terça-feira, 10 de agosto de 2021

E os tanques estão chegando! O que seria da mídia se não fosse o dramaturgo Bolsonaro?


 Como diria Ionesco: "São os inimigos da história que acabam por fazê-la"



Desde às 5 da manhã, deste dia 10 de agosto, as redações dos jornais, das rádios e das televisões estão em polvorosa e em excitação máxima. Ah!, os tanques do Bolsonaro entrarão em Brasília!!! A mesa dos redatores-chefes se entulham de papeizinhos, de imagens, de declarações, de hipóteses, de sugestões, de mapas, de telefones de autoridades, de biscoitos, copinhos de café... e as estagiárias ou as repórteres mais carreiristas correm ainda com a maquiagem pela metade de um lado para outro dando gritinhos, abraçando fotógrafos, decorando os nomes dos tanques: Tamoyo? Main Battle Tank? Osório? Mas não existia um que se chamava Brucutu? ou era Urutu? Sucatas! Os cinegrafistas estão de cócoras junto às tomadas carregando as baterias enquanto ouvem as orientações e as ordens do chefe. Atenção: prioridade máxima para os ângulos aéreos! Quem é que vai monitorar os drones? Quem é que vai ficar na cobertura do Itamaraty com aquela lente de 5 mil dólares? Que nossos caricaturistas, se for necessário, imitem a Daumier! E atenção prioritária aos tanques com os canos voltados para o STF! Uma imagem do Randolfe ou do Fux diante de um tanque, como aquela famosa lá da Praça Tianamen, em Pequim, valerá ouro! Sairá na primeira capa!  Lembrem, vão pensando nos tanques entrando em Praga! Em Hitler pisoteando a Tchecoslováquia! Leiam rapidamente uma síntese do Rinoceronte, de Ionesco! Ou Da Hora dos ruminantes, do José JacintoVeiga. E olho nas milícias, de todas as cores, credos e gêneros! Se apressem! Este é um dia histórico! O que seria de nós se não fosse esse espírito anti-dândy e teatral do Bolsonaro? Se apressem, sabem como é: são estrategistas e podem chegar antes do horário previsto para driblar a mídia! E, se por acaso a coisa dreguingolar, se um soldado disparar acidentalmente um míssil contra o Congresso, ou contra as colunas feminis do Supremo, mesmo que tenham que correr, deixem as câmeras ligadas. E cuidado, muitos aposentados enrolados em bandeiras estarão lá mostrando os blindados para seus netinhos! A propósito: a imagem de uma avó com o netinho ou com a netinha no colo ao lado de um MBT, será emocionante e fundamental. E uma panorâmica dos brucutus diante dos vitrais da catedral será o máximo! Quase religiosa! Mas atenção: o valor dessa imagem é apenas estético, porque os padres, os bispos e até os coroinhas são todos bolsonaristas. Se fingiam e se fingem ser lulistas, é porque o partido lhes enchia o rabo e a sacristia de dinheiro! Me entendem? Não esqueçam que nossa profissão é causar euforia e emoção e, se possível, lágrimas... Ah! e por falar em partido, uma bandeira do PT enrolada nas rodas de um brucutu, seria quase um sacrilégio e faria o maior sucesso! Ah! como seria bom se aparecesse por lá alguém do Reino de Deus passeando com uma Bíblia por entre os tanques... e recitando uma carta do ditador Paulo aos gentios... 
A irritação do chefe é visível. Quando fica sozinho no imenso biro de sua sala, olha para a equipe e com um certo desprezo resmunga: o que teria sido de Molière se tivesse sido forçado a viver de jornalismo! 
E quando uma repórter (que está há meses empenhada em derrubá-lo e em ocupar seu cargo) discorda de sua estratégia de cobertura do ato, num gesto defensivo, misógino e agressivo ele lhe recita um pensamento popular na Índia: instruir uma mulher é como colocar uma faca nas mãos de um macaco...
Atenção pessoal: se aparecer uma bandeira de Israel, do arco-iris ou do greenpeace no meio do desfile, foco nelas. Fiquem atentos. É isso que vende jornal hoje em dia! E não permitam que a melhor manchete saia, outra vez, de nosso galinheiro, para as raposas do N.Y.Times! Coleguismo? Corporativismo? Sigilo de fonte? Tudo bem..! Sabemos que isso é uma cretinice.., mas tudo bem, mas com todo cuidado para não transformar-se num vira-latas... Não esqueçam: foram sempre os inimigos da história que fizeram a história.
 E se alguém aparecer brandindo a Constituição ou, como Moisés, recitando o Pacto de São José da Costa Rica, zoom nele, principalmente se for alguém do STE. Entrevistar o vice é fundamental. E que seja um(a) repórter e com uma blusa profissionalmente incorreta. Hoje vale tudo. Estarei de plantão. Mandem-me noticias de cinco em cinco minutos. Dependendo de como as coisas andem, nosso enfoque será pró ou contra o desfile. Bom trabalho pessoal! Lembrem-se: um espetáculo como o de hoje pode não se repetir nunca mais...

 

 

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