Neste último domingo de abril e de sol, quando os jornais, os padres e principalmente os comerciantes só falam do dia 09 de maio, DIA DAS MÃES, dia dos presentinhos, do afeto simulado, da idolatria e da afetação universal, encontrei a mulher do Mendigo K, no imenso pátio de concreto que o Niemayer plantou ao redor do prédio da Biblioteca Nacional. Levava uma mochila no ombro esquerdo, uns óculos rosa dependurados ao pescoço, cinco livros em baixo do braço e estava vestida de maneira que qualquer um poderia confundi-la com uma professorinha laica do Sacrè Coeur.
Veio em minha direção esbravejando porque a biblioteca estava fechada.
- Caralho, Bazzo! Essa merda está fechada há três anos! O que é que esses merdas estão esperando para colocá-la em funcionamento?
Continuou falando sobre o assunto por uns momentos e caiu no tema do Dia das Mães.
Uma aberração! Disse. E foi exibindo os livros que estava lendo. Mostrou-me um por um, fez um discurso terrível sobre a escravidão reprodutiva das mulheres. Gostaria de perguntar a Darwin, por que não somos ovíparas, como os crocodilos? Atacou a igreja dizendo que os padres, principalmente no interior do país, da sacristia, do confessionário e nos sermões continuam induzindo as famílias ignorantes e principalmente às mulheres, a terem 8 filhos. OITO FILHOS, Bazzo! E mais: dizendo que esta é a vontade de Deus.
E ela não estava mentindo - pensei -, pois eu próprio, por coincidência ou não, era o oitavo na minha casa.
Imagine!, bradou com indignação: OITO FILHOS! O que é que se espera de uma mulher que pariu oito filhos? O que é que sobra de uma mulher que tem OITO filhos? E depois se queixam que as mulheres são todas hipocondríacas e loucas! E como é que as mulheres vieram aceitando esse papel de.......... desde a origem do mundo? Inacreditável!
Voltou a mostrar-me os livros que estava lendo no exato momento em que passava um carro de som com alguém gritando num alto-falante:
- Domingo, dia 09, não seja ingrato! Não esqueça de presentear aquela que te deu a vida! Sua mãe! Aquela que se anulou completamente para cuidar de você, seu merda!
Dia das mães um caralho! Resmungou.
Esse é mais um truque para amansar as parideiras involuntárias. Para fazê-las acreditar que a gravidez é algo divino e que o filho é uma benção e um enviado dos céus. Um horror! Eu tenho 4 filhos, Bazzo. Um, foi morto pela policia ainda quando era adolescente. Outro, está preso. Outro está pelo mundo. E outro está em casa me enchendo o saco 24 horas por dia, cheio de culpas e fingindo que me venera. Nada é mais decadente do que a veneração dos filhos pelas mães! Ah, se soubessem o que as mães sentem & pensam verdadeiramente deles!!! Ver um babacão desses no shopping de braços dados com a mãe, é um horror... Ela, circundada por uma aureola mística e ele com a coreografia débil de alguém em liberdade condicional... Fez um silêncio e me exibiu um dos livros que levava, o de um filósofo argentino, com este título aterrador: Porque te amo não nascerás.
O sol se infiltrava pelo meio das nuvens e a manhã estava começando a ficar estupenda. Um herbanário ambulante veio oferecer-nos umas ervas, ela olhou-o com um certo desprezo e falou autoritária: me veja dois baseados aí! Mas que não sejam paraguaios! O moço ficou visivelmente intimidado. Revirou umas raízes de manjericão e uns pacotes de ervas de provence no fundo falso de sua bolsa fingindo escolher para ela os melhores cigarros. Depois, mais intimidado ainda, meio tremulo, deu a mercadoria e pegou o dinheiro. Realmente os baseados estavam perfeitamente enrolados num papel de seda que só se encontra nas boutiques de Amsterdam. Ela os olhou com admiração e ele, percebendo, exibiu-se: foram enrolados por minha mulher, como as egípcias enrolavam os charutos do rei: sobre as coxas nuas... e desapareceu. Ela enfiou os baseados na parte dianteira da calcinha e comentou: viu como o cara ficou intimidado? Com quase quarenta anos e traficante, ainda não sabe relacionar-se a altura com uma mulher! Os estrago que as mães causam nos filhos-homens é avassalador. Nunca mais conseguem ter uma relação normal e saudável com uma mulher. Passam a vida inteira submissos, encantados, de joelhos e babando, até que, de repente, sem nenhuma razão convincente, (pelo menos para a policia e para a sociedade) saltam para o feminicídio..
Os sinos da catedral, ali perto, começaram a badalar; o caminhão de som passou novamente, agora com um sujeito com uma voz meia de falsete e sem testosterona, recomendando que os filhos, pelo menos, enviem flores para suas mães... Uma orquídea! Uma begonia, uma planta carnívora, uma pimenteira... e a biblioteca permanecia fechada in infinitum...
Ela colocou-me a mão no ombro, uma mão delicada com unhas vermelhas, com cheiro de vulva e de sabonete vagabundo e murmurou, a media-voz, uma frase de outro escritor argentino: Bazzo, se nascer é fazer parte de um pacto monstruoso ... como dizia Arlt, quando é que as mulheres vão cair na real?
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