sexta-feira, 3 de abril de 2020

Abaixo o BOM-BRIL...



Os dias de prisão preventiva vão ficando cada dia mais longos e problemáticos. Até meu cachorro caiu num estado de letargia que,  para abrir a boca, parece custar-lhe uns anos de vida. E começou a desenvolver uma aversão quase absoluta pela comida, como se estivesse vociferando: mil vezes a morte que o confinamento. E, o pior, é que não sabe que a nossa 'Primavera Negra' ainda esta por chegar. Que isso sirva de alerta ao judiciário e aos incansáveis defensores da prisão perpétua. Por que tanto moralismo contra a guilhotina?
O Mendigo K. apareceu lá em baixo, junto ao vendedor de pamonha que passa na quadra todas as tardes e gritou-me que esta lendo DESESPERO, de Nabokov e que, inclusive, era ele o mendigo que Nabokov encontrou nos arredores de Praga. Ficou por uns minutos gritando lá de baixo frases que não consegui entender e finalizou com esta, também de Nabokov, lá da página 11: "A especulação filosófica é uma invenção dos ricos. Fora com ela!"
Voltei para a pia, onde me esperava uma pilha de panelas, pratos, colheres, garrafas de vinho, copos, sementes de tâmara, os remédios de meu cachorro,  um barril de água e, a coisa mais horrível de qualquer confinamento: um pacote de BOM-BRIL. Digo BOM-BRIL sabendo que se trata de uma metonímia. Esponja de aço. Durante décadas e mais décadas as mulheres foram domesticadas por aquele sujeito com cara de idiota que fazia propaganda do BOM-BRIL. Lembram? Lustrar, limpar, deixar impecável, como se a limpeza fosse uma declaração de amor! Caralho! Mas é o sintoma principal da repressão sexual! E depois, lá fora nem sequer existe saneamento básico! Abaixo o BOM-BRIL! Voltei ao Nabokov. Quem lê seu Lolita, rejuvenescerá trinta anos!




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