sexta-feira, 10 de abril de 2020

Passando o rodo...





 "Há toda uma tragédia rugindo por entre as nuvens e pedem que brinquemos de criança porque é o dia de Pentecostes..."
Campos  de Carvalho



A manhã passou num piscar de olhos! Meio balde com agua e detergente, outro com agua limpa. Um pano desses comprados nos semáforos e um rodo de cabo vermelho. Uma fisgada nos músculos das costas. Alguém me liga para pedir que eu tenha cuidado para não escorregar e quebrar a caixa craniana. Meu professor de violino me manda a partitura de Yumeji's Theme. Lá fora o dia esta uma maravilha! Invejo o vendedor de pamonha que durante todos esses dias de confinamento passou lá em baixo gritando: 
- Olha a pamonha! Olha o curral!
É um típico caipira do interior de Goiás: magro, quase só músculos, umas calças um palmo acima dos sapatos, um chapéu que lhe esconde  a testa e os olhos, uma camisa desbotada, quase lilás, da cor daquelas vestimentas que os antigos discípulos de Rajneesh usavam.
Olha a pamonha!
Olha o curral!
De vez em quando passa com um rádio ligado ouvindo uma daquelas músicas idiotas que os caipiras veneram.
Será imune ao vírus? Ou nem sabe do que se trata? Ou seria um discípulo inveterado do Bolsonaro e contrario a quarentena? Ou simplesmente um sujeito que já esta de saco cheio de viver? Para muita gente religiosa e fanática, se existe alguma chance de emancipação, ela só pode estar na morte. Idealizam um paraíso cheio de cerejeiras, ouvindo o Adágio de Albinoni ao lado da Irmã Dulce!
E é tão verdade que o confinamento vai exacerbando as perversões dos confinados, que me surpreendi atrás das cortinas, o rodo na mão e ouvindo o que diziam duas vizinhas do prédio da frente. Uma em cada janela de seu apartamento. Estavam ainda com aqueles roupões anti-sexuais de dormir, deviam ter uns 40 anos e falavam sabe o quê? Sobre comida. Uma dizia que gosta de frango chinês, isto é, com bastante courri (curry). A outra, um pouquinho mais gorducha, lhe passava uma receita de tortillas espanholas. Tentei descobrir por que aquela escuta me dava tanto prazer e concluí que elas me transportavam para a ilha de Santorini. As casinhas redondas e brancas, umas encostadas nas outras e as mulheres esqueléticas e queimadas de sol trocando intimidades no meio daquele espaço mitológico e daquele mar indescritível. Conhece Santorini? Não? Mas passaste a vida inteira fazendo o quê? Filosofando? Enfiado em tua toca? Militando em nome de ladrões e demagogos? Fazendo a apologia da miséria? Lendo bulas de remédios? Passando o rodo no assoalho? Juntando centavos e correndo leva-los para a CAIXA ECONÔMICA? Indo implorar milagres ali na capela da esquina? Inventando mentiras para não magoar o rebanho? Esperando pela Páscoa e por outra Gripe espanhola? Pagando tua lápide no Campo da Esperança? Que miséria! Que espírito de subalterno! (Como diria Gramsci). E não pense que com esse comportamento de sedentário, de babaca e de condenado entrarás nos Reinos dos Céus. Haverá lá um sujeito que interditará tua passagem e que te mandará de volta (para este inferno) com a missão de dares a volta ao mundo, a pé. Se liga, bundão!

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