros acreditam neste fracasso de legitimidade e declaram uma guerra maciça contra a negritude. Este racismo dos negros contra o negro é um exemplo da forma de narcisismo no qual os negros buscam a ilusão dos espelhos que oferecem um reflexo branco. Eles literalmente tentam olhar sem ver, ou ver apenas o que querem ver. Este narcisismo funciona em muitos níveis. Muitos brancos, por exemplo, investem nele, já que teoricamente preferem uma imagem de si mesmos como não racistas, embora na prática ajam freqüentemente de forma contrária.

A questão da língua também levanta outras questões mais radicais sobre seu papel na formação dos sujeitos humanos. Fanon argumentava que a colonização requer mais do que a subordinação material de um povo. Ela também fornece os meios pelos quais as pessoas são capazes de se expressarem e se entenderem. Ele identifica isso em termos radicais no cerne da linguagem e até nos métodos pelos quais as ciências são construídas. Trata-se do colonialismo epistemológico.

No começo da obra, Fanon anuncia que gostaria de transformar o negro em um ser de ação. Isto é importante por causa das barreiras à liberdade em ambientes racistas e coloniais. O problema torna-se mais agudo no capítulo sobre a psicopatologia, onde Fanon mostra que o mundo moderno não tem uma noção coerente sobre o que seja uma pessoa negra normal ou um adulto negro. O comportamento patológico é freqüentemente apresentado como “autenticamente” negro. Caso um negro ou uma negra não se comportem como tais, seriam considerados “inautênticos”, o que resulta em uma confirmação da patologia. O efeito disso era corriqueiro numa época em que, no mundo anglófono, negros adultos, homens e mulheres, eram chamados de “menino” (boy) ou “menina” (girl), mas ainda hoje influencia a cultura popular, na medida em que os adolescentes negros dominam a representação do negro. Fanon desafia a eficácia da terapia sem um modelo de normalidade. Se a psicologia para o negro resulta em uma psicologia do anormal, o negro não seria mais um ser de ação porque não teria para onde ir. Haveria uma relação niilista com o mundo social.

A maioria dos negros, inclusive na África, está obcecada em “fixar- se”. Esta obsessão, sugere a argumentação de Fanon, é resultado da impotência social. Não conseguindo exercer um impacto sobre o mundo social, eles se voltam para dentro de si mesmos. O principal problema desta atitude está na contradição em buscar a liberdade escondendo-se dela. A liberdade requer visibilidade, mas, para que isto aconteça, faz-se necessário um mundo de outros. Esquivar-se do mundo é uma ladeira escorregadia que, no final das contas, leva à perda de si. Até mesmo o auto-reconhecimento requer uma colocação sob o ponto de vista de um outro. Esta é uma verdade difícil de aceitar, e não é por acaso que Fanon enfrenta essa discussão após oferecer lágrimas no final do quinto capítulo. Ele está nos dizendo que nós devemos nos livrar de nossas barreiras, rumo a um corajoso engajamento com a realidade.

A liberdade requer um mundo de outros. Mas o que acontece quando os outros não nos oferecem reconhecimento? Um dos desafios instigantes de Fanon para o mundo moderno aparece aqui. Na maioria das discussões sobre racismo e colonialismo, há uma crítica da alteridade, da possibilidade de tornar-se o Outro. Fanon, entretanto, argumenta que o racismo força um grupo de pessoas a sair da relação dialética entre o Eu e o Outro, uma relação que é a base da vida ética. A conseqüência é que quase tudo é permitido contra tais pessoas, e, como a violenta história do racismo e da escravidão revela, tal licença é freqüentemente aceita com um zelo sádico. A luta contra o racismo anti-negro não é, portanto, contra ser o Outro. É uma luta para entrar na dialética do Eu e do Outro.

Fanon mostra também que tal luta acontece não apenas no âmbito das interações sociais, mas também em relação à razão e ao conhecimento. Nas palavras de Fanon:

La raison s’assurait la victoire sur tous les plans. Je réintégrai les assemblées. Mais je dus déchanter. La victoire jouait au chat et à la souris; elle me narguait. Comme disait l’autre, quand je suis là, elle n’y est pas, quand elle est là je n’y suis plus.

(A razão assegurava a vitória em todas as frentes. Eu era readmitido nas assembléias. Mas tive de perder as ilusões. A vitória brincava de gato e rato; ela zombava de mim. Como dizia o outro, quando estou lá, ela não está, quando ela está, não estou mais.)

Parafraseando-o, poderíamos dizer que, ao entrarmos na sala a razão sai. A razão, em outras palavras, não está sendo razoável.

Encontramos aqui a situação neurótica e a melancolia dos negros no mundo moderno. Reivindicar a razão, agarrá-la, seria exibir a não- razão, mesmo diante da razão sendo irracional. Aqui Fanon, como os negros, deve argumentar com a razão. Este desafio, isto é, ser de fato mais razoável do que se espera que os outros, especialmente os brancos, o sejam, situa o negro como sofrendo uma perda antes mesmo que ele comece a lutar pela existência. Isso sinaliza a melancolia da existência negra. Na verdade, espera-se que os negros não tenham sido negros a fim de legitimarem-se como negros, o que é uma tarefa impossível. Caso o negro deseje uma condição pré-moderna, ou pré-enegrecida, isto requereria uma contradição: um negro que não fosse negro. Os negros, em outras palavras, enfrentam o problema de sua relação com a razão e com o Eu enquanto indígenas do mundo moderno. Tal Eu sofre de melancolia, uma perda pela qual eles não podem ser o que ou quem são.

Como o leitor verá, tal dilema não é um convite ao pessimismo. Fanon nos lembra que parte da nossa luta envolve entender as dimensões críticas do ato de questionar, o que ele exemplifica encerrando o livro com uma oração. Dadas as muitas traduções e comentários sobre o seu trabalho, a grande quantidade de novos grupos de pensadores influenciados por suas reflexões, e as instituições, criadas em prol da dignidade humana, que trazem seu nome e seu legado, fica claro que suas indagações têm encontrado eco neste novo século".

"Os brancos racistas criaram a palavra Negro, os negros criaram a negritude..."



terça-feira, 24 de novembro de 2020

O alucinado caminho do empoderamento...



 Esta semana foi pródiga em aventuras femininas. Primeiro a advogada na padaria em São Paulo, que todo mundo viu sua estupenda performance; depois, a modelo que  ficou apavorada ao perceber que o homem com quem havia passado o dia inteiro comendo, dançando e bebendo, estava sobre ela... A primeira, logo tentou ocultar-se sob um diagnóstico de Transtorno Bipolar. E a segunda? O que dirá? Histeria? Penso involuntariamente nos Gulags e na Sibéria, para onde os indesejáveis presos políticos da época eram enviados, e sempre com um diagnóstico de doença mental...

A esposa do Mendigo K que estava colhendo raízes de uma determinada erva ali no cerrado, colocou-me a mão no ombro e murmurou: Bazzo, tenho uma pena imensa dos homens. A grande maioria, você sabe (mentalmente fixados nos 14 anos), já fugiu delas radicalmente e estão por aí alucinados e se enrabando mutuamente; os outros.., teimosos, insistem em escalar esse precipício...

Fez um silêncio tipicamente feminino e completou: Séculos de repressão... é evidente que acabaria nisso... Mas, não temos culpa.., isto faz parte também de nossa natureza!

O Mendigo K interferiu na conversa  para lembrar, meio irônico, o que diz um personagem de M. Gorki, no livro Os vagabundos: "Há duas coisas de que não podemos fugir: das garras da morte e da mulher". 






sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O Mendigo K e a solitudine da morte...


 
Nesta sexta-feira 20, já no final da tarde, encontrei o Mendigo K, na padaria de sempre onde, segundo ele, eventualmente presta pequenos serviços ao velho espanhol, dono do panefício, em troca de um ou outro sandwiche. 
Estava furioso, indignado e até envergonhado com o assassinato de um negro num mercado do RS.  Disse que ficou impressionado, não só com a morte do moço, mas com o grau de violência dos agressores. Observe a cena... Aqueles miseráveis agressores estavam completamente loucos!
Contou-me que hoje, por coincidência, foi ao enterro de um colega de profissão aqui na cidade. Não estava abalado e nem exageradamente impressionado. Pelo contrário, achou o ritual até cômico. Toda aquela mendigada reunida naquela liturgia escabrosa, cheiro de velas, gente que não se via há muito tempo, uns mais envelhecidos e arruinados do que os outros, chorando, trocando afagos, mentiras e bactérias. Uma festa. Chegou até a mencionar um livro de Durkheim, sobre o assunto. O que mais o impressionou -disse - foi o discurso do padre que encomendou a alma do morto para os braços de Deus. Mas esse cara, o defunto.., (me confidenciou, no meio de uma gargalhada) eu o conhecia bem de perto, era um porralouca completo, não sabia quem era sua mãe, nem seu pai e nem seus avós, Deus, para ele, nunca passou de uma ficção de sapateiros, não tinha alma nenhuma. Era um pobre fodido. A policia não podia vê-lo que já atiçava sobre ele seus cachorros... Seu niilismo era tão profundo que chegou a ser expulso de uma confraria  estrangeira e absolutamente laica... Fez um breve silêncio, deixando para o final do relato este lance, até meio romântico: e já quase no final das pompas fúnebres, - foi dizendo com voz emocionada - quando todos os mendigos, por sujestão do padre, passaram a jogar, com uma certa delicadeza, punhados de terra sobre o caixão (um caixão de quinta qualidade doado por uma funerária), apareceu uma moça, também mendiga, elegante, delicada, com duas tetas vibrantes e rígidas se insinuando sob os farrapos, que foi abrindo caminho e se aproximando da cova o suficiente para, com as sandálias enfiadas na terra fresca, lançar sobre o morto, primeiro um botão e em seguida a flor inteira de uma orquídea que, segundo ela mesma, havia roubado nos jardins de uma casa de três andares ao redor do cemitério.... A mendigada, com a morte em sursis, entrou em êxtase! Um deles, chegou a resmungar: caralho! dar a morte embutida na vida é uma traição imperdoável! E o padre, meio desconfiado, resmungou mais duas ou três bobagens póstumas e metafísicas (serenidade, paz, amor, esperança, coragem) e achou melhor abreviar a pantomima afirmando: Hoje mesmo nosso irmão... H? G? F?... estará entrando no Reino dos Céus... Nesse momento - segundo ele - os mendigos começaram a pigarrear, a olhar para os lados e a se dispersarem pela solitudine das outras covas...





OBAMA, O CARA, E A TERRA PROMETIDA...

 "No mar, no convés de um navio, o homem se torna de uma puerilidade ridícula, sem contar que quase todo mundo sofre de um humilhante enjoo."

M.G


 Dizem que o novo livro de memórias do Barack Obama, A TERRA PROMETIDA, vendeu quase 900 mil exemplares só no dia do lançamento... E eu?, que em dois três anos, não consegui vender nem sequer 90 exemplares de meu A EXTREMA-UNÇÃO DE PAGANINI... Ou: O MUNDO COMO UM PLAYGROUND DO INFERNO...

Obama, nascido em Honolulu, no Havai e ex-presidente dos EEUU,  ele que em outros carnavais, dançou um tango em Buenos Aires; que foi rezar aos pés do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, e que chegou a cacarejar que Lula era o cara!, com seu livro recém lançado, está causando um terremoto no Partido dos Trabalhadores. E com razão: pois em algumas de suas 700 páginas, se refere ao antigo "Cara", como a um estelionatário. 

Parafraseando a Marx e a Engels: todas as hipocrisias e todas as bravatas se desmancham no ar!



terça-feira, 17 de novembro de 2020

Um concorrente de peso, para o corona?...


"Amar a si proprio pode fazê-lo um porco, um cão, qualquer animal. Faz-se por instinto! O homem, contudo, apenas deve amar aquilo que ele mesmo criou para si..."
Máximo Gorki
(IN: O vagabundo original)




Para o conforto dos entusiastas apóstolos da diversidade, acabam de confirmar e divulgar a presença de mais um vírus, agora em território boliviano. Vírus que, segundo os especialistas de plantão, parece ser tão ou mais fulminante que o Ebola. Lembram do Ebola? Por enquanto, leva um nome simpático e significativo: Chapare. 

O Mendigo K, que está cada dia mais cético e perdendo o tesão com relação ao porvir, dizia a outros mendigos, num tom de prece e de prédica: Daqui a milhares de anos, os seres que ocuparão este planalto, encontrarão apostilas, imãs de geladeira, pen drives e diários enterrados por aí com as seguintes noticias: esta região foi habitada por mais de vinte séculos por uma tribo problemática , descompensada e febril (homo sapiens sapiens) que, por razões desconhecidas, declarou guerra contra todos os outros animais, contra os rios e contra as florestas... (e até contra si mesma) e que, finalmente, foi vencida por diversos tipos de micro-organismos invisíveis que, para interromper a chacina, se organizaram na Ásia, na África, na América, na Europa e se espalharam pelo planeta... Não sobrou ninguém... 

https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2020/11/4889317-virus-letal-achado-na-bolivia-e-transmitido-entre-pessoas-alertam-cientistas.html

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Enquanto isso..

As urnas... e as meretrizes...


"A felicidade é uma ilha deserta habitada pelos seres de minha imaginação..."
Chateaubriand



É até antropologicamente fascinante assistir às interpretações dos resultados eleitorais pelos respectivos atores de cada falange. E nem precisa ser linguista. Inacreditável! O fazem com a mesma lógica e a mesma engrenagem mental que usam para discutir futebol e religião. Uma puerilidade ridícula! De manhã estão num programa, à tarde em outro, e mentem para si mesmos e para os já convertidos que os aplaudem. Fazem bocas e caretas franzindo as sobrancelhas, e lançam prognósticos ilusórios e delirantes. Os mesmos e falidos de cinquenta anos atrás...

Acorrentados, não conseguem mais pensar longe das algemas.  Uns juram que o Bolsonaro foi vitorioso. Outros, que ele foi derrotado e afirmam que o PT está ressuscitando. Outros vêm o Centrão como o centro do mundo; outros estão convencidos que está surgindo um novo partido e que este sim salvará a pátria; outros... o quê dizem os outros, mesmo? E fazem pose, tomam um gole de água, se chamam de doutores, analistas, especialistas, ligam para as patroas, fazem conchavos... Pedem um intervalo para ir mijar ou para combinar algumas frases... Agora é nossa vez! Dizem os vitoriosos. Já, para os perdedores, abandonar o partido agora?, depois de tantos dízimos e de tantas coligações clandestinas?, Nem pensar. Seria como abandonar as muletas. A luta continua! Segundo Turno! Conseguir eleger um compadre ou um cúmplice é o máximo. Acenam com os dedos em V para o rebanho aglomerado frente à suas mansões. Rebanho que já está acostumado com os cortiços e com a ausência de esgotos, e que ri com o riso das cabras. Se dizem democratas, progressistas, liberais, libertários, conservadores, pais e mães de família... Desta ou daquela seita, não importa, todos levam na lapela o botton do humanismo. Seus avós já foram eleitos para alguma coisa, ou na bala ou no voto, o resultado sempre foi o mesmo. Até os que estão sendo re-eleitos ficam abismados. Como é possível? Estive governando para um bando de cegos ou essa gente não se dá nenhum valor!? E as esposas, agora Primeiras Damas, tomam um laxante e já fazem a lista dos parentes que serão contratados e encomendam os vestido, os sapatos e os soutiens novos e pós modernos para a posse... Um para usar pela manhã, outra à tarde e outro à noite. Tudo fake! E  ninguém lembra da ausência de esgotos, da vida sucateada a que estão expostos...

Enquanto vou correndo os dedos pelo teclado penso, sem compromisso, numa frase que está lá num livro de Máximo Gorki: "O nosso coração é honrado, porém a nossa inteligência é uma canalha..."

domingo, 15 de novembro de 2020

sábado, 14 de novembro de 2020

De eleições, de peixe e vinho, num motel... (De fazer inveja à Republica de Platão...)






 O jornal de hoje aqui da cidade traz uma noticia que não é apenas cômica, mas que ocupará um lugar de prestígio nos "anais" desta exótica República, envolvendo eleições, ideologia, viadagem, peixe e vinho num motel. 

Diz a noticia que numa cidade do interior de São Paulo, num debate  entre dois políticos/candidatos, um deles, para fulminar o outro, resolveu denunciar um "segredinho" entre eles: lembra, quando eu, recém eleito vereador, fui convidado por Vossa Excelência, para ir comer um peixinho e tomar um vinho num motel?

A noticia não diz, mas os eleitores que assistiam o "debate" devem ter momentaneamente pensado que estavam nas eleições municipais de Sodoma, ou então, assistindo a uma peça de Jean Genet...






quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Esta é a parte que lhes cabe neste latifúndio...


 Acabo de tomar conhecimento da situação econômica dos brasileiros através dos dados do IBGE, anos 2016/2017. 52 milhões de pessoas abaixo da tal linha da pobreza e 13 milhões na mais absoluta miséria... (e de lá para cá as coisas devem até ter piorado... Não verdade?)

Sem nenhuma frescura, senti vergonha de mim mesmo. De mim e de outros milhões de pessoas que estão confinadas em casa, comendo 6 vezes por dia, em total alienação e engordando como porcos... 52 milhões abaixo da  tal linha da pobreza... e 13 milhões na mais abjeta miséria!

Como é possível conviver com esses dados? Como é possível ficar indiferente a toda a demagogia cotidiana? Indiferente a todo esse horror, a essa pantomima e a essas discussões diárias entre palhaços políticos, palhaços religiosos, palhaços domésticos e palhaços supostamente humanistas?

E os discursos inflamados não esmorecem; continuam escrevendo artigos, teses, encíclicas e publicando elogios a Josué de Castro e à sua geografia da fome; a fazer filmes revolucionários para o Festival de Veneza; a distribuir poemas; enchendo a cara e cantando Violeta Parra nos botecos. Mas, como é possível continuar escrevendo poesias com 65 milhões de miseráveis focinhando as lixeiras e bebendo água de esgotos? 

E já passaram vivaldinos de todos os naipes e partidos pela República. Sempre o mesmo perfil, as mesmas mãozinhas delicadas, a mesma fala manhosa, os mesmos e cretinos discursos, as mesmas promessas feitas à sombra de alguma seita, com os cotovelos apoiados sobre as próprias barrigas e tripas... 

E, por ironia, depois de amanhã ainda seremos obrigados a ir votar. A ir dar legitimidade a Outros, para que perpetuem essa infâmia ...

E não acontece nada! Gerações e mais gerações mortas de fome e de desespero...

52 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza! 13 milhões na mais criminosa das misérias! Sabe o que é isso? 65 milhões de sujeitos que, com certeza, se arrependeram de ter nascido...

Se tivéssemos ainda, além da moral de hienas, alguma dignidade, sairíamos ainda hoje à noite às ruas... com tochas acesas... Mesmo sabendo que está tudo dominado e que, como dizem os ciganos: acender a chama é fácil, o difícil é protege-la do vento...




O corpo, essa máquina enfadonha e perversa... "Querides alunes"

"Com que sonham as galinhas? Com milho".

S. Freud

(citando um ditado popular da Hungria)


 


Se na semana passada foi o papa argentino que deu um susto na comunidade LGBT com sua autorização reativa e demagógica para o casamento civil entre pessoas com genitais semelhantes, o bafafá agora, aqui em Brasilia, está sendo ao redor de uma suposta clinica que promete curar os homossexuais através da hipnose.  E, cobrando caro. Tratamento completo, em mais ou menos cinco meses, uns trinta mil reais... Projeto semelhante já esteve em pauta há uns cinco anos atrás, quando psicólogos/pastores/delirantes ou pastores/psicólogos/delirantes também estiveram decididos a "salvar" essa parcela da humanidade, que não é pequena... Mas não é apenas o homossexualismo que é visto como uma enfermidade. Praticamente todas as religiões levantaram seus pilares e suas fogueiras sobre o desejo e sobre a sexualidade... Lembram daqueles padres idiotas que se castravam e que iam esconder-se no deserto? Na tumultuada trajetória da humanidade, o sexo em si, fosse homo, hetero, com cabras, com bonecas de silicone, com cachorros, com árvores, com robots ou consigo mesmo, sempre foi visto como tal. Uma patologia e um pecado. O corpo?: esse desconhecido; esse empecilho! Esse incômodo! Essa máquina enfadonha e perversa! Os genitais?: essas bússolas que conduzem o sujeito irremediavelmente aos infernos! Esses responsáveis por todas as guerras pessoais, inter-pessoais e sociais! Curiosidade: o quê teria acontecido lá nos miseráveis primórdios de nossa espécie  que a arqueologia ainda não se atreveu a nos revelar?

E no meio de todas essas psicopatias disfarçadas, curativas e reacionárias, no meio dessa neurose misteriosa e secular com o próprio corpo, ser UM mas querer ser Outro; ter nascido UM mas desejar ter nascido Outro; mutilações, dismorfobia, enxertos, plásticas, hormônios, beberagens, maquiagens, travestimentos, obsessões, fantasias, auto-punições, promessas e o sexo como o ópio da espécie.., no meio de toda essa loucura, a humanidade veio aos pedaços, esquizoide e cambaleando, fazendo praticamente de tudo para aplacar esse desconforto e esse sofrimento, um sofrimento bizarro e pueril que, aparente e ilusoriamente, habita logo ali, a um palmo abaixo do umbigo... 

Um exemplo recente dessa luta: os pais dos alunos de determinado Colégio do Rio de Janeiro receberam uma circular da referida instituição informando que, numa tentativa de combater a binariedade de gêneros, não mais se dirigirá a seus filhos como queridos alunos, passará a adotar a forma "querides alunes".

Data venia, mais isso ficará na história como uma das maiores  imbecilidades do gênero humano. Imbecilidade que na essência, não se difere em nada do projeto curativo de nosso filantropo discípulo de Charcot, com sua panacéia hipnótica... 

Que miséria! Povera gente! 


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Bolsonaro e a polvora...

 


"O que é que fizeste na Grande Guerra, papá? (Uma criança faz esta pergunta ao pai, que parece abalado pela vergonha)

George Orwell

(IN: livros e cigarros)

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Reclamando das ingerências e da intromissão do novo gerente do Império nas questões da Amazônia, foi mais do que surrealista a declaração de ontem do Presidente Bolsonaro dizendo que quando a saliva não resolve, se tem que apelar para a pólvora...

Mas à polvora? Falar em pólvora hoje em dia, mesmo como metáfora, é quase como falar em borduna ou tacape... E logo ele que está com tanta dificuldade para engolir a vacina chinesa, apelar para a pólvora!? Para essa genuína invenção dos chineses durante a Dinastia Tang, século IX, e conhecida por lá até hoje como Huo yau...

... Quê vulnerabilidade! E nós, que estávamos ingenuamente convictos de que Angra 1 e Angra 2 serviam para alguma coisa e que nosso armamento já era, pelo menos, sub-atômico!!!

Ah, ... E nós, que passamos praticamente toda nossa vida esperando ver desfilarem pelas avenidas caminhões com sete ou oito mísseis fantásticos, iguais aos do lunático Kim Jong-un...


terça-feira, 10 de novembro de 2020

O Mendigo K, a astrologia judiciária e o estupro culposo...


"Quando um argumento é convincente, perde todo o encanto; só o sofisma tem vitalidade, porque faz crer na verdade, mas não a revela..." 

Vargas Vila


Nesta última semana,  as discussões entre o populacho e até mesmo entre os energúmenos esclarecidos, foi o caso surreal do julgamento de um estupro lá nos tribunais inquisitoriais de Santa Catarina. Está todo mundo ironizando o argumento do juiz usado para liberar o acusado e fragilizar a vitima: ESTUPRO CULPOSO.

Absurdo! Cacarejam os apóstolos da justiça... Os pastores do aprisco estão escandalizados e argumentam: essa categoria sequer existe no Código Penal, nem no Código Civil e nem na Constituição... E dizem isso como se essas brochuras tivessem sido inspiradas por algum oráculo ou divindade...

O Mendigo K, nesta terça-feira, ali na padaria de um imigrante basco, tratando desse assunto com outro mendigo que, segundo ele, era bacharel em direito, defendia - apenas para exercitar o cinismo dialético - a possibilidade do estupro culposo

E quando o bacharel, visivelmente irritado, o desafiou a demonstrar sua tese, tirou calmamente uma bíblia de um saco que havia depositado sob a mesa, abriu em Genesis 18, e foi exemplificando com o caso de Lo, aquele velho da bíblia que, refugiado numa caverna, seduzido e embriagado por suas duas filhas, fez sexo com elas.

Aqui está, disse batendo sobre o livro sagrado: estuprou, praticou incesto e engravidou suas duas filhas virgens, mas sob o efeito do desejo e do vinho. Incesto e estupro culposo... Até os arcanjos que havia por lá e Deus, reconheceram sua inocência.

Uma senhora da mesa vizinha, que ouviu o papo, e que achou que ele, de alguma maneira, estava fazendo apologia do estupro, olhou-o bem dentro dos olhos e bradou: machista f. de uma p!

Ele deu um último e longo gole no copo de café, voltou a jogar a bíblia no saco e desapareceu...


Sonata número 6 PAGANINI...

domingo, 8 de novembro de 2020

Enquanto isso...

 


O Mendigo K travestido de fotógrafo...

 Neste domingo acinzentado, vi o Mendigo K. atravessando a rua, travestido de fotógrafo. Levava a tiracolo uma antiga CANNON. Perguntei-lhe o que pretendia fotografar e ele, rindo, confessou-me que sua câmera nem sequer estava com filme. Que andava com ela apenas numa espécie de terapia pessoal. Lhe fazia bem. Lhe dava a ilusão de que a vida continuava. Que de um momento para outro poderia aparecer um marciano ou um espectro qualquer... 

Depois, menos ironico, foi relatando sua relação amorosa com a câmera. Não sabia mais andar sem ela. Dormiam lado a lado. Haviam compartilhado momentos fascinantes e temerosos ao redor do mundo. Construído uma cumplicidade inabalável. Chegou a dizer até que as fotos haviam sido sempre apenas um pretexto, que não significavam nada. Que qualquer idiota poderia fazê-las. Que o importante era a câmera nas mãos, o seu peso e seu cheiro, o movimento das lentes, a escolha do objeto, a regulagem da luz, da velocidade, do ângulo, o clic... a ilusão... Algumas vezes - dizia - depois de passar um dia inteiro fotografando,  jogava o filme numa lixeira, no Rio Amazonas, no Sena ou no Ganges... Instalar outro filme em seu interior era sempre um novo e grande gozo. Um dia a esqueceu num restaurante... atravessou a cidade de madrugada para ir resgata-la.

Enquanto ele ia falando e dando uma aula sobre sua velha câmera, passou a nosso lado uma moça extremamente sedutora e com tipo de quem recém havia saído do banho. Ele silenciou antes de fazer este breve comentário: Bazzo, observe - lembrando a Cesare Pavese - como toda mulher se orgulha secretamente de saber despertar o desejo nos homens, mas fica horrorizada ao imaginar que alguém possa conhecer essa sua capacidade...

Nos despedimos e vi, de longe, que simulava estar fotografando a turba de mendigos amontoada nas escadarias de um mercado. Era até cômico ver aqueles desgraçados, em farrapos, se arrumando os cabelos, limpando os olhos e, diante da câmera sem filme, fazendo poses estereotipadas da petite burguesia...

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

O Mendigo K e as eleições nos Estados Unidos...

 


Acabo de trocar meia dúzia de palavras com o mendigo K que estava nos fundos de uma adega amontoando caixas e placas de isopor em troca de duas garrafas de vodka.

Estava mais ironico do que nunca e atribuía esse seu humor, às eleições nos  Estados Unidos.

Como percebeu que eu não estava muito interessado no assunto, fez uma  rápida síntese e me declarou, com um certo gozo:

Bazzo, assistindo o desvario daquele povo na administração das eleições se compreende duas coisas: a primeira: porque aquele país   cometeu a loucura de lançar as bombas sobre Hiroshima e Nagasaki. E a segunda: porque perderam a guerra no Vietnã... 

Disse isso e explodiu numa gargalhada.

Quando eu já estava me retirando, ouvi que dizia: Saber que essa gente dispõe de armas nucleares é pior que um pesadelo...

Eleições americanas, Ou: Enquanto a América Latina, excitada e febril, torce por um novo patrão... (O porvir de outra ilusão?)

No Le Monde, de ontem...

 


segunda-feira, 2 de novembro de 2020

De 007 ao Papagaio da Ana Maria Braga...

"Devia ser humilde, e foi humilde até à anulação. Devia ser justo, e foi justo até ao desespero. E nessa sucessão de devia, tornou-se plasma informe nas mãos do mestre.  E sobrava-lhe ainda a lição do orgulho, quando descobriu o charlatanismo da humildade..."
Samuel Rawet
(IN: Ahasverus)

Como se não tivesse bastado o espetáculo de horror assistido nos cemitérios nos últimos meses, a mídia ontem, passou o dia inteiro tratando da morte do 007 e do papagaio da Ana Maria Braga. O fato de, por trás do 007 existir um sujeito e por trás do papagaio também, não parece  ter muita importância para os cinéfilos e nem para o populacho em geral. Velhos, velhas e crianças parecem só lamentar a perda dos atores. Como vamos viver sem o 007? Como vamos viver sem o Papagaio? Um, que turbinava nossas madrugadas... o outro, que tornava felizes nossas manhãs... Eles, que nos excitavam e que nos alegravam tanto! Curiosamente, - segundo os necrológios - ambos morreram dormindo! Atenção... prestem atenção: quando alguém lhe diz boa noite!, pode ser apenas um detalhe da cerimonia de adeus!... 

E, nesta manhã nublada de 02 de novembro, os vivos lotam os cemitérios. Cada um chega com seus amontoados de flores, velas, bilhetinhos, secretas mandingas pessoais para, de uma maneira ou outra, acertar contas com o parente que se foi. Data venia, mas duvido que gostariam que o morto voltasse e duvido, mais ainda, que o morto se dispusesse a voltar... 

O Mendigo K que ganhava uns trocados lá no umbral de entrada vendendo flores vermelhas de hibisco, me olhou de soslaio e resmungou esta frase que diz ter lido lá no diário do pescador palestino, Lucas: Deixe que os mortos enterrem os seus mortos!

Curiosamente, Samuel Rawet, que antes de ser removido para o cemitério judaico do Rio de Janeiro, já esteve enterrado aqui, escreveu um livro com esse título: Que os mortos enterrem os seus mortos.

 Dei uma caminhada lá por entre as covas enquanto ia pensando no meu futuro e na inscrição que vi na lápide de algum cemitério do mundo: "desculpem o pó!"