terça-feira, 30 de novembro de 2021

A NOVIDADE DO DIA! A banda, Wagner e as patrulhas sem causa...



"A Corte do Tribunal de Nuremberg deveria ter mandado bater numa figura em efígie de Richard Wagner, uma vez por ano, em todas as ruas das cidades alemãs..."

Pascal Guignard

(IN: Ódio à música, p. 132)

______________________

Depois de um dia de chuva e de ventos, a cidade sempre amanhece cheia de luz e com convites de errância vindos de todos os lados. Mas é só ilusão. Todo mundo ainda está trancafiado em casa e se preparando para mais uma temporada de clausura, e agora com a paranóia ainda mais ativada, com a possível chegada do Ômicron, desta vez lançado lá na África do Sul, com seus Safaris...

No jornal que alguém enfiou por debaixo de minha porta leio que dois ou três sujeitos, aqui da cidade, estão querendo censurar uma orquestra por ela, numa solenidade qualquer, com a presença do presidente da república, ter tocado uma das chatas, longas e barulhentas sinfonias ou óperas de Wagner. Aliás, o que existe de mais abominável do que uma ópera... do que essas epifanias bestiais?

Ah!, Wagner! O antisemita preferido de Hitler e o inspirador do Grande Reich e do nazismo! Suspiram esses vassalos sem causa!

 Sim, e isto, apesar do tal Wagner ter vivido um século antes dos crimes delirantes do Fuherer... e apesar de que, tanto para o maestro da banda como para o Bolsonaro não haver muita diferença entre tocar e ouvir Wagner ou Julio Jaramilo..

Os que têm paixão por revistinhas de suspense, dizem que é pura provocação do Bolsonaro, que fazendo a banda tocar Wagner, estaria querendo ameaçar e incendiar o imaginário de seus opositores... Mas é ridículo! Quem é que, das massas, conhece Wagner e as predileções musicais do pequeno marginal austríaco? 

No bar da esquina, já na bebedeira da manhã, um homem até ilustrado, entre um copo e outro, levantava a hipótese do Bolsonaro estar querendo fundar o I Reich aqui dos trópicos... Os outros bêbados riam e babavam sem saber do que se estava falando... Um terceiro lembrou o Ulisses, da Odisséia e o canto das sereias que, segundo Homero,  aqueles que não se tapassem os ouvidos e o ouvissem seriam  transformados em porcos... 

Apenas um velhinho, também bêbado, levantou-se com dificuldade e fez um discurso em defesa, não apenas de Wagner, mas também de Brahms, de Schubert e da música alemã, para em seguida fazer uma referência respeitosa a Vladimir Jankelevitch, esse músico judeu francês que, depois dos horrores dos Campos de Concentração, proibiu a si mesmo não apenas de interpretar, mas até mesmo de ouvir musica alemã.

Uma mulher, de uns 50 anos, em total decadência, que se dizia da seita do Universo em Desencanto, olhando para seu copo ria sem parar. Quando percebeu que toda a atenção da mesa estava voltada para ela, se explicou: Estou pensando nas Alucinações musicais do Olivier Sacks... E que a música, apesar de suas pretensões, é religião disfarçada. Lembram de Bach? Bach fez mais pelo catolicismo do que todos os papas juntos! E mais pelo protestantismo do que toda a histeria de Lutero! Sem falar dos roqueiros, que trouxeram de volta o mito pueril do anjo caído e do diabo! Um fenômeno muito mais neurológico do que artístico... (mais neura do que arte!) Lembram daquele caso do cara que, de um dia para outro, depois de ter sido ferido no cérebro, por um raio, passou a ser um músico notável? E seguiu gargalhando...

Cambaleante, o velhinho tirou do bolso do paletó, um livro aos pedaços, exibiu a capa a todos e leu em voz alta, o que Pascal Guignard havia escrito sobre a música germânica: Talvez não seja a nacionalidade das obras que deva ser sancionada na música, mas a própria origem da música.

 Fez um silêncio quase místico e atacou: Mas não sejam ingênuos e nem sectários! Eu mesmo - mentiu - só durmo depois de ouvir a Tanhauser! E quando acordo, para conseguir saltar da cama, preciso ouvir pelo menos uns trechos de Parcifal... Fez outro silêncio, mais místico ainda e concluiu: Naqueles tempos, todo mundo (anti-semitas ou não) e na Europa inteira, adorava Wagner, como adoravam salsichas com chucrute.  E não apenas por Wagner, mas porque identificavam em sua obra sinais de outras três ou quatro vacas sagradas daquela época, tipo Goethe, Heine, (Talvez até Max Nordau, Schopenhauer e Nietzsche... Este último, inclusive, acreditava que a música era interpretada pelos músculos...)

E levantando o copo na direção dos outros paus d'água bradou, numa espécie de Angelus: Nós estamos cagando para o destino musical do mundo! Não temos ilusões nem com Wagner e nem com Cascatinha e Inhana! A sociedade, de ponta a ponta, é uma aglomeração lastimável de babacas. Querem uma prova? Vejam as filas e a ansiedade desses idiotas para ir ver o novo Homem Aranha!

Portanto, que se toque o que bem se entender! Estamos enojados dessa - como dizia Truman Capote - Música para Camaleões. (Lembram da pianista negra da Martinica que quando tocava Mozart a sala se enchia de camaleões?) Sim, estamos de saco cheio com tantos alcaguetes; com tantas fronteiras; barítonos; vigias; patrulhadores, vibrações e vassalos sem causa. Ou vão querer, agora, criminalizar até quem ouvir a Internacional Socialista, com o pretexto de que Marx era ateu e tinha intimidades com sua faxineira?, e de que Stálin foi um criminoso abominável? Vão querer criminalizar a quem tocar ou ouvir La Campanella, com o pretexto de que Paganini, teria um pacto com o diabo?

Não sejam ingênuos!

Que cada um toque o que bem entender, inclusive aquilo que, em demasia, deixa os adolescentes anêmicos e esqueléticos...










Nenhum comentário:

Postar um comentário