domingo, 4 de abril de 2021

O desfile das múmias... VIVA AS MÚMIAS!







Sem muita ironia, considero o desfile das 22 múmias realizado ontem no Cairo, (18 homens e 4 mulheres) o fato mais transcendente e fenomenal da humanidade nos últimos séculos. Imaginem aqueles caminhões militares saindo da Praça Tahrir em cortejo, cada um transportando uma pelanca mais famosa do que a outra. Dizem - mas ninguém sabe se é verdade - que a que ia puxando a procissão, a marcha solene e o desfile era a múmia mais velha, a de um tal Seqenenre Taa, e que estavam de mudança para um novo sarcófago... O som  eletrizante de um clarinete duplo, cuja invenção os egípcios atribuem ao Deus Thoth. O cortejo e as pompas iam devagar, com a maior cautela, porque os museólogos deviam ter lido o Manifesto de Marx e Engels e lembrar que "tudo o que é sólido se desmancha no ar..."

 E nas calçadas, nas janelas, nas sarjetas, a plebe, os mendigos, os comedores de fogo, os moradores do cemitério Al Qarafa,  os contadores de histórias, os vendedores de hachis, fotógrafos, místicos, egiptólogos, doutorandos do Vale do Silício e do México; Barnabés delirantes de todo o mundo em êxtase. As lágrimas de um músico da orquestra parecido com o Deus Osíris... Os antigos ciganos que se fixaram por ali vendendo pequenos pedaços de papiro e olhos de Horus, gente que veio do Marrocos, da Argélia, do Mediterrâneo, de Israel e do deserto negociando minúsculos blocos de pedra com um ou outro hieróglifo teológico falsificado e em baixo relevo... Tribos de nômades... Cheiros exóticos! Especiarias... O aroma do shawerma mergulhado no molho de gergelim... E praticamente todos ferventes discípulos de Amon-Rá e de Sekhmet... E não muito longe dali, os barcos ancourados no idílico Rio Nilo, que só perde para o Ganges. Num desses barcos a bailarina, meia zingara, meia berbere de ontem à noite, ainda com os chocalhos amarrados ao ventre, quase sobre os pentelhos, está sentada no colo de um velhote francês que lhe prometeu, para abril, um Visto permanente para o bairro Panier de Marseille... (ça si bon!). E os que sobreviveram à Primavera Árabe e à Revolução de Jasmim, na Tunísia, se misturam à turistada ciclotimica e paranóide... todos se acotovelando excitados e com seus smartphones ligados, apesar de alguns estarem de cabeça baixa e intimidados pela maldição e ameaça monarquista e de classe que os egiptólogos de um ou outro império dizem ter encontrado no túmulo do Faraó TUT: 

"a morte virá em asas rápidas para aqueles 

que perturbam a paz do rei". 

Outros, queriam saber se uma daquelas múmias era a de língua de ouro, recentemente encontrada na Alexandria. Alexandria! Lembram do incêndio na Biblioteca da Alexandria? Enfim, um horror macabro, mas também um dia inesquecível.  Viva el Cairo, mierda!

Todos que, como nós, já estão intoxicados e de saco cheio de tanto ver passar passeatas de evangélicos; de carnavalescos; de travestis; de bolsonaristas; de petistas; de ecologistas; de guerrilheiros da ASFARC; de milicianos; de maconheiros, de cachaceiros, de bebedores de leite; dos filhos de Maria e dos Testemunhas de Jeová; dos pró-aborto, pró-vacina & pró eutanásia e dos anti aborto, anti-vacina & anti eutanásia; de fanáticos alucinados queimando incenso em memória de algum bandido ou de algum suposto herói ou anti-herói latino-americano; em defesa ou contra a matança de Mianmar e etc... finalmente, puderam sentir um certo alívio com esse show mumiático com o excelentíssimo Seqeneonre Taa, à frente... Mas, e Cleopatra?

Viva todas as múmias do mundo! E VIVA el Cairo, mierda! 

E mais: (me lembrava o Mendigo K), esse espetáculo estupendo, acontecendo num sábado de Páscoa, tem um significado especial. Dia em que o Papa argentino apareceu sozinho na esplanada do Vaticano (com o olhar marcado pela solidão das antigas cruzadas e dos antigos tangos de Gardel!) e quando todo mundo sabe que as raízes da Páscoa, além dos cofres dos fabricantes de chocolates, estão lá no êxodo dos judeus, exatamente do Egito...

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