Chou En-lai
Beijing, 1991
Sem nenhum histrionismo, a história dos medicamentos com rótulos e bulas em mandarim que o Ministério da Saúde despachou aos hospitais, aos médicos e aos enfermeiros, me causou uma imensa curiosidade: além de um amigo porra-louca que, nos anos 90 traduzia Chou En-lai na UnB, quem é que entende esse idioma excêntrico no país? Algum burocrata do Ministério? Algum burocrata hospitalar? É verdade, nos anos 80 muita gente aqui da capital ia para Xangai ou para Beijing adestrar-se em acupuntura. Também em 95, muitas madames revolucionárias daqui foram participar da QUARTA CONFERÊNCIA MUNDIAL DA MULHER, em Beijing. Mas, pelo que sei, nada lá era falado em mandarim. Todas se confundiam e se agrediam em inglês. Algumas até, para lembrar os felizes e juvenis tempos da Alliance Française se aventuravam pelo idioma de Robespierre. Mas nada sério. Nada transcendente ou subversivo. Seriam elas? Seriam eles os causadores dessa confusão? Ainda estariam vivos? Ou foi uma sacanagem dos vendedores chineses? Ou sabotagem de alguma confraria maoista infiltrada na burocracia? Sabotadores! Ah!, a república tem também esse exotismo!: o bando que sai deixa atrás de si uma série de bombas relógio e de minas para atrapalhar e detonar o bando que chega. Os monarcas portugueses, lembram?, deixaram uma imensidade de minas no caminho dos republicanos. O bando do Sarney deixou um exército de sabotadores para o bando do Fernando Henrique; este deixou outro bando para sabotar o bando do Lula; o bando do Lula minou a passagem do bando do Bolsonaro e este, com certeza, deixará o terreno todo minado para o próximo bando que virá... E enquanto isso, o país vai virando gelatina e se mediocrizando...
República! Quando é que se poderá ir ao Phanteon de Atenas para pisotear o busto de Platão?
Rótulos em mandarim! E muitos médicos, enfermeiros e agentes de saúde que conheço, delirantes e soberbos como se fossem os "últimos discípulos de Galeno", dizem estar preocupados com a possibilidade do IFA para as vacinas que está para chegar da Índia, venha com os rótulos em sânscrito e, pior, em sânscrito védico! É realmente bizarro & curioso, já que qualquer porcaria que se compre nos países asiáticos vem sempre com uma bula em cinco ou seis idiomas. Por que é que sedativos e outras drogas quase terminais teriam vindo em mandarim? (em tempo: um país que tem 500 anos, que exporta cocaína, maconha e cachaça para o mundo inteiro e que ainda não sabe produzir seus próprios sedativos, talvez devesse apagar as luzes e fechar as portas!) E agora, quem é que vão chamar para fazer as devidas traduções?
Um rótulo 50 dólares!
Uma bula 300 dólares!
Negócios! Business!
Imaginem um doente implorando por um sedativo e a enfermeira, com aquela coreografia de freira, mimetizando à Madre Tereza, segurando-lhe religiosamente a mão, fazendo-o beijar o crucifixo e lhe contestando que tem que esperar pela chegada do um mandarim-tradutor... Surrealismo! Thanatos se sobrepondo a Eros!
Mas, fazer o quê?
Já que a maioria não sabe nem português, que o Esperanto não deu certo e já que os chineses estão cada dia mais interessados nos latifúndios amazônicos, por que não aproveitar para oficializar logo o mandarim? Trocar o inglês pelo mandarim? Por que não aproveitar logo e trocar uma idiotice, um rótulo e uma escravidão por outra?
O texto seria “A bênção dos mortos”?...
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