".., Sou uma pobre viúva. Quero um ídolo pobre e desamparado como eu.
O fabricante de estatuetas aceitou o dinheiro e perguntou:
-Que idade tens?
- Quarenta anos.
É admissível - perguntou indignado - que uma mulher de quarenta anos ainda se prostre diante dum fantoche de argila? Tome o teu dinheiro, e restitue-me o meu ídolo." (Agadá)
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Em homenagem a esse dia cheio de presságios e de terrores, dia em que os hipocondríacos, os esquizóides e os que têm cachorrofobia nem saem da cama, o mendigo K apareceu na padaria de braços dados com sua jararaca. Ela, se não fosse os sinais da insônia e o olhar de cólera, poderia até ser confundida com uma dessas protomadames que saiu para as compras. Mesmo diante de seu marido, me lançava olhares de sedução e de promessas. Estaria louca? Quanto estaria cobrando? O que mais chamava atenção em seu visual eram os brincos. Dois filetes de ouro da espessura de cabelos que sustentavam nas pontas duas pedrinhas de um vermelho meio fosco que, segundo ela, eram do mais legítimo Coral Vermelho trazido clandestinamente do Golfo de Napoli. De vez em quando os apalpava como para assegurar-se de que ainda estavam lá pendurados nos lóbulos das orelhas salpicados pelo ferrão dos mosquitos de inverno. O Mendigo, que já conhece absolutamente todos os seus truques, suas manias e gestos e até todo seu vocabulário, a olhava com uma certa compaixão até que, focando nos brincos, passou a falar de Moisés. Sim, o Moisés do Pentatêuco, o da Torá, o dos Cinco Livros. Com uma coreografia de apóstolo maldito foi dizendo: sempre que olho para esses brincos penso em Aarão, aquele lá dos tempos anedóticos e imemoráveis que forjou a estátua do Bezerro de ouro. Lembra? Enquanto Moisés, o profeta de coisa nenhuma, permanecia escondido por 40 dias e 40 noites, falsificando e fazendo um rascunho das Tábuas da Lei, aquele bando de nômades despirocados, sentindo-se abandonados e sem um líder, resolveu construir o Bezerro de ouro, que foi colocado num altar para ali ser bajulado... Dá uma gargalhada e pergunta, dirigindo-se nem a mim e nem a ela, mas a si mesmo: e sabe onde arranjaram o ouro para a fabricação do bezerro? (dizem bezerro apesar da imagem indicar um novilho). Espera um meio minuto, como não dizemos nada, ele próprio responde: Como se intuíssem que estariam colaborando com a edificação das colunas do maior de todos os cambalachos e mitos, as pobres mulheres daquelas tribos doaram seus próprios brincos para aquele projeto esdrúxulo...
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