domingo, 5 de abril de 2020

Um ciclo ordinário! Uma comédia hedionda!

A manhã apareceu estupenda e ensolarada. Tudo parece normal. Ninguém diria que por detrás de cada janela existe um batalhão de sujeitos fóbicos e apavorados vendo as noticias e a alta rotatividade nos cemitérios do mundo. Quem poderia imaginar que ainda iríamos vivenciar uma pandemia, com seus estragos e seus horrores?  
E está sendo um golpe duro  até para a ciência. Nocauteada! Ela que, segundo Lacan, era a única com a possibilidade de subversão... em nocaute!  (Só a ciência é subversiva!? dizia aquele revisionista freudiano).
(Pintura de Dalla Venezia)           Apesar de apostar tudo na lavagem das mãos, no confinamento e no álcool... mais ou menos como na Peste Negra de 1300, mas o coronavírus parece disposto a passar como um trator por sobre todos os pretensos avanços do iluminismo. Revisem o atordoamento social das primeiras epidemias ainda lá na época em que não havia sabão e nem papel higiénico. 
Que passa? 
Como é que se deixou aberto esse flanco para um invasor invisível que 99,9% não têm a mínima ideia do que se trata? 
Vírus? 
O que é isso? 
Se parece com um piolho? Qual é sua forma? De onde provem? Qual é seu objetivo? Por  que elimina o corpo onde se aloja? 
Pode ser combatido com jejuns, com peregrinações e com rezas? Mas então, por que não convocar o Conselheiro, aquele de Canudos, lembram?
E os organismos internacionais, que supostamente cuidam da saúde no mundo,  por que ficaram tanto tempo hibernando? E por que, só agora, correndo atrás dos prejuízos, abrem os cofres, como se o dinheiro pudesse corromper e prostituir até o vírus, querendo  comprar o recuo da doença? E praticamente nenhuma palavra sobre a Africa! A não ser a intenção de testar as vacinas por lá e de saber como vão as minas de diamantes de Botsuana.
Mandaram-me um trecho do Amor em tempo de Cólera, do Garcia Marques. Parole! Parole! Parole!
Assisti aqui da varanda um carcará banqueteando uma pomba. Desceu da cobertura de um prédio como um raio e cravou as garras, uma no pescoço e outra nas costas da pobre pomba que, inebriada com seu próprio arrulhamento, parecia estar a espera de Godot numa dessas árvores secas e cinematográficas do cerrado. Era uma dessas pombas selvagens, carijó (se fosse branca logo apareceria uma beata para dizer que se tratava do Espírito Santo e que o carcará era um disfarce de Satã) mas que ninguém sabe a  razão, se domesticaram. E que agora se confundem com as lacaias que, cheias de piolhos, ficam ali na Praça dos Três Poderes, implorando migalhas aos turistas. Se fodeu! Pensei numa pregação dos delirantes do Karma: num dia os pássaros comem as formigas, no outro as formigas comem os pássaros.
Que ciclo ordinário! E que comédia hedionda!

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