quarta-feira, 27 de outubro de 2021

O DIA DO JUÍZO final, na CPI...





"Se a peste concedesse subsídios, não lhe faltariam aduladores e servos..." (Proisy d'Eppe)


Na terça-feira, dediquei algumas horas para assistir à leitura do Relatório final da CPI da COVID. Quem não assistiu, perdeu. Foi impressionante. E tudo num clima impregnado de religiosidade. As roupas, os gestos, os movimentos das mãos, as palavras, a liturgia. Se tivessem levado um padre para dar uma benção aos inquisidores e aos condenados, teria sido o máximo. O ritual teve três pontos altos: 1. O momento em que o redator enquadrou um velhote senador do RS, por este ter voltado a mencionar a maldita cloroquina;   2. Quando dois senadores, emocionados, recitaram alguns poemas em homenagem aos mortos, às 600 e tantas mil vítimas da pandemia e o Terceiro, quando, por sugestão de uma ilustre senadora do Maranhão, em homenagem aos mortos, todos ficaram em pé e em silêncio!

O câmera, (não sei se por casualidade ou se por lucidez) que  mostrou todos aqueles senhores & senhoras de costas, de cabeça baixa e com uma mão segurando a outra na altura dos genitais, sem saber, estava registrando ali uma cena cinematográfica extraordinária, quase de outro mundo. Enquanto admirava aquela performance eu resmungava para mim mesmo uma frase que havia lido lá no Gog, de Papini, que parecia não ter nada a ver com aquele momento mas que não me saia da cabeça: as peripécias de um professor demoníaco servido por um demônio profissional....

Por mais que eu me esforçasse para manter-me sóbrio, dentro do decoro e da altura daquele ambiente, afinal de contas, já sou um homem com mais de 71 anos, também ouvia uma voz insistente e meia autoritária que vinha de meu íntimo e que me dizia: Bazzo, perceba como isto se parece às vezes a uma delegacia de policia e às vezes a um colégio de freiras!

E os ilustres senadores, esquecendo os esgotos que-correm-a-céu-aberto; as cadeias lotadas de gente que está presa ilegalmente e as condições gerais de penúria em que se debatem os eleitores de seus próprios estados, elogiavam mútua e amorosamente a competência uns dos outros. Um dizia que sem a existência do outro a CPI não teria existido e este retrucava com um verso, com uma epifania ou com um elogio ainda mais cabotino, fraternal e fictício. Mas os mais inusitados panegíricos foram dirigidos à meia dúzia de mulheres que compunham o grupo. E o faziam com palavras que, para um linguista profano, não acadêmico, poderiam estar insinuando  exatamente o contrário. Eram palavras vazias, abstratas, quase bizarras, que frequentemente se ouvem nas feiras e nos bazares mas, segundo eles, sempre republicanas. Pareciam ter chegado recentemente de Pasárgada... E não se cansavam de fuzilar em coro o Presidente da república que, cansado de dizer bobagens antropológicas e médicas, deveria, naquela hora, estar refugiado em seu Palácio e de lá, assistindo aquela sessão cercado por generais e tomando um chá de Ivermectina...

De vez em quando, um ou outro (valendo-se ora da teosofia, ora da ontogenia, como desculpa) quase tinha uma ereção ao mencionar o Tribunal Penal Internacional ou o Estatuto de Roma... Mas como, na verdade, ninguém sabia muito bem do que se tratava, dava meia volta e, brandindo febrilmente os braços como um asceta no deserto, cacarejava agora uma ou outra bobagem lírica e utópica em nome de Deus. Teve até uma ilustre senadora que depois de mencionar o calvário de achaques e de horrores pelos quais passam as mulheres num mundo  - cada vez mais machista, mais homofóbico e mais misógino -, e depois de anunciar a luta que, necessariamente, terá que ser travada daqui para diante se se quiser domar esses estúpidos e sexistas brutamontes, lembrou a clássica frase do camarada Che Guevara: Pero... sin perder la ternura jamás!

Saldo: Oitenta e tantos indiciados por algum tipo de teimosia, de ignorância e de delinquência no manejo com o vírus, com as vacinas, com os hospitais, com os remédios, com os memorandos, com o oxigênio, com a grana, com a maconha, com as funerárias e até com as palavras... Sim, com o crime dos adjetivos! Ah, os adjetivos!  

E eu que sempre os considerei o pináculo e o esplendor da linguagem... que sem eles, os discursos, os negócios e até as transações amorosas por mais melodramáticas e histéricas que sejam, não passam de um lero lero entre surdos, entre bufões invejosos, vaselinas e entre babacas...

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EM tempo: Enquanto concluía este texto, recebi do Museo Nacional-Centro de Arte Reina Sofia, de Madrid, um comunicado de que, nos próximos dias, estarão abrindo uma exposição, etc, etc. O que mais me interessou no referido oficio, foi que no final, imprimiram, como 'epígrafe', esta frase retirada do livro Seven Pillars of Wisdon, de T.E. Lawrence: "But the dreamers of the day are dangerous men". 
Que, segundo o tradutor do Google, pode ser lido assim: Mas os sonhadores do dia são homens perigosos... (Pelo menos não veio com o slogan do Santander!)





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