terça-feira, 30 de novembro de 2021

A NOVIDADE DO DIA! A banda, Wagner e as patrulhas sem causa...



"A Corte do Tribunal de Nuremberg deveria ter mandado bater numa figura em efígie de Richard Wagner, uma vez por ano, em todas as ruas das cidades alemãs..."

Pascal Guignard

(IN: Ódio à música, p. 132)

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Depois de um dia de chuva e de ventos, a cidade sempre amanhece cheia de luz e com convites de errância vindos de todos os lados. Mas é só ilusão. Todo mundo ainda está trancafiado em casa e se preparando para mais uma temporada de clausura, e agora com a paranóia ainda mais ativada, com a possível chegada do Ômicron, desta vez lançado lá na África do Sul, com seus Safaris...

No jornal que alguém enfiou por debaixo de minha porta leio que dois ou três sujeitos, aqui da cidade, estão querendo censurar uma orquestra por ela, numa solenidade qualquer, com a presença do presidente da república, ter tocado uma das chatas, longas e barulhentas sinfonias ou óperas de Wagner. Aliás, o que existe de mais abominável do que uma ópera... do que essas epifanias bestiais?

Ah!, Wagner! O antisemita preferido de Hitler e o inspirador do Grande Reich e do nazismo! Suspiram esses vassalos sem causa!

 Sim, e isto, apesar do tal Wagner ter vivido um século antes dos crimes delirantes do Fuherer... e apesar de que, tanto para o maestro da banda como para o Bolsonaro não haver muita diferença entre tocar e ouvir Wagner ou Julio Jaramilo..

Os que têm paixão por revistinhas de suspense, dizem que é pura provocação do Bolsonaro, que fazendo a banda tocar Wagner, estaria querendo ameaçar e incendiar o imaginário de seus opositores... Mas é ridículo! Quem é que, das massas, conhece Wagner e as predileções musicais do pequeno marginal austríaco? 

No bar da esquina, já na bebedeira da manhã, um homem até ilustrado, entre um copo e outro, levantava a hipótese do Bolsonaro estar querendo fundar o I Reich aqui dos trópicos... Os outros bêbados riam e babavam sem saber do que se estava falando... Um terceiro lembrou o Ulisses, da Odisséia e o canto das sereias que, segundo Homero,  aqueles que não se tapassem os ouvidos e o ouvissem seriam  transformados em porcos... 

Apenas um velhinho, também bêbado, levantou-se com dificuldade e fez um discurso em defesa, não apenas de Wagner, mas também de Brahms, de Schubert e da música alemã, para em seguida fazer uma referência respeitosa a Vladimir Jankelevitch, esse músico judeu francês que, depois dos horrores dos Campos de Concentração, proibiu a si mesmo não apenas de interpretar, mas até mesmo de ouvir musica alemã.

Uma mulher, de uns 50 anos, em total decadência, que se dizia da seita do Universo em Desencanto, olhando para seu copo ria sem parar. Quando percebeu que toda a atenção da mesa estava voltada para ela, se explicou: Estou pensando nas Alucinações musicais do Olivier Sacks... E que a música, apesar de suas pretensões, é religião disfarçada. Lembram de Bach? Bach fez mais pelo catolicismo do que todos os papas juntos! E mais pelo protestantismo do que toda a histeria de Lutero! Sem falar dos roqueiros, que trouxeram de volta o mito pueril do anjo caído e do diabo! Um fenômeno muito mais neurológico do que artístico... (mais neura do que arte!) Lembram daquele caso do cara que, de um dia para outro, depois de ter sido ferido no cérebro, por um raio, passou a ser um músico notável? E seguiu gargalhando...

Cambaleante, o velhinho tirou do bolso do paletó, um livro aos pedaços, exibiu a capa a todos e leu em voz alta, o que Pascal Guignard havia escrito sobre a música germânica: Talvez não seja a nacionalidade das obras que deva ser sancionada na música, mas a própria origem da música.

 Fez um silêncio quase místico e atacou: Mas não sejam ingênuos e nem sectários! Eu mesmo - mentiu - só durmo depois de ouvir a Tanhauser! E quando acordo, para conseguir saltar da cama, preciso ouvir pelo menos uns trechos de Parcifal... Fez outro silêncio, mais místico ainda e concluiu: Naqueles tempos, todo mundo (anti-semitas ou não) e na Europa inteira, adorava Wagner, como adoravam salsichas com chucrute.  E não apenas por Wagner, mas porque identificavam em sua obra sinais de outras três ou quatro vacas sagradas daquela época, tipo Goethe, Heine, (Talvez até Max Nordau, Schopenhauer e Nietzsche... Este último, inclusive, acreditava que a música era interpretada pelos músculos...)

E levantando o copo na direção dos outros paus d'água bradou, numa espécie de Angelus: Nós estamos cagando para o destino musical do mundo! Não temos ilusões nem com Wagner e nem com Cascatinha e Inhana! A sociedade, de ponta a ponta, é uma aglomeração lastimável de babacas. Querem uma prova? Vejam as filas e a ansiedade desses idiotas para ir ver o novo Homem Aranha!

Portanto, que se toque o que bem se entender! Estamos enojados dessa - como dizia Truman Capote - Música para Camaleões. (Lembram da pianista negra da Martinica que quando tocava Mozart a sala se enchia de camaleões?) Sim, estamos de saco cheio com tantos alcaguetes; com tantas fronteiras; barítonos; vigias; patrulhadores, vibrações e vassalos sem causa. Ou vão querer, agora, criminalizar até quem ouvir a Internacional Socialista, com o pretexto de que Marx era ateu e tinha intimidades com sua faxineira?, e de que Stálin foi um criminoso abominável? Vão querer criminalizar a quem tocar ou ouvir La Campanella, com o pretexto de que Paganini, teria um pacto com o diabo?

Não sejam ingênuos!

Que cada um toque o que bem entender, inclusive aquilo que, em demasia, deixa os adolescentes anêmicos e esqueléticos...










Enquanto o Ômicron sobe e desce montanhas; atravessa mares pendurado nos mastros das caravelas; nas hélices dos bimotores; nas narinas dos donos de Safaris e se apressa em chegar por aqui... Lá no Balneário de Camboriú... São os estetas que flertam com a xota...

 


https://ndmais.com.br/internet/conheca-a-dona-da-vagina-mais-bonita-do-brasil-eleita-por-concurso-de-sc/








segunda-feira, 29 de novembro de 2021

O inconveniente de passar dos setenta...


[ Urrá! Non più contatti con questa terra immonda! Io me ne stacco alfine, ed agilmente volo sull'inebriante fiume degli astri che si gonfia in piena nel gran letto celeste...]

(Marinetti)

EU, que já escrevi um ensaio sobre os cemitérios de Paris e que conheço a maioria deles pelo mundo a fora, e que tenho uma prateleira inteira de obras sobre o juízo final, ainda me surpreendo quando recebo a noticia de que um amigo ou um conhecido qualquer partiu desta para o nada. E sempre penso no velho e trambiqueiro Stálin, (ele que, por narcisismo e por bagatelas, mandou milhões para o outro mundo), que gostava de cacarejar que se uma morte é uma tragédia, milhares de mortes são apenas dados estatísticos... Lembram?

O inconveniente de passar dos 70, é que, além de ter que continuar ouvindo baboseiras vindas do Parlamento; das igrejas; das universidades; dos sindicatos; do judiciário; dos puteiros e de todos os lados, que insistem em colonizar as consciências, é que ao nosso redor começa a haver uma procissão quase permanente de funerais. Os de nossa geração vão batendo as botas um atrás do outro como pardais e os que sobrevivem, se amontoam por aí, numa espécie de antecâmara da eternidade, acuados, vencidos e cientes de que também estão condenados e, pior: que não há ninguém que tenha culhões suficientes para dar-lhes um indulto... E isso é uma loucura! Uma idiotice e uma sacanagem da natureza. Como ser 'normal' numa existência que só nos garante duas alternativas: cair duro de uma hora para outra (desde o instante em que se nasce) ou caminhar para uma senectude cheia de sacanagens e de armadilhas. Que porra de soberania e de livre arbítrio é essa?

A propósito, o livreiro a quem hoje enderecei um pacote de livros, já não estava mais lá. Apesar de ter apenas uns 50 anos, também partiu estupidamente desta, para o nada. Ou, como diziam os Sumérios: Para o País-sem-retorno..

Quando é que o planeta inteiro fará um protesto contra essa safadeza  imoral? Quando é que convocará o demiurgo e seus vassalos responsáveis por essa canalhice, para que se expliquem e para que sejam, enfim, apedrejados? (pero, sin perder la ternura jamás...)


 


domingo, 28 de novembro de 2021

E Montevideo é invadido por uma Iliada de toupeiras...

"Pensar em influenciar o vulgo com sentimentos elevados, é como querer cortar pedras com uma navalha..."(Swift)


Meu correspondente no Uruguay acaba de enviar-me noticias de lá. Diz que a cidade respirou aliviada hoje pela manhã, aos ver as últimas levas de torcedores atravessando a fronteira de volta para o Brasil. Que uns marmanjos iam chorando porque seu time havia vencido e que outros choravam porque o seu havia sido derrotado... E que a velhinha que lhe fazia esse relato, uma antiga militante dos Tupamaros, estava verdadeiramente atordoada com toda aquela alienação e se perguntava: De onde lhes vem tanta emoção e essa estranha histeria? O que lhes falta? Quê problemas íntimos depositaram nesse esporte de búfalos?

E diz a noticia:  quem não teve tempo de conhecer a precariedade de Berlin Oriental, poderá (guardando as devidas proporções) dando um giro aqui por Montevideo, pelos shoppings, boutiques, mercados, farmácias etc., ver tudo como era lá, ainda sob a ótica severa e bucólica dos sovietes. Tudo de uma singeleza de dar pena! Bazzo, para não ter que entrar em detalhes, imagine o Mujica como seu fusca. É ele o que melhor simboliza e representa isto aqui. E saber que o próprio Mujica foi um dos principais Tupamaros! Quem é que nos anos 60/70 não tinha como heróis aos Tupamaros? (Tupac Amaru: o último imperador Inca pisoteado pelos espanhóis (1570)). Tudo ruiu e evaporou-se. E hoje o país só esbanja melancolia...O que há de novo, é que quem tem autorização da policia pode comprar, nas farmácias, dois ou três baseados da 'erva do diabo' por semana. Ora! Mas isso é ridículo! Já que a única coisa que havia de alucinógeno nessa singela plantinha era a clandestinidade... E dizem que já há até um projeto no Palácio del Gobierno e junto ao Episcopado Uruguayo, para oferecer a droga no formato de supositórios...

E a velhinha, que dizia, no passado, ter tido o maior rebanho de ovelhas da América do Sul e que sabia fazer qualquer coisa com a lã de suas ovelhas, lhe perguntava num tom de crítica: E viu a mocinha que veio dar um show antes do jogo!? E que ficava de cócoras imitando a Madona!? Com sete ou oito outras dançarinas tremulando as nádegas para aquela imensidão de toupeiras!? Qué les pasa a  ustedes? Están locos?

Além das dançarinas, o que mais a havia impressionado, foram os radialistas que falavam do enfrentamento dos dois times com o mesmo entusiasmo do speaker nazi, quando os alemães de Hitler estavam na eminência de invadir a Russia... Um deles, segundo ela, com os olhos saltando para fora das órbitas, chegou a repetir que este jogo ficaria para a eternidade! Imagine! Ficar para a eternidade uma idiotice destas! Isso é demais! Qué les pasa? Están locos? É isso que vem transformando nossa juventude num rebanho de energúmenos irrecuperáveis!

Enfim, foi um circo! Eu,  - dizia ela - que ainda criança, estive na clandestinidade com Jango Goulart e que até servi em minha casa o mais legitimo alfajor uruguayo para a Maria Thereza (sua linda mulher), ficava olhando para aquela multidão despirocada, e pensando: Como foi possível que com tanta gente cheia de energia e fanática desse jeito, politicamente o Brasil tenha chegado a ser a merda que é?

sábado, 27 de novembro de 2021

Didática selvagem! E lá, às margens do colossal Rio Amazonas, na confusão dos embarcadouros e do Mercado de Ver-o-Peso, todo mundo está querendo saber o que é o KY...





1. NADA É SAGRADO. Toda pessoa tem o direito de exprimir e de professar, a titulo pessoal, qualquer opinião, qualquer ideologia, qualquer religião. 

2. Tolerar todas as idéias não é aprová-las. Tudo dizer não é tudo aceitar.  Permitir a livre expressão de opiniões antidemocráticas, xenófobas, racistas, revisionistas, sanguinárias não implica nem estar de acordo com seus protagonistas, nem dialogar com eles, nem conceder-lhes pela polêmica o reconhecimento que eles esperam. Combater essas idéias responde às exigências de uma consciência sensível, empenhada em erradicá-las de todos os lugares.

3. O único modo de abordar os adeptos da barbárie, quaisquer que sejam eles, é descobrir o que ainda subsiste neles de vivo sob a couraça caracterial (ver Reich) e a esclerose de seu comportamento neurótico...

2. Sacralizadas, a criança é uma tirana, a mulher um objeto, a vida, uma abstração desencarnada.

3. A maioria das polêmicas hoje em voga já apresenta os vestígios de uma discussão entre palhaços...

4. A liberdade de expressão confere vida à linguagem, contrariamente à economia, que faz da liberdade de expressão uma linguagem morta, mirrada, composta de vocábulos intercambiáveis, objeto de troca e não elemento subjetivo e intersubjetivo.

5. As opiniões racistas, xenófobas, sexistas, sádicas, rancorosas, desdenhosas têm tanto direito de se exprimir quanto os nacionalismos, as crenças religiosas, as ideologias sectárias, os clãs corporativistas que as encorajam aberta ou dissimuladamente, ao sabor das flutuações da ignominia demagógica.

6. O senso comum demonstra que de nada adianta proibir Minha luta, de Hitler; Bagatelles pour un massacre, de Celine; Os protocolos dos sábios de Sião, ou as obras revisionistas, e tolerar, por outro lado, as posições misóginas de Paulo de Tarso e do Corão; as diatribes anti-semíticas de São Jeronimo e de Lutero; um livro entulhado de infâmias como a Bíblia; a complacente exibição de violências que formam a matéria comum da informação; a visualização onipresente da mentira publicitária e tantas contra-verdades históricas, validadas pela história oficial. É bom não esquecer: uma vez instaurada, a censura não conhece limites, pois a purificação ética se nutre da corrupção que denuncia..."(R. Vaneigem)
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https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/11/4966158-video-professor-diz-a-aluna-quando-a-senhora-for-estuprada-vai-preferir-no-seco.html




sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Desculpem o pó!


"O que mais frequentemente rogamos a deus não é que nos permita fazer a sua vontade, mas que aprove a nossa..."(Guidepost)

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De vez em quando recebo noticias de uma dona de pensão lá de uma minúscula aldeia de Portugal, onde me hospedei por uma semana, a 12 dólares/dia, com café da manhã e roupa lavada, incluído. Era uma senhora extremamente viperina; mitômana; de uns 114 quilos, que revistava clandestinamente minha bagagem, que procurava ouvir o que eu falava ao telefone, que controlava o tempo de meu banho, que vasculhava o titulo dos livros que eu estava lendo e inclusive o caderno onde eu costumava fazer algum registro. E mais: que fazia questão, quando telefonava para alguém, de insistir em dizer que tinha memórias inapagáveis seu ex-marido que havia pertencido ao Partido União Nacional e que estava hospedando um gajo da América. América? Em qual das Américas ela me havia situado? Lembro que depois de imiscuir-se clandestinamente em meus pertences, costumava deixar, maternalmente, sobre a pilha de livros que havia na cabeceira de minha cama, um bolinho de bacalhau num pratinho do século XVII... e que a um metro acima de meu travesseiro, ao lado de uma caravela navegando periclitante no meio das ondas assustadoras, havia uma imagem da Virgem de Fatima que, de madrugada, quando eu acordava com uma ereção quase absurda (absurda para acontecer ali, naquela hora e naquele lugar pacato e bucólico. Aliás, existirá algo mais absurdo do que uma ereção? Algo que denote com mais clareza nossa cumplicidade com o projeto cretino de manutenção do rebanho, do que a ereção?) e louco para ir ao banheiro, me olhava carinhosamente nos olhos... No quarto ao lado estava hospedado um casal de jovens vietnamitas que gostava de trepar de madrugada. E quando a menina exagerava no fingimento de estar gozando, logo se ouvia batidas na parede e resmungos que vinham da recâmara da proprietária... Vão foder assim em Saigon ou na puta que os pariu... No dia seguinte, no café da manhã, sentados em mesas vizinhas, de vez em quando percebia que ela me olhava com uma certa curiosidade... mas.., suspeitando que seu cara pudesse ser um new samurai, preferi assumir a postura de um bobalhão e ridículo colecionador de coleópteros... Na parede, um pano bordado com uma frase da poetisa e quase santa, Florbela Espanca, ela que nasceu na Vila Viçosa, num dia 08 de dezembro, que passou por três maridos e que suicidou-se também num dia 08 de dezembro.  

As mensagens que me manda são singelas, sempre, claro, naquele pessimismo e malícia estrutural dos portugueses, mas típicas de uma dona de casa portuguesa, sempre com o avental cheirando a sardinhas na chapa e que não vão além das variações meteorológicas, das festas medievais lusitanas e das luxurias da mesa. Mas têm duas coisas que ela sempre insiste em perguntar-me: "Se já tive saco de ler os Lusíadas e se já descobri alguma coisa sobre o gajo do cemitério?"

O tal gajo do cemitério que ela se refere diz respeito à minha tentativa, nos dias que estive por lá;  - e mesmo depois de ter voltado para Lisboa e até bem mais tarde -, de descobrir a biografia de um morto, enterrado no singelo e ensolarado cemitério daquela aldeia, (sem a grandiosidade e em nada parecido ao Pére-Lachaise), em cuja lápide havia este epitáfio: FODAM-SE!

E não se tratava de uma pixação de punks, nem da tribo dos emos, nem de satanistas ou de cheiradores de cocaína. A frase estava gravada em baixo relevo, num azul escuro, num losango de mármore e com o zelo que só um profissional de marmoraria tem. FODAM-SE! No centro da lápide havia um pequeno pote com traços orientais, dentro do qual havia os restos antigos de um cravo já sem cor...

Achei o máximo! 

Mas quem seria o sujeito? Seu nome era um nome comum entre os lusitanos. A data de seu nascimento e morte indicava que havia morrido com 49 anos. Mas, de quê? De alguma doença prolongada e cruel? Sob tortura? Salazar - o ditador que também era professor catedrático da Universidade de Coimbra -, já havia 'partido' há uns 40 anos.., mas seus cães de estimação ainda ocupavam postos importantes dentro e fora do país.

Uma velhinha que circulava por lá passando pano nos túmulos e distribuindo biscoitos a um casal de gatos, olhando-me desconfiada, e pronta para 'negacear', jurou que não tinha a mínima idéia sobre a identidade do morto e muito menos do significado daquela frase. FODAM-SE! Segundo ela, nem sabia muito bem o que aquela palavra queria dizer. 

Fui à prefeitura; ao pároco que vivia num sobrado perto dali e que me pareceu um sujeito 'euforicamente fanático'; consultei uma espécie de sindicato de estrangeiros; discuti com um sujeito pavão que era dono da única livraria/papelaria da aldeia e falei até com um policial perdulário, já quase jubilado e que havia trabalhado nas colônias africanas... Nada! Ninguém sabia quem era o morto que havia lançado aquela blasfêmia contra os vivos... Entrei num galpão de fundo de quintal onde, no meio do barulho de uma makita e da poeira do mármore e do granito, um moço albino, chamado Manuel, com as sobrancelhas eriçadas e cobertas por aquelas pequenas partículas que são o demônio das alérgicas e que ameaçavam escorregar por sobre suas córneas, fez um esforço enorme para aturar-me e jurou não lembrar-se de tal funeral e nem de ter produzido a tal tabuleta... Enquanto ele falava e suas sobrancelhas iam dando 'imperceptíveis' tremeliques, eu murmurava, entredentes, uma frase de um outro Manuel, bem mais notável do que ele: Manuel Bandeira: Como a vida nos faz cínicos!

Na terceira ou quarta vez que voltei ao cemitério, indaguei novamente à velhinha que continuava lá, passando pano nos túmulos e alimentando o casal de gatos... Quem teria sido esse sujeito em vida? Onde teria vivido? Morreu em que condições? Quais as razões de sua última mensagem? Ela, já bastante irritada, voltou a dizer que não tinha o menor interesse pelo assunto e, olhando-me meio de soslaio, ficou recitando a tal frase lapidada ali na tumba do morto anônimo: FODAM-SE! FODAM-SE! Senti que em sua voz havia um não-sei-quê de sortilégio... Em seguida, mais calma, lembrou-me de uma escritora da América que teria mandado escrever em sua lápide: DESCULPEM O PÓ! Também achei  o máximo!

O dia estava estupendo! Ela deu-me as costas, passou a falar rigidamente com seus gatos enquanto ouvia de um antigo gravador que levava na bolsa, aquela poesia musicada do Fernando Pessoa: Cavaleiro Monge... Dizer que a cena era surreal, seria ter um imaginário muito pobre e não reconhecer o prazer de uma visão hiperbólica das coisas...

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

A qual dos três você daria uma procuração em branco? Ou melhor: o seu voto?



Quem é que não sabe o quê há por detrás dessas máscaras e desses olhares tão amorosos e singelos? E dessas mãozinhas tão delicadamente sobrepostas? Qual é, afinal, o significado original de se amontoar as mãos? E quem saberá onde deixaram os punhos de renda?

 E o pior, é que os da outra tribo já estão inquietos e se maquiando nos camarins dos bastidores, para também entrar em cena. Se esses aí, com seu eco amortecido, só prometem o óbvio: dar moradia; dignidade; educação; saúde e um punhado de esperanças fúteis ao populacho, os outros, seguem repetindo a promessa de Lênin e de Trotsky, de que um dia, um belo dia, depois da 'revolução', os trabalhadores, os operários dismilingüidos, o lupemproletariado e todos os fodidos do mundo, terão urinóis de ouro... Ora, mas será que pretendem obrigar Portugal a devolver as toneladas que rapinaram daqui!? Ou interditar o garimpo ilegal!? E sem falar das pedras preciosas. Mas, como reaver aquelas toneladas do vil metal, se já as repassaram para os gringos, para os ingleses, para os franceses, para os holandeses, para os italianos... E se já está tudo convertido em imagens sacras; em medalhas da virgem ou de São Jorge; em tetos, nas catedrais de Lisboa e de Chartres... em cabos de Mauser; em espadas; em pulseiras; anéis; em broches e em cigarreiras das amantes dos 'revolucionários' de lá?... Aliás, nossos urinóis poderiam ser não apenas em ouro, mas também ter até os cabos cravejados com pedras preciosas... Ah, mas isso, só se fosse feito um acerto de contas com as gangues internacionais!... O que é impossivel, já que as de lá e as daqui fizeram um pacto de sangue! Imaginem, um peão e um cabotino qualquer, ter em baixo da cama um urinol feito com ouro batido e com o cabo verde-azulado de esmeraldas... Caralho! Lênin tinha razão! A felicidade seria inevitável!

Ah!, mas essa hipótese é delirante! Porque somos aquilo que decretou João do Rio:  "todos refinadíssimos malandrins, e se não nos esganamos fisicamente, nos esfaqueamos e nos assassinamos moral e monetariamente a cada instante. O mais bandido, o mais cruel, o mais patife é quem vence...".

Abaixo esse modelo de república! Abaixo essa repugnância sentimental do voto! Essa reunião, como diria Balzac, de logrados e de espertalhões! Essa forma cabotina de auto-engabelação...

Abaixo a miséria & a idiotice desse novo cabresto que o aprisco está chamando de 'Cultura woke!' 

Viva o controle de natalidade! E a barbárie (!?)






Veja o que os astros lhe reservam para esta quinta-feira...



 "A arte falaz dos astrólogos e os seus delírios ímpios..."

(Santo Agostinho)

 



Por mais hábil que você seja, duvido que consiga ignorar a manchete que está, diariamente, em todos os jornais e que aparece, todas as manhãs, automaticamente na tela de teu computador, te convidando a checar O que os astros te oferecem naquele dia, seja um domingo ou uma quarta e seja você de sagitário ou de virgem. De onde nos vem esse pensamento mágico? Esse resquício de uma infância abismal, esse sentimento oceânico e esquizoide diante da vida? Quem já visitou alguns cemitérios pelo mundo deve ter notado la, nas lápides, que havia defuntos de todos os signos... E que haviam chegado aos labirintos do juízo final por caminhos idênticos. Não é verdade? 
E o mundo, apesar do suposto racionalismo, está infestado de astrólogos; de tarólogos; de numerólogos; de advinhos; de xamãs; de representantes divinos e etc, e nem vou mencionar os que se dizem 'analistas políticos'; o pessoal da meteorologia e até os senhores da Suprema Corte... Gente que está o dia e a noite inteira espiando furtivamente pelas janelas e fingindo observar os astros... E clientela, não lhes falta. Os homens dedicados a esse ofício, por uma questão de marqueting vão, com o tempo, sentindo necessidade de assumir uma coreografia meio misteriosa e de bruxos. Olham fixamente nos olhos de quem quer que se lhes aproxime. Lançam um mantra para cá e outro para lá, enquanto os mais abusivos, se atrevem até a abordar pessoas estranhas na rua para preveni-las de alguma desgraça ou, até mesmo, de alguma bem-aventurança. E não se intimidam em plagiar Horácio com seu conselho pequeno burguês: Carpe diem! Alguns se equivocam e dizem Parce diem! Em síntese, são sujeitos que, como dizia Mussolini, dos filósofos, "resolvem mil problemas no mundo do espírito mas não acham solução sequer para um, na vida prática". Quando a ocultista é uma mulher, está sempre naqueles trajes clássicos das ciganas que vieram da Índia com escala no Egito e que parecem ter chegado ontem das montanhas de Sálem, da Massachusetts colonial. Nos lábios, como diria Manuel Bandeira, a doce flor da piedade. E nos dedos, anéis misteriosos, correntes que vão da tireóide às tetas e com as roupas impregnadas de incenso, de canabis ou de patchuli. Sempre com brincos no nariz e nas orelhas e às vezes até um pincerg na língua ou ao redor do clitóris... Decoraram tudo sobre as constelações, sobre os horários, as interferências de um astro sobre o outro e até sobre o feto, não só dos seres humanos, mas também dos cachorros e das vacas. Esta, nascida em sagitário dará um leite muito mais rico em melatonina e em triptofano do que as nascidas em Áries. Portanto, se você sofre de insônia, procure tomar, à noite, leite de uma vaca sagitariana... Aquele cachorro, nascido em sagitário, com regente em Júpiter, terá tara por postes de concreto e não será fiel a dono nenhum! É o tipo de animal que diz: anjo a cadela que desejamos, demônio a que temos! Aquele sujeito ali, nascido em Virgem, dentro do triângulo que a lua forma com o sol e com mercúrio, tem um DNA que não condiz com os preceitos republicanos, tocaria fogo em tudo sem tirar a mão esquerda do bolso. Aquela moça que acaba de sair da livraria, tem tudo para ser de Escorpião. Fique longe dela... E fazem mapas astrais. Falam de Lilith (a lua negra) com a mesma intimidade com que uma enfermeira apalpa o paciente numa mesa de cirurgia. Falam com intimidade também de Copérnico, de Giordano Bruno, da Kabala judaica; do Livro Egípcio dos mortos; da sabedoria dos Lamas... e quase sempre levam na bolsa o livro de H.M.Campigny: Le bréviaire du devin et du sorcier. E, com certa frequência, até a obra completa do Jung... Às vezes, durante a confecção de um mapa astral, entram em surto por uns 8 minutos, e quando voltam, pedem desculpas e dizem ter precisado dar uma volta pelas esferas astrais e siderais... O cliente, com a 'cabeça como uma caixa acústica', que vai identificando naquele olhar quimérico, uma mãe falastrona e sedutora, vai ficando cada vez mais embasbacado com aquela arte falaz - como dizia o pároco Santo Agostinho) e, se ela lhe disser: "Você, que é Galo no calendário chinês, deve parar de comer cuscuz com tâmaras aos sábados pela manhã...", ele cumprirá a recomendação tão religiosamente, como vem cumprindo outras, igualmente pueris, há uns cinco mil anos. (E digo 5 mil anos, entenda bem, porque o cristianismo/catolicismo é um plágio de seitas orientais e asiáticas...).
Enfim, trata-se de um teatro de uma maravilha tão sensual, fascinante e tão cheio de promessas, que é uma pena ter que morrer antes dos 100 anos e não poder assistir ao colapso total dessa espécie...




quarta-feira, 24 de novembro de 2021

terça-feira, 23 de novembro de 2021

E você.., já foi a Katmandu?

Como diria Vargas Vila: "O homem é a mais forte razão de ateísmo que existe sobre a terra; o homem é um argumento contra Deus..."(IN: Saudades tácitas, vol. 49. p. 13)








segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Amor entre mulheres! De Safo a Fidel...

"Quando alguém te diz: 'faço isto por duas razões', com toda probabilidade, senão as duas, pelo menos uma é falsa..."(P.)


Acabo de receber, anonimamente, uma noticia de que a Fulana de Tal acaba de declarar que tem um caso amoroso com outra mulher. Evidentemente, a noticia em si, depois do que se sabe de Safo, com sua lira e sua poesia lá em Lesbos, não surpreende mais ninguém, mas, no caso dessa moça.., sim... 

O que teria acontecido? Saciou-se dos homens? Ou é apenas mais uma performance? Um tempero, um condimento e um detalhe do absurdo e fantástico longa metragem que é a vida? Da teatralidade genital? Estaria blefando antes ou agora? Seria um truque para disfarçar a fobia ao sêmem e à pica; para vingar-se do pai e para camuflar a ausência de sexualidade? Ou porque, realmente, lhe é mais confortável, lhe causa menos ansiedade e lhe dá mais prazer? Uma nostalgia das brincadeiras infantis? Saudades do convento? Ou seria apenas mais uma sutileza e uma qualidade daquilo que Victor Hugo chamou de "um demônio sumamente aperfeiçoado?" Uma espécie de paixão por um clone? A propósito, em seu livro  La ilusión vital, falando sobre a clonagem, Jean Baudrillard escreve: "vemos na clonagem o ressurgimento de nossa fascinação por uma forma arcaica de incesto com o gêmeo original e as graves consequências psicóticas desta fantasia primitiva..."

A conheci num dos famosos Festivais del Cine Latino Americano em Havana. Primeiro a encontrei dormindo numa poltrona no aeroporto de Lima, no Peru, onde os aviões cubanos faziam escala e depois, por toda a Havana, seduzindo e se exibindo, cada dia com um cineasta ou com um cubano diferente. Era uma estrela que brilhava por lá e, cuja alcova, no Hotel Nacional, era a mais vigiada e cobiçada. Na noite em que o Fidel falou por umas quatro horas no Teatro Karl Marx, ela, ao ser citada por aquele ex-aluno dos jesuítas, levantou os dois bracinhos no meio da multidão e com um entusiasmo de colegial murmurou: Viva la revolución!, e no espanhol mais brasileiro que já ouvi. Havia chegado lá numa carruagem, cortejada pelo cocheiro, como se fosse uma princesa. E estava ao lado de uma psicanalista argentina tão famosa como o palestrante... Depois, naquele mesmo espaço, num jantar VIP, só para convidados, todos se apressavam em servir-lhe o melhor pedaço da lagosta ao forno e a encher-lhe a taça de um vinho francês que não lembro o rótulo... Ela, ora fazia-se de tonta; ora fingia despistar aqueles que considerava fodedores profissionais...  Em síntese: Cuba inteira, desde os revolucionários mais condecorados até os humildes fazedores de charutos e dedicados desde o século XVI à colheita da cana, parecia empenhada em levá-la para passear em Santiago de Cuba ou em Sierra Maestra num daqueles antigos cadilaques... Uma garrafa de Havana Club na bolsa... e uma música do Manzanillo ou da Mercedes Sosa, ou da Violeta Parra... que saía trêmula do painel... Durante a exibição dos filmes e dos gritos de Viva la Revolución!, todos queriam saber:

- Donde está aquela brasileña que fué mencionada por el camarada Fidel?

E de repente ela aparecia nos braços de outro malandro caribenho ou italiano, uma câmera na mão, uma foto do Che na bolsa de couro e já com outra roupinha sensual, com os cabelos molhados e com aquela beleza ZEN de quem acabava de gozar... Inventava compromissos só para ir e vir de um lado a outro no meio da multidão revolucionária... Dizia que precisava encontrar um dos comandantes de La Casa de Las Américas! E perguntava ao vento: Donde está el muchacho Del ANCINE???... Porque, dizia, iam decidir juntos a que 'camarada' presentear naquele ano com  El Gran Premio Coral. Que livro! Que filme! Que histórico! E no ar, um cheiro de charutos misturado ao do melaço daquele rum, que dizem ser conservado por dois séculos em barris especiais. blá... blá... blá... E o sol... Na vitrine de uma pequena livraria o livro do Garcia Marques: Cien anos de Soledad... Ah, e o sol!... que se espalhava por sobre os casarões antigos, por sobre aquelas paredes ainda crivadas de balas e por sobre as ondas do mar estupendo do Caribe - ondas que estalavam junto aos paredões do Malecon - e que ia até as ruínas de Tulum, no México.

Viva Cuba!, Mierda!

 




sábado, 20 de novembro de 2021

Acredite se puder... Quando é que se conseguirá abandonar a Idade Média?


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Ao invés de mandá-los ler os Enciclopedistas; Cioran; Vargas Vila ou, até mesmo, Gregório de Matos, 'preocupados' com o sucesso dos estudantes que, neste final de semana, prestarão o exame do ENEM, os padres de um Santuário de Mato Grosso do Sul, - acredite se puder -, valendo-se de 'forças ocultas', lhes estão presenteando canetas abençoadas, com a insinuação de que seu uso durante as provas lhes garantirá um bom resultado nas matemáticas e lhes orientará, também, para a 'confecção' de uma redação no estilo de Baudelaire... Inacreditável! E os alunos, que desde o Primeiro Grau até agora, suportaram passivos as embromações e os horrores das escolas, fingem acreditar. Será que perderam a fé no escapulário? Sim, porque, mesmo os mais malas e ainda não iniciados nos mistérios do além, o que poderiam dizer? Recusar? Ora!, como suas mães, apostam nessa espécie de feitiçaria e de cola transcendental, nessa espécie de traquinagem e de trapaça contra o saber e o 'destino'... Com a qual, se funcionar, pretendem passar a perna em seus concorrentes, nos burocratas do INEP, em suas famílias e em si mesmos... E isso, que estamos há uns quinhentos anos da Renascença e do Iluminismo... Imaginem como devia ser 'o túnel bárbaro e obscurantista' nos tempos que antecederam Giordano Bruno e Thomas Morus...

Enfim, essa religiosidade fajuta & mambembe reafirma aquilo que assegurava um pensador colombiano: "O único método reflexivo de triunfar é a mentira; a verdade é espontânea e irreflexiva, por isso leva sempre à derrota. Ninguém se salvou por dizer uma verdade; todos os vencedores o foram pelo poder de uma mentira..."





quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A Bíblia, a Lei Amazônica, a Ministra Cármem e a velhinha da Armênia...




 "(...) que as igrejas essas associações resultantes da identidade de crenças, vivam livres na adoração do seu Deus, na propagação da sua fé, na difusão de suas doutrinas que elas, independentemente de qualquer poder estranho, possam elevar-se à adoração do eterno princípio de todos os seres: que, por seu lado, o Estado, único poder nas sociedades livres. gire independentemente na órbita de sua ação, e não queira comprimir os cultos senão quando eles ofendem a paz das sociedades: eis o nosso ‘desideratum’. Queremos, em suma, de uma lado a perfeita liberdade para o Estado: do outro a perfeita liberdade para a consciência, ou, na frase de Lamartine, a liberdade para Deus” . (Declaração do incensado Rui Barbosa)

(GALDINO, Elza. Estado sem Deus. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 5)

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O dia amanheceu como amanhecem os dias em Chernobyl: cheio de nuvens nada simpáticas que ameaçam outro diluvio... No mercadinho da esquina, eis que aparece a velhinha armênia, - com seu lenço  amarelo de seda italiana amarrado na cabeça e um incômodo guarda chuva pendurado na cintura - que comprava um maço de bardanas. (Aproveito para dizer que, não sei se pelo longo tempo de confinamento, sinto uma alegria imensa quando a encontro). Parecia furiosa, num diálogo que travava com outra cliente, uma senhora também passada dos 90 que ainda estava com a roupa de dormir e os poucos cabelos que tinha, de tão desalinhados, lembravam um ninho de serpentes ou a Medusa de Caravagio.


Discutiam sobre a tal Lei Amazonense, que nestes dias foi proscrita pela Ministra Cármem Lúcia, do Supremo. A tal Lei, para quem não sabe, obrigava o Estado do Amazonas a prover todas as escolas e todas as bibliotecas daquele Estado (que não são muitas) de, pelo menos, uma Bíblia Sagrada. (A idéia, descaradamente comercial, para desovar uma edição empacada, todo mundo se pergunta, teria partido de um padre, de um do governador ou de um editor arruinado? Ou dos três juntos, numa espécie de ménage à trois?)  A velhinha dos cabelos serpenteados, que é alucinada e fanaticamente mística, estava indignada com o ato da Ministra. Já a velhinha armênia, que cospe sobre todas as supostas divindades, parecia eufórica e, até fazia apologia dos patriarcas incorruptíveis do STF.

Imaginem,  - dizia - se, ao invés da Bíblia, tivessem obrigado a que cada escola e cada biblioteca tivessem, pelo menos um exemplar do Livro Sagrado dos Tikunas ou dos Ianomâmi ou dos Manaós! Como ficariam os Macuxi; os Xavantes; os Terenas, etc? Sem falar do Corão; do Talmud; do Bhagavad Gita; do Kapital, de Marx; do Páli Tripitakan, dos budistas; dos Escritos de Lacan; do Livros dos Mortos, dos egípcios; das ficções de Madame Blawatski; do I Ching e, claro, do Evangelho segundo Chico Xavier... 

Seria uma impostura ridícula! Mais ou menos como obrigar que cada escola e que cada biblioteca (que quase nem existem) tenha em suas prateleiras a obra completa do Marques de Sade...

A velhinha das serpentes na cabeça reagiu: Mas o problema não é só dos amazonenses, havia uma Lei igual a essa também no Estado do Rio de Janeiro!

Pior! - retrucou a armênia - Isto só indica que essa gente ainda não entendeu que desde 1890 o Estado é laico... que esses babacas seguem confundindo o Trono Imperial com o Altar Católico... Enfim: que a imbecilidade não é regional, mas sim nacional. E que entre o Rio de Janeiro e Manaus, apesar do teatro e dos delírios da petite bourgeoisie, a única diferença é que enquanto uns mergulham em Ipanema os outros submergem em Ponta Negra! Mas que na essência, os dois são ZONAS FRANCAS...

Antes de despedir-me, ouvi que ela confidenciava entredentes à moça do caixa - a moça singela que contava as moedas que ela havia depositado sobre o balcão - que seu marido, oito anos mais velho do que ela, havia começado a usar viagra (um genérico vindo do Paraguay) e que estava 'dando uma' às 18:00 horas; outra lá pela meia noite e que de manhã, ainda amanhecia com o negócio duro. Eu, - dizia - que já não estou com a lubrificação muito boa, não sei que pomada usar para amenizar as assaduras... A caixeira a ouvia um pouco intimidada, e não escondia uma misteriosa e perversa perturbação...

 

 

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Depois da COW Parade, de uns anos atrás, agora os paulistanos ganharam um touro. E, como vai o Rio Tietê, com essas chuvas e com suas águas radioativas?

 "Os que acendem círios no altar do ideal, 

a maioria das vezes são subvencionados por uma fábrica de velas,,,"(P)









Com a mania de copiar gregos e gringos, os banqueiros paulistas resolveram plantar um touro em frente à Bolsa de Valores. Qual seria a verdadeira fantasia dessa gente? E, curiosamente, a encomenda veio com as bolas, mas sem o orifício tradicional abaixo do rabo. Qual seria a explicação? Um touro? A que nos remete a imagem de um touro em frente a esse templo de agiotas? Das 90 vaquinhas que foram distribuídas pelas ruas de São Paulo, na tal COW Parade de 210, todo mundo intuía o significado, mas desse touro... e com esses dois bagos em ouro... o que estão querendo insinuar? Teria alguma coisa a ver com o monumento levantado lá em frente à Bolsa de Valores de Milão?




 Seria uma questão de gênero? Lembram do Touro negro Encantado, na Praia dos Lençóis do Maranhão? Que, segundo os sebastianistas, nas noites de sexta-feira, sem lua, aparece com uma estrela na testa? E que seria a incorporação de El Rey, Dom Sebastião, aquele desaparecido lá no Marrocos... blábláblá? Lembram da paixão de Pasifaa e de Europa, pelos touros? E do Touro de Botero, aquele que 'chifrou' definitivamente a Ramon Torres? E do Rio Tietê, com suas espumas radioativas, do qual ninguém fala?















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Nos dias seguintes:





Esperando Godot...

terça-feira, 16 de novembro de 2021

O governador está em Portugal; o presidente da Câmara, em Lisboa; o presidente da República, nas arábias e o ex-presidente, em Paris... Todos fumantes do mesmo cachimbo... enquanto o populacho, dopado, segue esperando Godot...

 "Tal como as crianças, preferem ouvir duas vezes a história 

que sabem de cor, a escutar uma inédita..."(P.)














O mendigo K, o paleolítico e Flaubert...

Nesta manhã, com o dia que amanheceu chuvoso, os mendigos se amontoavam como lobos sob a marquise da padaria por onde já flutuava o cheiro voluptuoso da farinha no forno e do açúcar na chapa... Sem falar da fumacinha que subia do coador de café... Até eles, que não precisam cumprir horários, que não fazem parte do teatro oficial e que não lutam por prosperidade e nem para vir a ter um monumento em praça pública, precisam de uma cafeína pela manhã. Outras drogas são para bem mais tarde... E cada categoria ou classe se droga de seu jeito. Dizem que seria difícil suportar 80 ou 90 anos sóbrio, limpo e desintoxicado. E que foi por isso que algumas drogas, tanto física como espiritualmente, desde o paleolítico até hoje, vieram sendo testadas e adotadas com devoção...

Por falar em paleolítico, dois ou três, trêmulos de frio e de fome, estavam com camisetas onde havia impressos os animais que foram identificados lá na gruta de Lascaux... Dizem que um deles,  - que doutorou-se em arqueologia -, por seu bisavô viver na Comuna de Montignac, gostava de passear pelo Vale do Vézère, de vadiar por sítios arqueológicos e que as trouxe de lá... Enquanto esperavam ali, uma filha do padeiro, com trejeitos de noviciado, veio trazer-lhes um pacote com uma dúzia de Croisants de Baru. Eles, acostumados às maneiras e às baixezas do tugúrio, receberam a oferta quase indiferentes e depois que ela voltou para a direção dos fornos, murmuraram esta frase de Flaubert: a fraternidade é uma das mais belas invenções da hipocrisia!





segunda-feira, 15 de novembro de 2021

MUSEUS: E a França, quase envergonhada, começa a devolver à Africa os bens que dela roubou, durante séculos...


 "Os franceses sempre serão metade tigres e metade macacos. Tanto se divertem lá na Praça de Grève, onde ocorrem os guilhotinamentos, como vendo os equilibristas sobre a corda bamba dos boulevards" (Voltaire)

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domingo, 14 de novembro de 2021

Por favor, onde fica o WC?




"A superioridade do homem sobre os outros mamíferos é que ele se limpa o cu"

(Léo Campion)


Com o Conflito e a Neurose de Identidade que assola o mundo dito moderno, onde o sujeito já não sabe mais se é um homem, uma mulher, um misto dos dois, um rinoceronte, um ganso, uma cabra, um lagarto ou um novo Ser que Darwin não previu (mas que Freud já imaginava), o transtorno, como era de se esperar, chegou às toaletes, aos WCs, às privadas e etc. Nesta semana, uma mulher que teve uma espécie de surto ao precisar usar a toalete de um Mac Donald, lá no interior de São Paulo, filmou sua crise e a compartilhou, para que outros testemunhassem sua fobia e indignação com o que ela chamou de banheiro multigênero. Isto e, um banheiro que é usado por todo tipo de gente, por aqueles que no passado mijavam em pé, mas que agora mijam de cócoras e vice-versa. Sem falar dos coprófagos modernos de todos os gêneros. Ah, essa mulher deveria ter conhecido as antigas toaletes da Macedonia! A queixa mais comuns das que continuam mulheres, sobre essa novidade escatológica, é a respeito do fato de, às vezes, estando lá, em suas intimidades, ao lado de alguém que pensam ser "outra", de repente, apesar do Baton, das calcinhas de seda e da tatuagem do Al Capone sobre o púbis, a colega apresenta algo estranho no lugar onde deveria estar um sóbrio órgão feminino ou uma pacata vulva... etc, etc. Ah, os terrores dos vasos sanitários! Esses supostos transmissores da sífilis, dos corrimentos, da gonorréia e da AIDS e até mesmo da gravidez. Tudo mentira! Tudo fruto de um imaginário domesticado pela vergonha, pelo preconceito e pelas fobias, como o demonstram as privadas das escolas primárias, com suas portas que deixam aparecer apenas os pés e a cabeça, para que assim os bedéis e as matronas possam vigiar seus pequenos usuários... Privadas que, segundo Campos de Carvalho, ficam sempre lá nos fundos. Não mudam nunca. Até parece que existe uma convenção a esse respeito... e que é sempre de costas para a rua, onde a gente tem que urinar para cima para não acabar urinando no bolso..."

Se para as mulheres esse momento íntimo sempre foi problemático, agora, com essa variável, ficou ainda mais conflitivo. Penso na Simone de Beauvoir que, segundo seus biógrafos, sempre que se sentava no trono, tinha a "mania" de ficar se ferindo com uma medalha que levava ao pescoço...

Mas, independente da arquitetura e da sociologia desses lugares fedorentos e asquerosos, é importante lembrar que a merda, como diz Milan Kundera, "é um problema teológico tão ou mais penoso que o mal. Que Deus dá liberdade ao homem e que podemos até admitir que ele não seja o responsável pelos crimes da humanidade, mas a responsabilidade pela merda cabe inteiramente àquele que criou o homem, somente a ele..."