"Ouvindo o rufar dos tambores que se afastam, tem-se por um instante a impressão de que o batalhão saiu do mundo...
"(Ramón Gómez de la Serna)
E a polêmica com um jogador de vôlei lá de Minas Gerais continua.
Ao ver a imagem de dois personagens do mesmo sexo se beijando numa dessas revistinhas norte-americanas feitas por e para beócios, o jogador (que não é lá um grande pensador) teria resmungado: "Ah, é só um desenho, não é nada demais... Vai nessa que vai ver onde vamos parar".
E esta frase, tão profundamente filosófica e tão revolucionária, por incrível que pareça, abalou o judiciário, alterou a cotação da libra e causou um terremoto no mundo cult dos esportes.
- O que ele estaria querendo dizer com isso?
- O que a sociedade achou que ele estava querendo dizer?
- O que os vendedores da FIAT e da GERDAU (essas duas indústrias filantrópicas ) interpretaram nessa frase?
- E por quê a irmandade gay se sentiu tão ameaçada?
A velhinha armênia que neste sábado estava comprando ovos caipiras e que segundo ela, está acostumada a ver de sua janela, não apenas dois homens ou duas mulheres se beijando, mas até sessões completas de boquete, e de cunnilingus, estava intrigada.
Ah! o mundo está muito moralista e muito sentimental! Durante décadas ficaram lendo calados e abobalhados aquelas revistinhas reacionárias, impregnadas de moralismo ideológico, politico e religioso, onde todos os personagens eram assexuados e agora, subitamente, se assustam com um beijo entre dois heróis? E pior: heróis imperialistas! Se espantam com o espanto de um pobre jogador! Que porra é essa? Até quando o homossexualismo se manterá por aí como um fantasma?
E atenção: homofobia não é apenas capricho, teimosia ou burrice. É fobia. E ninguém em sã consciência tentaria convencer, por exemplo, alguém que sofre de acrofobia (terror de alturas) a saltar de para-quedas... Não é verdade? Por isso, é necessário ter paciência, muita paciência, mas também lembrar que até 1991, os sábios taumaturgos da OMS aqueles que redigem e comandam o Código Internacional de doenças CID) classificavam o homossexualismo como um transtorno. Como saber se estavam mentido antes ou se estão manipulando o rebanho agora? Muita paciência, já que quem passou por uma universidade médica naqueles tempos, foi adestrado sob aqueles conceitos... E que portanto, não dá para querer sufocar a homofobia a martelaços, com melodramas e muito menos com apoio do Sancta Sanctorum do Estado e das revendedoras de automóveis. Além disso, depois de Freud se sabe (e muito bem) que quem defende uma causa, não necessariamente está a favor dela, veja-se o que são os mecanismos Contrafóbicos e a Formação reativa.
E depois, a soberania e o empoderamento - foi me dizendo - seja racial, sexual, étnica ou politica, sempre foram conquistas pessoais, nunca se poderá esperar ou iludir-se de que nos possam ser concedidos por Outros. E mais: todo desejo é subversivo! Seja ele por uma mulher, por um homem, por uma divindade ou até mesmo por uma cabra! Implorar tolerância da igreja; proteção do Estado e cumplicidade dos inimigos é o resultado de uma comiseração crônica e infantil, para não dizer de uma idiotice!.., um pedido de misericórdia e uma estratégia que acabará por cavar uma cova onde o Desejo, tanto o próprio como o dos outros, será sepultado.
Fez um silêncio, apalpou os ovos, conferiu a data de validade, indagou ao vendedor se realmente eram de galinhas caipiras ou de galinhas criadas em cativeiro e murmurou: E depois, Bazzo, em termos de sexualidade somos ainda mais atrasados que nossos primos chimpanzés. Homens, mulheres, hetero e homossexuais, bissexuais, trisexuais, pansexuais, assexuados, todos ainda estamos chafurdando na mesma miséria da Idade das Trevas e num moralismo beato... Apesar do teatro dos Don Juans; das passeatas; da simulação de assédio; da indústria da sedução; das blusinhas de seda italiana; das depilações; dos estupros e de outros crimes genitais; apesar dos decotes e da logorréia sexista, o que tem prosperado mesmo é o universo dos punheteiros e dos assexuados...
Na bizarrice dessa polêmica, - concluiu com voz solene - o que mais me espantou nem foi a questão sexual, o tsunami que se abateu sobre aquele jogador, mas descobrir a quantidade de Barnabés (homens e mulheres com quase cem anos,) que foram domesticados por esses 'gibis' e que ainda os cultuam no país, (O Pato Donald, o rato Michey o Marvel o Yellow Kid, o Zé carioca, o Superman, o Mangá... etc, etc, etc...) Ah! esse passatempo para simplórios e analfabetos e essa estratégia sutil dos colonizadores para dopar e colocar na canga os subalternos das colônias! (passatempo que só não são mais emburrecedores do que os Puzzles, as Palavras Cruzadas e os Cadernos para Colorir!!!) Que miséria! E
que existência ordinária!
Antes de retirar-se perguntou-me se já li o livro de Armand Mattelard e Ariel Dorfman com o titulo: PARA LER O PATO DONALD.
Lá fora, um céu azul com uma constelação de pequenas nuvens... Afinal, hoje é sábado... Um homem bêbado tropeça numa árvore e lança maldições para todos os lados porque está paranóide e porque acredita que está sendo perseguido pelos gerentes do Centro dos AA...
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