segunda-feira, 23 de agosto de 2021

O Mendigo K, DIDEROT e sua Carta sobre os cegos...




"Um homem que só enxergou durante um dia ou dois e que se visse confundido entre um povo de cegos, deveria tomar o cuidado de calar-se, ou de passar por louco..."

Diderot 

Para não correr o risco de apodrecer em casa, aproveito as manhãs ou as tardes, quando o sol (essa fornalha que pretende lembrar-nos, todos os dias, do futuro crematório) está mais brando para dar uma volta por aí, entre as árvores e olhar o mundo, reduzido atualmente, num posto de gasolina; numa padaria à beira da falência; num enxame de lixeiros com seus ancinhos e rastelos recolhendo as folhas e as flores que a chegada do inverno nocauteia. Um ou outro velhinho quase terminal sendo levado por aprendizes de enfermeiras (as tais cuidadoras que não saberiam cuidar nem de uma cabra) que vão olhando para os lados como forasteiros sem rumo e que idealizam a Vitamina D. O sol! Aah, a vitamina D! O cálcio! Como se quisessem preservar o esqueleto intacto até o dia da Ressurreição dos mortos!.. Pura alienação & vaidade! Uma ou outra senhora (aquele tipo de mulheres encrenqueiras e criadoras de caso que olhadas pelas costas lembram um violoncelo e até um contrabaixo) vai sendo levada pra cá e pra lá por seus guapecas vingativos e fazem um esforço imenso para, de cócoras, recolher o cocô de seus bichos. A merda! Como dizia Kundera: Deus, só Deus, o Criador, é responsável pela merda!

Uma curiosidade: com o uso da máscara (anti-covid) que esconde o nariz e a boca, os olhos ficaram mais escancarados do que nunca e com eles, a alma das pessoas. Não ouvimos dizer, a vida inteira, que os olhos são o espelho da alma? Posso assegurar-lhes que, pelos olhares que têm se cruzado com os meus, o mundo não vai muito bem. A cólera, que com a boca e o nariz à mostra era disfarçada, agora fica evidente. Mas não só a cólera: também o medo, o fingimento, a malicia, a paranóia, o teatro de coitadinhos e de vira-latas e de alcaguetes... a desconfiança, a intriga, a inveja, uma voracidade insaciável, o desespero, o mau-caráter, a sede de vingança, o ressentimento, a competição, o desejo de envenenar as raízes de quem lhe faz sombra, a cretinice, o sentimento de inferioridade amalgamado ao de superioridade, o ciúmes, uma sede medonha de violar não apenas os Dez Mandamentos, mas inclusive Os 7 pecados Capitais e etc. Tudo está presente nos olhos desse rebanho  desvairado. Mas, e os cegos? No exato momento em que me fazia este questionamento, apareceu o Mendigo K, com um texto de Diderot, intitulado: CARTA SOBRE OS CEGOS. Conhece? Como percebeu que hoje eu não estava muito interessado em masturbações intelectuais, leu-me apenas esta frase dita por um cego a alguém que lhe havia perguntado: o que são para você os olhos? Os olhos - respondeu a queima roupa o cego,  são órgãos sobre os quais o ar produz o efeito de minha bengala sobre minha mão... 

Deu uma gargalhada e desapareceu...

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