Observe: "Quando aparece um poeta numa família, todos os outros
parentes sentem-se mais unidos..."
M.L. Descotte
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Desde que mudei-me para Brasília, quando isto aqui ainda era uma pobre, experimental, asfixiada e empoeirada aldeia, repleta de delirantes e de nômades pés-rapados, vindos de todos os cantos do país, acompanho a vinda de grupos de indígenas (Bororos, Caiapós, Machacalis, Pataxós, Ianomamis, Xavantes e etc) para, junto aos latifundiários travestidos de parlamentares e sob os olhares cretinos dos burocratas, reivindicar o impossível. A terra!... A posse da terra! E só insistem porque ainda não perceberam que há nessa gente um esquecimento seletivo... Marco Temporal? Que porra é essa? O tempo? - Reflete um velho pajé - O tempo e o amor são dois estrangeiros caminhando em estradas paralelas... Ora! Não sejam caricatos!.., isto não é uma disputa eclesiástica. E depois.., nos últimos tempos, todo mundo sabe, as excelências só têm se interessado verdadeiramente por eflúvios etéreos e por coisas atemporais, fora do tempo... Há uns 45 anos atrás, quando passei uma breve temporada numa dessas tribos, ao aproximar-mo-nos da margem onde ficava a aldeia de destino, o barqueiro, um pau d'água clássico e com uma significativa ficha policial, citando a J. Frazer, me preveniu: Dr. não esqueça que "o 'selvagem' não é capaz de fazer nítida distinção entre o natural e o sobrenatural".
E esse pequeno e pretérito pormenor, nem sei se verdadeiro ou se inventado, me vem à memória agora, enquanto os vejo ali, como tantas outras vezes, ao redor do Congresso Nacional, girando em seus rituais, com seus cachimbos fumegantes, suas fantasmagorias e seus chocalhos intrépidos em busca de algum transe que, oxalá, possa influenciar a decisão dos juízes sobre suas demandas. Dr. não esqueça que o 'selvagem' não é capaz de fazer nítida distinção entre o natural e o sobrenatural. Terras! A gleba! O lote! A reserva! O latifúndio! E ninguém parece lembrar-se dos sete palmos de usucapião que já estão garantidos para todo mundo! O NOME DA TRIBO! As terras registradas em nosso NOME! No NOME DO PAI (balbuciaria Lacan). Em nome de nossos Herdeiros! De nossos parentes! Mas grande parte das desgraças do mundo sempre estiveram relacionadas à terra, com a terra. À posse da terra! Essa Terra-de-ninguém... Desta mesma terra para quem não faz diferença alguma estar registrada em nome dos selvícolas; das filhas solteiras & vitalícias dos generais; das herdeiras dos latifundiários, dos senadores, dos garimpeiros ou das jibóias... Morada temporária! Cantorias quase gregorianas e fúnebres! Todos iludidos, cristianizados e perdidos... E rodopiam e dizem frases incompreensíveis, como se dominassem um 'alfabeto telegráfico'; os olhares quase infantis, uns de desespero, outros quase felizes numa espécie de balada democrática ou de lupemradicalismo, como se alguém, (além de um ou outro entediado jornalista, por força do ofício) nesta quarta-feira de agosto e com clima de deserto, estivesse minimamente interessado neles... Boatos. O clima é de ocultismo. E se se mantiverem por aqui até o dia 7 de setembro? Agitam os braços e as penas como se acreditassem estar empolgando, por um lado, à legião de burocratas sonolentos sobre seus escritórios e por outra, à parcela imensa de aposentados e de frouxos que os espiam por detrás das persianas... e que mais tarde, depois que o sol tiver sumido, irão até seus acampamentos levar-lhes cobertores, gravatas, anáguas velhas e os macacões de algum defunto... O mendigo K, que por interesse antropológico também não perde nenhuma destas manifestações, com todo o cuidado para não levar uma flechada, me sussurrou: E se ao invés de terras, lhes dessem de uma vez quatro ou cinco coberturas lá na Viera Souto?
Ah, a falibilidade dos sentidos! Como o tempo vai falsificando nosso acervo mental...
Mais tarde, quando a noite começou a aparecer meio misteriosamente por detrás dos ministérios e as meninas já iam chegando para girar bolsas na esplanada e fisgar algum punheteiro subalterno e quando um vigário a paisana atravessou a pista para ir acender as luzes da catedral, vi o tremular de uma lamparina numa das barracas do acampamento. Uma cantoria dos tempos de Pedro Álvares Cabral...Tudo lembrava as Mil e Uma noites. Na penumbra, vislumbrei um índio, já sem os badulaques e vestindo uma camisa branca de algodão egípcio. Queimava uma erva não profana em seu cachimbo e de tão seguro de si, lembrava o lendário Monctezuma. Soube que uma Confraria de Mulheres Transtornadas, ex-concumbinas de ministros, o elegeram como xamã e que ele, sem saber muito bem do que se trata, esperava por elas, ao entardecer, para revelar-lhes algum novo segredo da natureza e dos 4 elementos unidos e imantados, para antes e depois do juízo final... Dizem que se fosse por elas, já lhe teriam concedido mais Honoris Causa do que os que o Lula e o Fernando Henrique acumularam juntos... E assim a quarta-feira, como a vida, vai passando...
Sorte que o vírus ainda não descobriu meu endereço e que por todos os lados, mesmo a esta hora, dá para perceber que os ipês amarelos, teimosos & escravos de seus genomas nucleares, voltaram a florescer...
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