terça-feira, 6 de abril de 2021

A pandemia e as promoções...

 "não existe nas farmácias nada específico para a existência; somente pequenos remédios para os presumidos..." e-commerce E.M.Cioran

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Nesta semana, com o anúncio de que os preços dos remédios iriam dar um salto, a mocinha de uma farmácia aqui dos arredores ligou-me para saber se eu ainda estava neste mundo e se não queria aproveitar, comprar alguma coisa, antes que 10% fosse agregado aos remédios, em geral. 

Lembrei do mendigo K que sempre que pode solta os cachorros contra as multinacionais de medicamentos, (as suíças, as alemãs, as britânicas, as francesas, as da Holanda e as gringas em geral) acusando-as de viver às custas dos velhotes aposentados, da hipocondria e das misérias corporais dos países subdesenvolvidos. Enquanto ela ia listando os remédios que ainda estavam em promoção eu lembrava daquele caso ocorrido nos EEUU no século passado, daquela mulher que tentou suicidar-se para aproveitar os preços e as ofertas de uma funerária. 

A moça ia me oferecendo de Losartana, e Band-aid a Viagra... Tudo a preço antigo! Sim, tudo iria aumentar! Ah! A carestia... A pandemia... o dólar, as vacinas falsificadas, os combustíveis, a reabertura dos templos, o anti-cristo, a China, os ladrões, os buracos nas calçadas e os buracos negros nas camadas de ozônio, as vacinas indianas, o turbante dos marajás e o Karma, os efeitos do Brexit, as greves, o Bolsonaro, o Lula, os raios, os mosquitos da Dengue, a desvalorização do yen, o aniquilamento da Amazônia de onde roubam a matéria prima, o apocalipse anunciado tanto por São João lá em Patmos como pela Virgem de Fatima, lá em portugal...  Sua voz era suave e quase febril, como a das moças ignorantes e saudáveis que sabem muito bem como tocar aquele instrumento de Safo, sempre sóbrias e descompromissadas com todas as mentiras, as dores e a hipocondria do mundo... Era a voz de quem parecia apenas estar cumprindo com uma determinação do gerente dos trustes, dos cartéis e das máfias farmacêuticas. O senhor vai querer o quê hoje? Aproveitei para comprar meia dúzia daqueles chicletes com gosto de pastilhas Valda... Enquanto ela ia atualizando meu cadastro eu lembrava daquele filósofo grego que antes de jogar-se na cratera do Etna teve o cuidado de tirar as sandálias e também da ironia de um escritor italiano sobre os otários do mundo: Se o zoológico colocasse seus animais em liquidação - dizia -, muita gente levaria para casa um urso e até teria uma família de focas dentro da banheira... 

Parecendo ter ficado decepcionada com minha compra, mandou-me o valor e o número da conta bancária da farmácia, garantindo que um entregador estaria batendo à minha porta nas próximas 24 horas para fazer a entrega dos chicletes, isto, se alguma nova desgraça não descambasse sobre a cidade ou se abatesse sobre o mundo... Antes de desligar, pronunciou o mantra de  todos os comerciantes: Fique com Deus! Diante de meu silêncio ela mesma concluiu: Amém...

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