segunda-feira, 17 de maio de 2021

O irmão do mendigo K e sua impressão do país...



Enquanto a garçonete preparava um misto quente, o Mendigo K ia me apresentando seu irmão que está no Brasil há uns 40 dias, vindo do Oriente Médio. Trabalha por lá, num daqueles antigos hospitais psiquiátricos que até hoje são conhecidos por Bîmâristâns (lugares de loucura e de sabedoria). Falava um idioma dos berberes, mas já conseguia comunicar-se em português.

À minha pergunta sobre sua impressão do país, olhou para seu irmão para saber se podia expressar-se livremente e declarou: A relação de vocês com os mortos me impressiona. (...) Quando morre alguém, mesmo aqueles que até então eram vistos como verdadeiras mediocridades, mediocridades endinheiradas, evidentemente, todo mundo corre para diante dos jornais e das câmeras para jurar que era "um amor de pessoa", fantástica, bondosa, carinhosa, inteligente, um artista... que amava a família, que era um gênio, que dedicou sua vida ao país e à arte (sim, à arte, essa que era, segundo Maurice Ravel, a impostura suprema) e que sua  morte é uma perda irreparável, que deixará um vazio imenso.... blá,blá,blá... Até aí, tudo bem, mas há nisso um exagero que é mórbido e uma hipocrisia que é alarmante, principalmente porque sabemos que não são raros os casos em que o sujeito é ao mesmo tempo um artista e um imbecil..... Há nessa pantomima um exagero que denuncia um transtorno de personalidade e até um certo mau caráter... Me entende? E o que é mais interessante, é que nesta esdrúxula cenografia urbana há até gente adulta, aparentemente normal que, para potencializar ainda mais seus panegíricos, ao lado do cadáver e olhando para o alto afirmam que o morto ou a morta deve estar feliz no céu, ao lado de seus parentes e até rezando para nós aqui neste inferno... Me desculpe, mas isso não é só estupidez, isto é transtorno. No mínimo uma histeria... De onde lhes vem toda essa culpabilidade de toupeiras? Como o morto está morto, e está cagando para toda essa patética teatralidade, esses elogios quase patológicos, vão dirigidos a quem, afinal? Não me leve a mal, mas isto para mim é bizarro e nojento... (resmungou ainda alguma coisa em árabe)

Tomou um trago de café com aquela coreografia típica dos nômades do deserto e concluiu: Essa é uma das coisas mais impressionantes para mim aqui neste país tropical. A outra, é o fato de, todas as manhãs, lá pelas 8:00 horas, ouvir o miado de um gatinho cinza que vem para baixo de minha varanda, na posição de Gizé, pedir um pedaço de presunto. Fica olhando para minha janela girando o rabo e lançando dois ou três miados de clemência. Clemência? Não, a palavra não é esta... Tão logo eu atendo a seu pedido, me olha amorosa e furtivamente e se esquiva por entre uma vegetação nativa que há lá... Só volta na manhã seguinte...

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EM TEMPO: O  silêncio dos países, das nações e das universidades diante do massacre de crianças na guerra entre Israel e Palestina é de um cinismo vergonhoso. Qualquer sujeito que amanhã, venha cacarejar sobre Direitos humanos ou humanismo, é um charlatão e um cabotino...

Um comentário:

  1. https://www.esquerdadiario.com.br/Portuarios-italianos-param-o-arsenal-de-guerra-que-estava-indo-para-Israel

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