Vi que discutia com o vendedor alguma coisa relacionada com a linguagem. Prestei atenção e ouvi que dizia: Curiosamente aqui nesta cidade, para onde migraram pessoas de todo o território nacional, muita gente, mas muita mesmo, têm dificuldade para usar o que os gramáticos chamam de PRONOME REFLEXIVO (SE). E não são apenas pessoas que fugiram da escola ou geneticamente analfabetas. Percebo que jornalistas, doutores, eclesiásticos e até gente da Suprema Corte parecem ter o mesmo problema.
Por exemplo: 1 - Para dizer que sua filha concluiu a faculdade de arquitetura, a mãe, cheia de anéis e de perfumes, toda orgulhosa, diz: MINHA FILHA FORMOU. ("formou", um caralho, minha senhora!) Sua filha formou-se!
Exemplo 2. Um jornalista, sendo ouvido por meio milhão de funcionários públicos coçando o saco atrás de seus birôs, querendo dizer que seu pai, de 126 anos, tomou hoje a primeira vacina da Pfizer, termina sua locução dizendo: MEU PAI VACINOU. ("vacinou" um caralho, seu idiota). Seu pai vacinou-se!
Deu mais dois ou três exemplos, verdadeiramente irritado, e saiu sem despedir-se, com todo o cuidado para que as flores do hibisco não perdessem o viço e acabassem caindo pelo caminho...
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EM TEMPO: Esqueci de dizer que depois de já ter atravessado a rua, voltou à padaria, com a caixa de fósforos no bolso e segurando o vaso de hibiscos com as duas mãos para perguntar-me se conhecia o diálogo entre um poeta árabe e um florista, que havia lido no livro de um escritor italiano. Fiquei em silêncio e ele encenou:
-Que vendes?
-Rosas.
- Por que vendes rosas?
-Para ter dinheiro.
-E, com dinheiro, que poderás comprar que seja mais belo que as rosas?
Deu uma gargalhada e desapareceu.
As palavras têm sempre o poder de construir ou desconstruir conceitos, sentimentos, concepções, sentidos. O dizer tem sempre o poder de mudar as pessoas.
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