"Do mesmo modo que Tolstoi, agonizante, movia os dedos cegos no lençol repetindo o ato de escrever..."
Antonio Lobo Antunes
Nesta manhã de quarta-feira, já recebi uns134 comunicados de que no dia 08 de abril (amanhã), das 20:00 às 20:10 horas, como protesto e como 'ato revolucionário' contra o governo Bolsonaro, será promovido nada mais nada menos do que um APAGÃO de 10 minutos. 10 minutos nas trevas! Diz a mensagem revolucionária. Todas as casas deverão apagar as luzes por dez minutos... Teriam feito algum acordo pelego com os chefões das Companhias Elétricas? (Mas e quem irá apagar a luz no fim do túnel? Mas e quem tem fobia à escuridão?)
Fico imaginando, quem foi o extremista que idealizou um ato tão soberbo, tão ameaçador, tão radical, tão subversivo... tão singelo e tão delicado... Um ato quase amoroso e romântico! Com certeza os efeitos serão imediatos... não é? Como reagirá a juristocracia? E quê pensariam dessa meninice o chanceler Molotov, Kadafi, Emma Goldman e o velho Bakunin?
Ou será apenas uma sutil e dissimulada demonstração de capitulação?
Que raciocínio de libélulas! Que manifestação esdrúxula e bizarra de resistência e de protesto! Como discordar dos mineradores estrangeiros que atravessando clandestinamente nossas fronteiras com sacos de diamantes às costas, elogiam os guardas por serem parte de um povo tao passivo e tão solidário?
Tudo bem, protesto é protesto! Já vi até grupos lançando brados de repulsa ao redor do Congresso Nacional que iam enrolados em bandeiras multicoloridas ou em lençóis brancos, queimando incenso e levando círios acesos nas mãos gritando contra os malandros do presente, contra os covardes do passado e provavelmente do futuro... Outros que passaram a noite em frente às conchas do Niemayer em posição de Ioga, resmungando mantras e 'captando energias positivas do Cosmos'. Já vi membros de várias tribos enterrando amuletos, puxando fumo e fazendo pajelança diante do Ministério da Justiça. Adolescentes dos três sexos, em plena luz do dia, baixando as calças e mostrando os respectivos traseiros para o stablishment... Já vi grupos passando horas abraçados em árvores e gritando por imanência, transcendência, liberdade e por soberania... Já vi idiotas de joelhos gritando na direção dos governantes e da sociedade sitiada, que Nosso reino não é deste mundo!
Tudo bem, protesto é protesto, mas mergulhar voluntariamente a cabeça nas trevas por dez minutos, deixando o rabo levantado e para fora... Só falta ligar na radiola a Ave Maria de Gounod... e, nos dez minutos de escuridão, com os braços levantados para o invisível e para as réstias crepusculares, entoar juntos uma Salve Rainha...
Isto não lhes faz lembrar a maledicência histórica contra o avestruz? Qual é o significado disso? Teria algum sentido metafísico? Quântico? Secreto? Não lhes parece um paradoxo? Tudo bem, protesto é protesto. O que verdadeiramente me incomoda, nem é o surrealismo místico dessas performances, mas a semelhança e a similitude entre os anseios e as táticas dos dois grupos opositores. Essa forma aparentemente diferente de reivindicar as mesmas coisas, como se um fosse espelho ou o alter Ego do outro. Como se tudo isso fosse muito infantil e muito tropical...
Se a idéia é fazer um ato de protesto, sem sujar-se as mãos e sem molhar as calças, um ato diferente dos que se costuma idealizar lá na taberna, por quê não propor algo exatamente ao contrário? Por exemplo: ao invés das 20:00 horas, (quando todo mundo já está de pijama e de chinelos, coçando a barriga, passando óleo de jojoba nas articulações, ouvindo a xaropada da Band e se preparando para ouvir a xaropada da Globo), por quê não às 4:00 da manhã, com todo mundo levantando mal-humorado e intoxicado pelos pesadelos, dando descarga, alongando o esqueleto, abrindo as janelas, acendendo as luzes, os isqueiros, os faróis, as lanternas, dando gritos e tiros para o alto, exigindo mais e mais luz (como Goethe quando estava agonizando), tocando fogo nos conteiners e etc.
Ah! Como ainda estamos enredados às táticas beatas das antigas camareiras de Gandhi e dos antigos pick-nicks das carmelitas...
Quem é que, nestas horas, não tem nostalgia pelos tempos dos black blocs?
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EM TEMPO:
Essa idéia de ficar dez minutos no escuro e diante do invisível, me remete à página 93 de um autor italiano (que não me autorizou a citar seu nome), onde se pode ler: "Nada é mais belo do que aquilo que não existe e se adivinha e faz pensar (...) Quando morreu inesperadamente a dançarina Anna Pavlova, o seu recital não foi cancelado, mas à noite o teatro mergulhou na sombra, e enquanto a orquestra executava "A morte do Cisne", de Saint-Saens, o pano se abriu lentamente, deixando ver o palco vazio e escuro. De repente a luz argêntea de um refletor começou a mover-se como se seguisse os passos da sublime bailarina..."
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