sexta-feira, 5 de novembro de 2021

O que Lênin, Freud e Bernard Shaw teriam confessado a GOG (Giovani Papini)



"Fui recebido pela esposa, uma mulher gorda e taciturna, que me olhou como as enfermeiras olham um novo doente que entra para a sala. Encontrei Lênin em uma pequena sacada, sentado diante de uma grande mesa coberta de enormes folhas com desenho.

1. Não se pode governar cem milhões de brutos sem o bastão, os espiões, a polícia secreta, o terror, as forças, os tribunais militares, as galés e a tortura...

2. Marx nada mais era do que um judeu aferrado às estatísticas inglesas e secreto admirador do industrialismo. Faltava-lhe o senso da barbarie e era, por isso, terça parte de homem. Um cérebro saturado de cerveja e de hegelianismo, no qual o amigo Engels esboçava uma ou outra idéia genial...

3. Os homens, sr Gog, são selvagens espantosos que precisam ser dominados por um selvagem sem escrúpulos como eu. O resto é conversa fiada, literatura, filosofia e música para uso dos tolos...

4. A velha masmorra czarista é a última palavra da sabedoria politica. Bem pensado, a vida do penitenciário é a que mais se adapta ao padrão comum dos homens. Logo que um homem entra na prisão, deve, à força, levar uma vida de inocente...

5. O meu sonho é transformar a Russia em um imenso estabelecimento penal, e não suponha que o digo por egoísmo, pois com um tal sistema, os mais escravos e sacrificados são os chefes e os que os secundam...

6. Odeio os camponeses! Odeio o mujik idealizado por aquele ocidental amolecido chamado Turgueney e por aquele hipócrita fauno convertido que se chama Tolstoi. Os camponeses representam tudo o que eu detesto: o passado, a fé, a heresia, a mania religiosa, o trabalho manual. Tolero-os e acaricio-os, mas odeio-os. Quisera vê-los desaparecer, todos, até o último. Para mim, um eletricista vale cem mil camponeses.

7. A vida na natureza é uma vergonha pré-histórica.

_________________________________________________________

Visita a Freud.

Pareceu-me um pouco abatido e melancólico.

1. Literato por instinto e médico a força, comecei a idéia de transformar um ramo da medicina - a psiquiatria - em literatura. Fui e sou poeta sob a máscara de homem de ciência. A psicanálise outra coisa não é senão a transformação de uma vocação literária em termos psicológicos e patológicos.

2. Bem depressa compreendi que as confissões dos meus doentes constituíam um precioso repositório de 'documentos humanos'. Realizava eu, portanto, um trabalho idêntico ao de Zola. O naturalismo, e sobretudo Zola, acostumou-me a ver os lados mais repugnantes, porem mais comuns e gerais da vida humana; a sensualidade e a avidez sob a hipocrisia das belas maneiras; em suma, o animal no homem.

3. Finalmente, o Simbolismo ensinou-me duas coisas: o valor dos sonhos, assimilados à obra poética, e o lugar que o símbolo e a ilusão ocupam na arte, isto é, no sonho manifestado.

4. Que minha cultura é essencialmente literária demonstram-no abundantemente, as minhas contínuas citações de Goethe, Grilparzer, Heine e outros poetas. A forma de meu espírito está inclinada para o ensaio, para o paradoxo, para o dramatismo, e nada tem da rigidez pedante e técnica do verdadeiro homem de ciência. Há uma prova irrefutável: em todos os países em que a psicanálise penetrou, foi ela mais bem entendida e aplicada pelos escritores e pelos artistas do que pelos médicos.

5. Em todos os grandes homens de ciência há o sopro da fantasia, mãe das intuições geniais; mas, nenhum se propôs, como eu, a traduzir em teorias científicas as inspirações da literatura moderna.

6. Na psicanálise encontram-se e se compendiam, expressas em linguagem científica, as três maiores escolas literárias do século XIX: Heine, Zola e Malarmé.

______________________________________

Visita a Bernard Shaw.

O velho G.B. Shaw recebeu-me pessimamente.

- O senhor pensa que eu sou um clown, como todos os imbecis - disse me - e espera, provavelmente, vencer o seu tédio com minhas pilhérias... Possui o senhor algum segredo para não morrer? Não? Então vá embora! Não sei o que fazer com mais um condenado à morte. Não sou um clown, sou o mais sério dos homens: sou o único que não quer saber nada da farsa grotesca do funeral!

E dizendo isto, virou-me as costas.

_____________________________________________________

Ver: Gog, de Giovanni Papini




Nenhum comentário:

Postar um comentário