domingo, 9 de maio de 2021

O mendigo K e o pronome reflexivo (se).

"Os que creem em uma alma imortal, deveriam começar por demonstrar que têm uma...
V.Vila



Neste domingo, 09 de maio, o Mendigo K chegou apressado na padaria de sempre. Levava com cuidado um vaso de hibiscos amarelos e diz ter vindo comprar uma caixa de fósforos porque hoje tostará na brasa um Chester da Perdigão para sua mãe, também mendiga, já que ela é uma santa e o único amor de sua vida... Pensei primeiro em Freud, e em seguida, na lenda a respeito de uma determinada rainha, modelo de fidelidade conjugal que, nos fundos do crematório teria bebida as cinzas de seu marido...

Vi que discutia com o vendedor alguma coisa relacionada com a linguagem. Prestei atenção e ouvi que dizia: Curiosamente aqui nesta cidade, para onde migraram pessoas de todo o território nacional, muita gente, mas muita mesmo, têm dificuldade para usar o que os gramáticos chamam de PRONOME REFLEXIVO (SE). E não são apenas pessoas que fugiram da escola ou geneticamente analfabetas. Percebo que jornalistas, doutores, eclesiásticos e até gente da Suprema Corte parecem ter o mesmo problema.

Por exemplo: 1 - Para dizer que sua filha concluiu a faculdade de arquitetura, a mãe, cheia de anéis e de perfumes, toda orgulhosa, diz: MINHA FILHA FORMOU. ("formou", um caralho, minha senhora!) Sua filha formou-se!

Exemplo 2. Um jornalista, sendo ouvido por meio milhão de funcionários públicos coçando o saco atrás de seus birôs, querendo dizer que seu pai, de 126 anos, tomou hoje a primeira vacina da Pfizer, termina sua locução  dizendo: MEU PAI VACINOU. ("vacinou" um caralho, seu idiota). Seu pai vacinou-se!

Deu mais dois ou três exemplos, verdadeiramente irritado, e saiu sem despedir-se, com todo o cuidado para que as flores do hibisco não perdessem o viço e acabassem caindo pelo caminho...

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EM TEMPO: Esqueci de dizer que depois de já ter atravessado a rua, voltou à padaria, com a caixa de fósforos no bolso e segurando o vaso de hibiscos com as duas mãos para perguntar-me se conhecia o diálogo entre um poeta árabe e um florista, que havia lido no livro de um escritor italiano. Fiquei em silêncio e ele  encenou:

-Que vendes?

-Rosas.

- Por que vendes rosas?

-Para ter dinheiro.

-E, com dinheiro, que poderás comprar que seja mais belo que as rosas?

Deu uma gargalhada e desapareceu.

Um comentário:

  1. As palavras têm sempre o poder de construir ou desconstruir conceitos, sentimentos, concepções, sentidos. O dizer tem sempre o poder de mudar as pessoas.

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