segunda-feira, 12 de abril de 2021

O Tempo e suas artimanhas...


Segunda-feira! Principalmente nas segundas-feiras acordamos cheios de curiosidades para saber se aconteceu alguma coisa nova no mundo, no país, na cidade, na nossa quadra. Porra nenhuma! Uma ou outra babá passeando com suas tirânicas crianças; um ou outro passeador de cachorros; o caminhão do lixo e a aboboreira, lá em baixo que, cheia de flores amarelas escorrega como uma serpente por entre as outras ramagens. Não está nem aí para as masturbações físicas e metafísicas a respeito do "degelo das calotas polares", do "efeito estufa", do envenenamento dos rios e muito menos com os misteriosos buracos negros lá por detrás das nuvens... E nem com a pandemia. Está, isto sim, admirada com o silêncio e com a melancolia que se instalou  nos prédios vizinhos nos últimos 500 dias, mas nada que a incomode. Floresce quando bem entende, umas vezes na aurora, outras no crepúsculo. Sabe lidar muito bem tanto com os dias ensolarados como com as chuvaradas inesperadas de abril, com as abelhas que aparecem para parasita-la e tanto lhe faz ver chegar da maternidade uma criança enrolada num monte de trapos ou a saída de um féretro para o cemitério, dentro de um caixão de mil dólares. É uma senhora abóbora, nascida ali pela urgência e pela falta de uma toalete pública. Os sem teto e até os forasteiros que vêm à cidade para ver a obra do Le Corbusier acabam tendo que invadir os jardins para suas mais abomináveis necessidades. A propósito, o que se pode esperar de uma cidade que, estando no meio de uma epidemia só vacina seus moradores nos horários comerciais. (Das 8:00 às 12:00 e das 14:00 às 17:00?) Quê ilusões se pode alimentar de uma cidade que não dispõe de toaletes públicas?  Os governos, com seus  lacaios estão prometendo privadas públicas na cidade desde os tempos em que JK ainda andava por aí em seu Galaxie 500... E, nada! Privadafobia? Sobre as vacinas? Todos os dias um exército de burocratas fala sobre elas. Um milhão, vinte milhões! Chegarão! Os impérios nos enviarão suas sobras! Todo mundo será imunizado! Nos salvaremos! Seremos Outros! Confesso que tenho uma súbita brochada quando vejo uma pobre velhinha, depois de caminhar duas léguas ou de atravessar um pântano, agradecendo a Deus e ao governador por ter sido vacinada! E em seguida, se dizendo feliz, enquanto está indo para o cemitério depositar um ramo da laranjeiras sobre a cova de seu filho, quase adolescente, morto asfixiado... 

O relógio! O tempo! Pasará más de mil años muchos más...

E os Barnabés, nas últimas cinco décadas, vieram insistindo que precisaríamos agregar uma vigésima quinta hora ao dia para que todas as burocracias pudessem ser superadas... 

Enquanto observo os movimentos da intrusa aboboreira lá no jardim e rabisco estes pensamentos, me vem à mente a anedota da construção da Mesquita de Bagdá. Diz, um escritor italiano, que "no momento em que a construção da Mesquita de Bagdá chegava ao fim, e surgiram os imprevistos de sempre inventados pelos contramestres e empreiteiros, Solimão, o Magnífico, chamou o arquiteto e disse-lhe: Na sexta-feira farei o "salemlik" na mesquita. Se nesse dia não estiver acabada, mando cortar-te a cabeça. Na quinta-feira o arquiteto lhe apresentou as chaves da mesquita..."

Outro exemplo de como lidar com o tempo: "D. Carlos, filho de Fillipe II, descontente com seu sapateiro, que atrasou um dia o conserto de suas botas, não o despediu e nem o trocou por outro, como era costume, fê-lo comê-las aos pedaços, fritas em azeite..."

E la nave va...


 



4 comentários:

  1. Bom texto...mas me diga uma coisa( sendo possivel claro) porque diabos voce mora nessa porra de cidade!?? É muito contraditorio isso! Desce o cacete( e concordo com a alcova que é Bsb) mas mora ai! Realmente nao faz sentido algum! Quanto as historias...a da mesquita é perfeita! e adoravel... é assim mesmo que se lida com cafajestes. Quanto a das botas...eu diria: o mandaria come-las "cruas" e lambozadas na cola de sapateiro!

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  2. Excelente, Bazzo! Escreva sempre assim, com riqueza de detalhes!

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  3. Meu amigo, não sei onde moras, mas duvido que se, estando na rua, precisares de uma toalete, duvido que consiga alguma a não ser implorando para que o moço de um boteco que te empreste a dele, e mesmo assim vais entrar num espaço de um metro quadrado, com baldes, vassouras, jornais usados no piso, vasamentos e fragmentos de objetos não identificados no vaso... Ou não? Mas é assim em todo o mundo, ninguém ainda conseguiu livrar-se da privadafobia. A respeito de Brasília, morar aqui é uma viagem. Lembra do padre Dom Bosco, aquele que garantiu que em Brasília verteria mel e pão-de-ló dos barrancos? E depois, para esta cidade veio o lupemproletariado do país inteiro. Quem era sapateiro por lá, aqui, de uma semana para outra, passou a ser chamado de doutor., enquanto outros, que lá eram chamados de doutores, aqui viraram mendigos. Muitas balzaquianas e muitos velhotes gagás vieram aventurar-se por aqui. Os bordeis das cidades satélites chegaram a ser parecidos aos de Sodoma, razão pela qual ninguém, por aqui, tem muita certeza de quem são seus verdadeiros avós... Além disso, logo ali às margens do Lago, estão as embaixadas de quase todos os países do mundo. De onde, lá pelas 5 da tarde, você pode ver sair ou entrar as figuras mais bizarras. Gente que, pelas vias que sempre se sabe, tornaram-se diplomatas e foram mandados aqui para os trópicos...Também há mendigos de todo o país por aqui. Os novos ricos desfilam em suas caravelas ao por do sol: três meses em Paris, natal em New York, o outono em San Petesburgo. Ao invés de professores muitos preferiram ser motoristas de um ou outro marajá, já que o salário é oito vezes maior. Brasília é uma festa e também um horror: uma festa de horrores! Mas faz bem viver por aqui. Todo mundo tem um tio senador, um avô general, uma mãe que nos finais de semana vende roupas sem uso em imensos brechós onde, por debaixo das mesas sempre emerge uma musiquinha depressiva de Vivaldi... E isto, nos jardins de imensas mansões. Nos latões de lixo instalados em frente as casas da pequena burguesia, segundo o Mendigo K, aos domingos pela manhã, se pode encontrar caixas lacradas de hambúrguer, pedaços de carne de vacas japonesas e até restos de champanhe e de vodka... tudo importado. Sem falar de alguns papelotes que podem estar perdidos no meio de guardanapos... Há vendedores de livros nas ruas e nas madrugadas e gente que Recita poesias nos botecos... Apesar dessa arquitetura fajuta e terceiro mundista, Brasília é uma festa. Por aqui frequentemente passam arquitetos de Roma, de Londres e até de Moscou, para verem as bobagens do Niemayer, a Biblioteca Nacional Fechada há mais de um ano e o Museu de Arte que já nem existe mais. Lembra da Clarisse Linspector? Num dos dias em que sua depressão esteve mais leve, passou por aqui e, olhando a cidade, essa imensidão de concreto, de uma janela do antigo Hotel Nacional, lacrou esta frase: "Brasília é uma estrela espatifada". Não entendeu nada. Mesmo assim a canonizaram... Abraços

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