sábado, 30 de outubro de 2021

Viagem ao fundo dos galinheiros... Ou: Por quem os galos cantam...

 

"Um homem foi preso, nesta sexta-feira (29/10). suspeito de matar um vizinho depois de uma briga por causa de um galo, em Petrópolis, no Rio de Janeiro. De acordo com a Polícia Civil, o homem morto acreditava que o animal cantava o nome do presidente Jair Bolsonaro. 

O crime aconteceu em 4 de setembro. O homem levou um tiro e depois de caído ainda foi golpeado na cabeça com uma pedra de aproximadamente oito quilos. Segundo a investigação, a briga entre os vizinhos já durava muito tempo motivado pelo barulho do galinheiro. Por fim, a vítima acreditou que o suspeito teria ensinado o galo a cantar "Bolsonaro" por implicância. O suspeito chegou a fugir do local e se abrigar na mata, mas compareceu a delegacia dias depois para dar depoimento". (Correio Brasiliense de hoje)


https://bilisnegraeditora.minhalojanouol.com.br/produto/358641/viagem-ao-fundo-dos-galinheiros  
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A VIDA EM QUADRINHOS... E a idiotice que vai se agravando...

"Ouvindo o rufar dos tambores que se afastam, tem-se por um instante a impressão de que o batalhão saiu do mundo...
"(Ramón Gómez de la Serna)






E a polêmica com um jogador de vôlei lá de Minas Gerais continua. 

Ao ver a imagem de dois personagens do mesmo sexo se beijando numa dessas revistinhas norte-americanas feitas por e para beócios, o jogador (que não é lá um grande pensador) teria resmungado: "Ah, é só um desenho, não é nada demais... Vai nessa que vai ver onde vamos parar".

E esta frase, tão profundamente filosófica e tão revolucionária, por incrível que pareça, abalou o judiciário, alterou a cotação da libra e causou um terremoto no mundo cult dos esportes.
- O que ele estaria querendo dizer com isso? 
- O que a sociedade achou que ele estava querendo dizer? 
- O que os vendedores da FIAT e da GERDAU (essas duas indústrias filantrópicas ) interpretaram nessa frase? 
- E por quê a irmandade gay se sentiu tão ameaçada?
velhinha armênia que neste sábado estava comprando ovos caipiras  e que segundo ela, está acostumada a ver de sua janela, não apenas dois homens ou duas mulheres se beijando, mas até sessões completas de boquete, e de cunnilingus, estava intrigada.
Ah! o mundo está muito moralista e muito sentimental! Durante décadas ficaram lendo calados e abobalhados aquelas revistinhas reacionárias, impregnadas de moralismo ideológico, politico e religioso, onde todos os personagens eram assexuados e agora, subitamente, se assustam com um beijo entre dois heróis? E pior: heróis imperialistas! Se espantam com o espanto de um pobre jogador! Que porra é essa? Até quando o homossexualismo se manterá por aí como um fantasma? 
E atenção: homofobia não é apenas capricho, teimosia ou burrice. É fobia. E ninguém em sã consciência tentaria convencer, por exemplo, alguém que sofre de acrofobia (terror de alturas) a saltar de para-quedas... Não é verdade? Por isso, é necessário ter paciência, muita paciência, mas também lembrar que até 1991, os sábios taumaturgos da OMS aqueles que redigem e comandam o Código Internacional de doenças CID) classificavam o homossexualismo como um transtorno. Como saber se estavam mentido antes ou se estão manipulando o rebanho agora?  Muita paciência, já que quem passou por uma universidade médica naqueles tempos, foi adestrado sob aqueles conceitos... E que portanto, não dá para querer sufocar a homofobia a martelaços, com melodramas e muito menos com apoio do Sancta Sanctorum do Estado e das revendedoras de automóveis. Além disso, depois de Freud se sabe (e muito bem) que quem defende uma causa, não necessariamente está a favor dela, veja-se o que são os mecanismos Contrafóbicos e a Formação reativa.
E depois, a soberania e o empoderamento - foi me dizendo - seja racial, sexual, étnica ou politica, sempre foram conquistas pessoais, nunca se poderá esperar ou iludir-se de que nos possam ser concedidos por Outros. E mais: todo desejo é subversivo! Seja ele por uma mulher, por um homem, por uma divindade ou até mesmo por uma cabra! Implorar tolerância da igreja; proteção do Estado e cumplicidade dos inimigos é o resultado de uma comiseração crônica e infantil, para não dizer de uma idiotice!.., um pedido de misericórdia e uma estratégia que acabará por cavar uma cova onde o Desejo, tanto o próprio como o dos outros, será sepultado.
Fez um silêncio, apalpou os ovos, conferiu a data de validade, indagou ao vendedor se realmente eram de galinhas caipiras ou de galinhas criadas em cativeiro e murmurou: E depois, Bazzo, em termos de sexualidade somos ainda mais atrasados que nossos primos chimpanzés. Homens, mulheres, hetero e homossexuais, bissexuais, trisexuais, pansexuais, assexuados, todos ainda estamos chafurdando na mesma miséria da Idade das Trevas e num moralismo beato... Apesar do teatro dos Don Juans; das passeatas; da simulação de assédio; da indústria da sedução; das blusinhas de seda italiana; das depilações; dos estupros e de outros crimes genitais; apesar dos decotes e da logorréia sexista, o que tem prosperado mesmo é o universo dos punheteiros e dos assexuados...
Na bizarrice dessa polêmica, - concluiu com voz solene  - o que mais me espantou nem foi a questão sexual, o tsunami que se abateu sobre aquele jogador, mas descobrir a quantidade de Barnabés (homens e mulheres com quase cem anos,) que foram domesticados por esses 'gibis' e que ainda os cultuam no país, (O Pato Donald, o rato Michey  o Marvel o Yellow Kid, o Zé carioca, o Superman, o Mangá... etc, etc, etc...) Ah! esse passatempo para simplórios e analfabetos e essa estratégia sutil dos colonizadores para dopar e colocar na canga os subalternos das colônias! (passatempo que só não são mais emburrecedores do que os Puzzles, as Palavras Cruzadas e os Cadernos para Colorir!!!) Que miséria! E
que existência ordinária!
Antes de retirar-se perguntou-me se já li o livro de Armand Mattelard e Ariel Dorfman com o titulo: PARA LER O PATO DONALD.
Lá fora, um céu azul com uma constelação de pequenas nuvens... Afinal, hoje é sábado... Um homem bêbado tropeça numa árvore e lança maldições para todos os lados porque está paranóide e porque acredita que está sendo perseguido pelos gerentes do Centro dos AA...

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Luis Ricardo Falero - Granada, Espanha (1851-1896)


 "Criaturas que os asiáticos escravizam, 

os europeus respeitam, os americanos contratam e os latinos seduzem"(Freire)













 


quinta-feira, 28 de outubro de 2021

POS-MODERNIDADE & LUXURIA - Gostaria imensamente de assistir minha bisavó, enrolada em seus trapos bizantinos, lendo e tentando entender esta matéria...


 "Todo critico que se negue a admitir a possibilidade de um cavalo galopar num tomate, é um idiota..."(André Breton)



https://g1.globo.com/pop-arte/diversidade/noticia/2021/10/26/as-lesbicas-acusadas-de-transfobia-por-recusarem-sexo-com-mulheres-trans.ghtml




quarta-feira, 27 de outubro de 2021

O DIA DO JUÍZO final, na CPI...





"Se a peste concedesse subsídios, não lhe faltariam aduladores e servos..." (Proisy d'Eppe)


Na terça-feira, dediquei algumas horas para assistir à leitura do Relatório final da CPI da COVID. Quem não assistiu, perdeu. Foi impressionante. E tudo num clima impregnado de religiosidade. As roupas, os gestos, os movimentos das mãos, as palavras, a liturgia. Se tivessem levado um padre para dar uma benção aos inquisidores e aos condenados, teria sido o máximo. O ritual teve três pontos altos: 1. O momento em que o redator enquadrou um velhote senador do RS, por este ter voltado a mencionar a maldita cloroquina;   2. Quando dois senadores, emocionados, recitaram alguns poemas em homenagem aos mortos, às 600 e tantas mil vítimas da pandemia e o Terceiro, quando, por sugestão de uma ilustre senadora do Maranhão, em homenagem aos mortos, todos ficaram em pé e em silêncio!

O câmera, (não sei se por casualidade ou se por lucidez) que  mostrou todos aqueles senhores & senhoras de costas, de cabeça baixa e com uma mão segurando a outra na altura dos genitais, sem saber, estava registrando ali uma cena cinematográfica extraordinária, quase de outro mundo. Enquanto admirava aquela performance eu resmungava para mim mesmo uma frase que havia lido lá no Gog, de Papini, que parecia não ter nada a ver com aquele momento mas que não me saia da cabeça: as peripécias de um professor demoníaco servido por um demônio profissional....

Por mais que eu me esforçasse para manter-me sóbrio, dentro do decoro e da altura daquele ambiente, afinal de contas, já sou um homem com mais de 71 anos, também ouvia uma voz insistente e meia autoritária que vinha de meu íntimo e que me dizia: Bazzo, perceba como isto se parece às vezes a uma delegacia de policia e às vezes a um colégio de freiras!

E os ilustres senadores, esquecendo os esgotos que-correm-a-céu-aberto; as cadeias lotadas de gente que está presa ilegalmente e as condições gerais de penúria em que se debatem os eleitores de seus próprios estados, elogiavam mútua e amorosamente a competência uns dos outros. Um dizia que sem a existência do outro a CPI não teria existido e este retrucava com um verso, com uma epifania ou com um elogio ainda mais cabotino, fraternal e fictício. Mas os mais inusitados panegíricos foram dirigidos à meia dúzia de mulheres que compunham o grupo. E o faziam com palavras que, para um linguista profano, não acadêmico, poderiam estar insinuando  exatamente o contrário. Eram palavras vazias, abstratas, quase bizarras, que frequentemente se ouvem nas feiras e nos bazares mas, segundo eles, sempre republicanas. Pareciam ter chegado recentemente de Pasárgada... E não se cansavam de fuzilar em coro o Presidente da república que, cansado de dizer bobagens antropológicas e médicas, deveria, naquela hora, estar refugiado em seu Palácio e de lá, assistindo aquela sessão cercado por generais e tomando um chá de Ivermectina...

De vez em quando, um ou outro (valendo-se ora da teosofia, ora da ontogenia, como desculpa) quase tinha uma ereção ao mencionar o Tribunal Penal Internacional ou o Estatuto de Roma... Mas como, na verdade, ninguém sabia muito bem do que se tratava, dava meia volta e, brandindo febrilmente os braços como um asceta no deserto, cacarejava agora uma ou outra bobagem lírica e utópica em nome de Deus. Teve até uma ilustre senadora que depois de mencionar o calvário de achaques e de horrores pelos quais passam as mulheres num mundo  - cada vez mais machista, mais homofóbico e mais misógino -, e depois de anunciar a luta que, necessariamente, terá que ser travada daqui para diante se se quiser domar esses estúpidos e sexistas brutamontes, lembrou a clássica frase do camarada Che Guevara: Pero... sin perder la ternura jamás!

Saldo: Oitenta e tantos indiciados por algum tipo de teimosia, de ignorância e de delinquência no manejo com o vírus, com as vacinas, com os hospitais, com os remédios, com os memorandos, com o oxigênio, com a grana, com a maconha, com as funerárias e até com as palavras... Sim, com o crime dos adjetivos! Ah, os adjetivos!  

E eu que sempre os considerei o pináculo e o esplendor da linguagem... que sem eles, os discursos, os negócios e até as transações amorosas por mais melodramáticas e histéricas que sejam, não passam de um lero lero entre surdos, entre bufões invejosos, vaselinas e entre babacas...

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EM tempo: Enquanto concluía este texto, recebi do Museo Nacional-Centro de Arte Reina Sofia, de Madrid, um comunicado de que, nos próximos dias, estarão abrindo uma exposição, etc, etc. O que mais me interessou no referido oficio, foi que no final, imprimiram, como 'epígrafe', esta frase retirada do livro Seven Pillars of Wisdon, de T.E. Lawrence: "But the dreamers of the day are dangerous men". 
Que, segundo o tradutor do Google, pode ser lido assim: Mas os sonhadores do dia são homens perigosos... (Pelo menos não veio com o slogan do Santander!)





ANTROPOLOGIA - A verborreia interminável sobre a epiderme, sobre o dinheiro, sobre a solidão da existência, sobre a tirania, as cores e o racismo...


"Não convém recusar as recompensas oficiais; o que se deve fazer 
é não merecê-las..."(Jean Cocteau)




https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2021/10/nao-posso-ser-julgado-pelo-que-nao-esta-em-sinhas-pretas-diz-riserio.shtml






terça-feira, 26 de outubro de 2021

Mais um que promete ressuscitar no Terceiro Dia...


Num município de Goiás acaba de acontecer um fato insólito. Surrealista, inacreditável... pra lá da Idade das Trevas...
O enterro de um pastor que morreu há três dias é impedido por sua mulher, com o argumento de que ele lhe havia prometido que ressuscitaria no terceiro dia. Vejam o video. (Adianto que o moço da imprensa é meio prolixo... e não muito objetivo, mas tenham paciência, porque está todo mundo ansioso, esperando para testemunhar a ressurreição do morto).
E se você acreditava que o Iluminismo havia chegado por aqui, é o momento de cair na real... (Pensando bem.., duvido que esse pastor seja tão louco a ponto de querer ressuscitar, de voltar para este hospício...)



https://www.opovo.com.br/noticias/brasil/2021/10/26/goias-corpo-de-pastor-que-prometeu-ressuscitar-em-tres-dias-e-enterrado.html

https://www.youtube.com/watch?v=RB_IfwImvlQ

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

TERRA DE CAVALOS... A arte de domesticar o populacho pela omissão...











 Nesta semana, um dos monopólios de comunicação exibiu uma série chamada Terra de Cavalos. Foi um documentário interessante e com imagens deslumbrantes sobre a existência desse fantástico quadrúpede no país.., mas uma reportagem muito limitada. Unidimensional! Sem gravidade!

O Mendigo K, que tem dois pangarés que sempre aparecem por aí atrelados a uma carroça feita com sucatas, estava indignado com a superficialidade e com a falta de conteúdo da matéria. Dizia: a omissão é uma forma sutil de censura e de educar para a pobreza e para o atraso. Se preocuparam apenas em mostrar o cavalo nas fazendas dos milionários; o cavalo como fetiche e instrumento de trabalho para um ou outro campônio; o amor da pequena burguesia por esse monstro domesticado; os negócios que o mercado desse animal agita: fábricas de arreios, de ferraduras, de rédeas, clinicas veterinárias... Tudo o que uma criança suburbana de 10 anos já sabe.., enquanto omitiam fatos bem mais transcendentes sobre esse animal...

Por exemplo, que fatos? Perguntou-lhe desafiadoramente um outro mendigo.

Por exemplo?  - Respondeu meio agressivo - 1. A relação dos ciganos com os cavalos e o fato de que os cavalos da monarquia portuguesa no Brasil eram todos adestrados por ciganos. 2. A importância dos cavalos na primeira e segunda guerras mundiais. Aliás, em todas as guerras. 3. O espanto dos nativos aqui da América, quando viram os espanhóis saindo das caravelas montados nesses 'monstros'. E poderiam, por que não?, até ter mencionado o cavalo Incitatus, aquele a quem Calígula conseguiu uma vaga como senador, no Senado romano. 4. Não mencionaram os cavalos como alimento e nem os mercadores que se infiltravam nos campos de batalha, na Europa, disputando os cavalos feridos ou já mortos, para seus negócios culinários. Aliás, a matéria não informou  nem mesmo que até hoje existem não apenas no Rio Grande do Sul, em Goiás e em Minas Gerais, mas também em Paris e Londres, açougues e restaurantes especializados em carne de cavalo. E nem que nossos jumentos (primos dos cavalos) são exportados aos milhares para a China, onde são banqueteados. Sobre este parente dos cavalos, poderiam ter mencionado, pelo menos, o Asno de Buridam! Quanta omissão! Teria sido por pudor? Que não tenham mencionado o cavalo em performances pornográficas com mulheres, (nos videos mais visitados da internet) é compreensível, mas bem que poderiam ter falado da escultura mais importante de Londres, lá no Arco de Mármore, aquela estupenda cabeça de cavalo... E até mesmo do Cavalo de Troia... Por quê não? O que seria da Eneida, da Iliada e mesmo do poeta Virgílio, se não fossem os cavalos?


E  quem é que não viu lá em San Petsburgo, a estátua de bronze de Pedro (O Grande), montado em seu cavalo? E que mais tarde foi quase substituída por Lênin, agora montado num tanque de guerra?

Fez um silêncio e arrematou: desse jeito, com os meios de comunicação investindo cada vez mais em superficialidades e em 'nivelar por baixo', privilegiando mais a forma do que o conteúdo, apenas para saciar e anestesiar as massas, já entorpecidas, estaremos colaborando para que a pobreza intelectual e o reino dos simplórios se agravem e se perpetuem... 

Enfim, me digam: quem é que já não está de saco cheio com toda essa babaquice rasteira e cotidiana? 

Mas, ao mesmo tempo, me digam: quem é que ainda não sabe que não adianta espernear? Por quê? Porque está tudo dominado e porque, como dizia Flaubert: Vivemos num mundo onde nos vestimos com roupas feitas. Pior para os que têm estatura superior à normal....






TESE DOUTORAL SOBRE OS CIGANOS NO BRASIL - Leitura mais do que importante...


 " Em 1707 foi feita uma consulta ao Desembargo do Paço propondo que todos os ciganos no Reino fossem embarcados simultaneamente em diversos navios para as colônias ultramarinas. O já mencionado alvará de 1708 determinou como punição aos homens ciganos a pena de açoites e a pena de degredo de dez anos dos homens nas galés e das mulheres no Brasil.305 Em 1718, D. João V produziu um novo decreto mandando “exterminar todos os ciganos do reino” sob a alegação dos “seus muitos furtos, delitos graves e excessos cometidos.”306 O decreto ordenou a deportação dos ciganos presos na cadeia do Limoeiro para as possessões ultramarinas portuguesas na África: Angola, São Thomé, Ilha do Príncipe, Benguela e Cabo Verde. Naquele período, o Estado do Brasil também constituiu um importante destino para esses degredados, com destaque para as cidades portuárias do Rio de Janeiro e de Salvador. Após a longa viagem de Lisboa para os portos ultramarinos, as ciganas e os ciganos eram então entregues às autoridades coloniais na África e na América, sendo identificados e registrados". (página 103)



 






domingo, 24 de outubro de 2021

Desiludida - a mulher que se casou porque não gostava de trabalhar...


Neste domingo de primavera, os mendigos estavam reunidos numa pequena pracinha que existe diante de uma igreja católica de onde lhes chegava uns resmungos misturados às notas de um órgão. A cantoria que lembrava ora o Miserere de Mozart e ora os gritos gregorianos, parecia incomodá-los. Estava acontecendo um casamento. De repente a noiva saiu pisando em ovos, com quatro ou cinco babacas lhe abrindo caminho e quatro ou cinco crianças (futuros babacas) que iam atrás levantando-lhe vestido para que não o arrastasse na poeira. Ela ia soberba, com luvas brancas, uma flor amarela nos cabelos, com os olhos cínicos, meigos e infantis procurando as câmeras e os fotógrafos... ia uns dois passos à frente de um padre, quase mais delicado do que ela, que agitava um aspersório do qual saltavam grossas gotas de água benta por todos os lados...  Muitos dos mendigos juravam que a conheciam. Tinham certeza que ela era uma das frequentadoras de um boteco, perto dali, onde se reunem todos os tipos de homens e mulheres, dos mais pervertidos aos mais reprimidos; Lulistas, Bolsonaristas e até quem chora ao lembrar do deputado Clodovil... Gente que intercala Lacan com Marques de Sade; Chico Xavier com Descartes e que, de hora em hora, vai à toalete para cafungar um pó e para apalpar-se...

A mulher do Mendigo K, que há uns cinquenta anos vem tentando convencê-lo a casar-se com ela, não escondia que estava achando tudo aquilo 'Muito Lindo!'... 'Divino!'... 'Uma maravilha!'  O sonho de toda mulher! O Amor! A Sagrada famiglia! A fidelidade! O lar! O adeus oficial ao hímen sem ser acusada de putaria! Meia dúzia de filhos! Enfim: o Matrimônio, no sentido mais idílico & sagrado da palavra!

Para provocá-la ele, já com um bafo de salame com vinho, lhe retruca com uma noticia que seu pai dizia ter lido no The Saturday Evening Post, nos anos em que viveu como um clochard, em Londres: 

 "DESILUDIDA – a mulher que se casou porque não gostava de trabalhar."


sábado, 23 de outubro de 2021

A suástica como arquétipo do mal...(?!)

"O mundo compõe-se de duas grandes classes: os que têm mais jantares do que apetite, e os que têm mais apetite que jantares..."(Chamfort)


Na semana passada houve uma pequena confusão na Câmara Municipal de Porto Alegre onde se discutia a obrigatoriedade ou não do tal Passaporte da Vacina. A confusão começou quando entrou no ambiente um grupo com um cartaz contendo uma suástica. 
Por ter sido usada por Hitler e pelo Partido Nacional Socialista alemão e envolvida com todos os horrores da Segunda Guerra Mundial, esse símbolo foi praticamente proscrito do mundo. Em qualquer situação e em qualquer lugar do mundo que alguém a faça visível, (pela razão que for, mesmo que seja na toga de um budista) é imediatamente associado com Hitler, com o anti-semitismo, com a barbárie e considerado um crime.  Mas isso é por pura ignorância! A suástica é apenas uma suástica! Que tenha sido associada a uma loucura durante a última guerra, isto é outra história. É um símbolo (como a cruz) que já existia como signo de harmonia e de equilíbrio entre indianos, japoneses e até entre os astecas, muito antes dos tataravós de Hitler terem nascido. Portanto, na origem, gire ela para a esquerda ou para a direita, não é um 'arquétipo do mal' e não tem nada a ver com as loucuras nazis. Querer riscá-la do mapa e apagá-la do imaginário da humanidade, além de tornar a vida ainda mais medíocre é uma rabugice reacionária!

Por quê Hitler e seus propagandistas a teriam escolhido?

É compreensível que sua presença acione memórias, lembranças, ódios e traumas terríveis, mas não é com seu degredo que se apagará da historia esse desvario e esse sofrimento. 

Aliás, é importante relembrar da técnica de um dos mais ilustres sobreviventes do nazismo: Recordar, Repetir e Elaborar... "Mesmo sendo o princípio básico da psicanálise: Recordar, Repetir e elaborar, a grande maioria dos analistas não está em condições de colocá-lo em prática com relação ao Nazismo. Estavam, e estão, submetidos aos mesmos mecanismos de defesa, típicos  da sociedade em que vivemos". (p. 23)


quinta-feira, 21 de outubro de 2021

E os porcos começam a negociar rins por pérolas... Pérolas por rins...

"Quando alguém me chama de burro, eu desarmo o atrevido com uma pergunta: 'Perdão: Qual é a capital de Honduras?' P.




Os médicos do Hospital Langone Health, dos Estados Unidos, estão comemorando e extremamente satisfeitos com o sucesso que foi o transplante de rim que fizeram, de um porco para uma mulher. Até agora nenhum sinal de rejeição, a paciente passa bem, ainda não deu nenhum grunhido e, além disso, o resto do corpo do animal, foi comido à moda cubana, ao forno, com banana e abacaxi... A noticia não esclarece se se tratava de um porco Duroc ou Caipira. Ou teria sido um javali? 

Mas... e como ficam, numa mesa de cirurgia, os judeus, os muçulmanos e os Adventistas do Sétimo dia, eles que, depois do Levítico, pelo menos da-boca-para-fora, passaram a considerar o porco um animal imundo?

Não é de agora que nossa intimidade e que nosso parentesco com os porcos (inclusive ideologico) é demonstrado. Já se especulou que outros órgãos, inclusive o coração deles cabe perfeitamente em nosso peito e que a alma, que segundo os hinduístas, (e outros lunáticos) habita nesse músculo, também está perfeitamente adaptada.  

A velhinha armênia do mercado, que diz ser especialista no Novo Testamento, principalmente nas anedotas atribuídas a um pescador conhecido por Mateus e que é louca por um leitão no espeto, me alertava, nesta manhã de quinta-feira primaveril, com flores de todas as espécies desabrochadas, exalando aromas e se exibindo pelas veredas: Bazzo, que os porcos sejam nossos irmãos, de corpo e alma, tudo bem, já o sabíamos, mas que não se jogue precipitadamente pérolas a eles! Não podemos esquecer que o mundo está infestado de porcos chauvinistas! - E continuou: Lembra daquele membro da família Buendia, lá na obra de Garcia Marquez (Cien años de Soledad), um cara que viveu 40 anos, em total celibato e que tinha um rabo de porco? Uma cauda cartilaginosa e no formato de um saca rolhas, com um tufo de pêlos na extremidade, sempre escondido dentro das calças largas e frouxas? E que um belo dia, depois que um açougueiro resolveu extirpá-lo, sangrou até morrer? 

E com ar ainda mais cínico conclui: Graças aos suínos, eis que o temporal se transforma em eterno! Não é uma maravilha

Deu uma longa e sonora gargalhada e saiu do mercado por uma porta dos fundos, sem pagar a conta...


terça-feira, 19 de outubro de 2021

O Mendigo K. e os 10 mandamentos dos vagabundos que se prezam...






Nesta terça-feira a padaria estava vazia. Segundo o proprietário, é normal, é só uma questão de horário. E quando chove, diz, se costuma fazer uma fornada a menos. Havia uma única mesa ocupada, onde o mendigo K discutia com três pessoas que permaneciam em pé, (uma mulher de uns 30 anos, um homem de mesma idade e um bem mais velho) que levavam cartazes denunciando o número de desempregados no país. Ouvi que dizia: Não sejam ignorantes! Deem graças a deus por estarem desempregados! Sinal de que a escravidão acabou... E que - como dizia W. Feather - "se tivéssemos realmente prazer em trabalhar, ainda lavraríamos a terra com arados de pau, e carregaríamos fardos às costas..."

E quando os três que estavam em pé reagiram com indignação, achando que se tratava de uma provocação, ele, antes de tirar do bolso o livro da Corinne Maier, olhando para o mais velho atacou: Isto não é uma ironia, e mesmo que fosse, um homem de sua idade que não suporta uma ironia não é um homem! (Silêncio). Abriu o livro numa página previamente marcada, assumiu uma postura de professor concursado e lhes disse: Prestem atenção que vou recitar-lhes os Dez Mandamentos que todo vagabundo honrado deve conhecer. E foi lendo:

1. O empregado é a moderna figura da escravatura. Recordem-se que a  empresa não é um lugar de realização pessoal, se fosse já nos teríamos dado conta. Você trabalha para receber o ordenado ao final do mês e ponto final, como vulgarmente se diz nas empresas.

2. Não vale a pena querer mudar o sistema, confrontá-lo é o mesmo que o reforçar; contrastá-lo é fazê-lo vingar com mais consistência ainda. Podem, entretanto, dedicarem-se às táticas anarquistas, tipo: instituir um dia consagrado a telefonar para o escritório para dizer Estou doente ou adotar o manifesto Roubem no emprego porque o emprego também vos rouba. Isto até que é engraçado, mas era bom para os contestatários dos anos 70, e sabe-se muito bem aquilo em que eles acabaram se tornando (em patrões).

3. Aquilo que fazem não serve, em última análise, para nada e podem, de um dia para outro serem substituídos pelo primeiro cretino que apareça. Por isso, trabalhem o menos possível e consagrem algum tempo (mas sem exageros) a venderem-se e a criarem os seus próprios círculos; desta forma, estarão dotados de apoios e serão intocáveis (e intocados) no caso de uma reestruturação.

4. Vocês não serão julgados pela maneira como desempenham o vosso trabalho, antes pela vossa capacidade em se conformar com sensatez ao modelo dominante. Quanto mais utilizarem uma retórica oca, mais pensarão que estão ao corrente do que se passa.

5. Nunca aceitem, seja a que pretexto for, um lugar de responsabilidade. Seriam obrigados a trabalhar consideravelmente mais, sem outra contrapartida senão alguns centavos a mais, e mesmo assim...

6. Escolham, nas maiores empresas, as áreas menos úteis: consultoria, peritagem, pesquisa, estudos. Quanto mais inúteis, menos possível será quantificar a vossa contribuição para a criação de riqueza da empresa. Fujam das funções operativas como da peste. O ideal será portanto procurar vir a ser posto na prateleira: estes postos de trabalho improdutivos, muitas vezes transversais, são irrelevantes, mas sem qualquer espécie de pressão de natureza hierárquica: resumindo, é o descanso.

7. Uma vez na prateleira, evitem acima de tudo as mudanças: entre os quadros, só os que mais se destacam é que são despedidos.

8. Aprendam a reconhecer, através de sinais discretos (pormenores no vestuário, piadas fora de tempo, sorrisos amáveis), aqueles que, tal como vocês, não acreditam no sistema e se aperceberam até que ponto ele é absurdo.

9. Sempre que enquadrarem pessoas que estão em situação temporária na empresa (contratados a prazo, tarefeiros, trabalhadores de firmas prestadoras de serviços...) tratem-nos cordialmente; nunca se esqueçam de que são os únicos que realmente trabalham.

10. Convençam-se de que toda essa ideologia ridícula, veiculada e promovida pela empresa, não é mais verdadeira do que o era o materialismo dialético, que o sistema comunista consagrou como dogma. Tudo isso terá a sua época e há de acabar por se desmoronar. Já Stalin o dizia: no fim de contas, é sempre a morte que ganha. O problema é saber quando...

Repetiu a última frase atribuida a Stálin e silenciou. Os três, que pareciam haver subitamente se libertado de uma culpa e de um peso, despediram-se com a clássica submissão dos desempregados, no mesmo instante em que um radialista, com lógica & entonação de astrólogo, anunciava um pequeno diluvio para as próximas horas... 


E pensar que era o máximo!!! (Para começar a entender a imbecilização de minha geração ouça a letra e veja o perfil de quem a cantava...).

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

SEXO E POLÍTICA...


 "Podia também falar, sem inibição, dos espermatozóides, do óvulo, dos órgãos sexuais masculinos e femininos e de sua união. Mas, no entanto, tinha uma excentricidade. Desde sua infância quando se sentava na privada... precisava fechar os olhos!"

Ariel C. Arango

(IN: Las malas palabras)






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Desde sempre, não apenas no inferno matrimonial, mas também no inferno político e no inferno cotidiano, os adjetivos mais frequentes e mais ferozes para tentar 'destruir o outro', são sempre de origem e de conotação genital. Nesta semana, por exemplo, a ex-presidente Dilma acusou o ex-ministro Ciro de ser misógino. Ontem um deputado acusou um arcebispo de São Paulo e até mesmo o papa de serem 'pedófilos safados'. Não faz muito, um Presidente da Câmara acusou o Presidente da República de ser boiola, e um governador, com pretensões à Presidência da república tornou pública (não se sabe com que fins...) sua preferência sexual por gente do mesmo sexo. Sem falar do chefe de um partido que declarou, (também recentemente e antes de ser preso), que ainda dá 'mais de uma por semana'... etc, etc, etc... 
E, no cotidiano, no dia-a-dia, todo mundo ouve alguém referindo-se a seus adversários & inimigos políticos como brochas, mão virada; tarados; arrombados; bichas; putas, sapatão ou frígidas! etc
Não é curioso? 
Existiria algum vaso comunicante entre a política e os genitais? Ou tudo isso está relacionado à repressão sexual e ao campo da psicopatologia? 


 


sexta-feira, 15 de outubro de 2021

RIO DE JANEIRO - A fé em Cristo e a esperança nos ossos...

"O período da conferência que precede 

o 'flash' do fotógrafo, é um parágrafo perdido..."

M. L. Descotte


No dia em que o monumento de concreto do Cristo no Rio de Janeiro faz 90 anos, a pequena burguesia animista comemora. Diz ficar arrepiada; faz festa; agradece por estar viva, por ter recebido graças e milagres; pelos portões do Bangú 8 ainda resistirem; pela rua das Marrecas ainda existir (à noite); pelas bacalhoadas portuguesas da Cinelândia terem sobrevivido; pela garota de Ipanema continuar com 17 anos; pelo mar ainda não ter exigido de volta a parte dos aterros que lhe cabe e, mais do que tudo, pela salvação de sua alma. Penso involuntariamente em Roma, que se deixou seduzir pela religião de uma colônia...

Se fosse possível fazer o concreto chorar os gigolôs messiânicos não deixariam de fazer correr pelos olhos do redentor duas copiosas lágrimas, mesmo intuindo que o Cristo, depois de ter assistido a toda aquela putaria durante 90 anos, estaria mais disposto a dar uma imensa gargalhada...

Enquanto isso, não longe dali, em Petrópolis, para uma multidão de outro pedegree, mas ainda tão ou até mais animista (que se reune ao redor de um caminhão do Mercado Extra), a preocupação e a comemoração é de outra natureza, não é (como se vê) aos pés do Nazareno, nem com a purificação da alma e muito menos com a doação do espírito, mas sim com os pés de galinha e com a doação de ossos... Hipérboles tropicais!   


EM TEMPO: 

Observem que na foto há também uma família tradicional de cachorros, meia desnorteada, mas que marcou presença. O que deveria estar pensando com essa invasão em seu território? Luta de classes? 

Lula Lá! 

Bolsonaro de novo! 

Queremos a volta do Fernando Henrique!

Sarney outra vez!

Somos Sebastianistas! Queremos e exigimos a volta de Dom Sebastião... Aquele da batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos... 

E.., por detrás dos bastidores, quando o circo baixa as lonas, eis que estão todos fumando no mesmo cachimbo... Que teatro para idiotas! 



quinta-feira, 14 de outubro de 2021

E no Principio era a traição...


No trajeto da caminhada que faço todos os dias, umas abelhas do tamanho de formigas construíram um balão no galho de um flamboyam. Às vezes as olho com discrição, outras vezes até paro para admirar aquela maravilha sustentada apenas por um fio no meio da folhagem vermelha daquela planta, cujas primeiras mudas foram trazidas da Ilha de Madagascar por um andarilho. E elas, aos milhares, sem se importarem com minha presença, decolam, dão rasantes e aterrizam sem parar, ininterruptamente, fazem arremetidas perigosas e sem sentido contra ou a favor do vento manso que vem do cerrado e sempre trazendo entre as pinças umas migalhas minúsculas e esbranquiçadas parecidas a pólen. A um tipo raro de pólen que devem ir roubar nos jardins da Babilônia, nos balcões ou nos pratos de alguma confeitaria para, num ritual burocrático e servil, armazená-las no interior daquela abóboda cinza e suspensa, onde deve repousar uma rainha empoderada e tirana... Repito: sempre as olhava com admiração e até com um certo respeito por aquela arquitetura e por aquele vigor. E inclusive - pensava - porque, afinal de contas, são elas que polinizam quase tudo no mundo (desde os 'buds' da cannabis até as singelas vulvas da losna e da artemísia vulgaris) e também porque são elas e suas parentes que fabricam o mel que os sírios derramam sobre aquelas deliciosas bandejas de Baklava...

Porém, hoje, passando por lá, meio no mundo da lua, fui surpreendido por uma delas que, enlouquecida, lançou-se sobre minha máscara, conseguindo ferroar-me na maçã direita do rosto, próximo ao olho. Caralho! Logo eu que as admiro, defendo e que as elogio tanto? Que porra é essa? Me senti  injustiçado, indignado e traído a ponto de, com uma fúria parecida à dela, destroçá-la entre os dedos. O que teria acontecido com aquela louca? 

Com o ferrão e o veneno se espalhando pela cara, e verdadeiramente indignado, já estou me preparando para, amanhã cedo, voltar lá com um galão de gasolina e um machado...

Não há duvidas de que, apesar dos prosélitos de todas as tribos, no princípio, como diz Dominique Scarfone, ao invés do VERBO era a TRAIÇÃO...

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

E por falar no CID 11 e nos burocratas da OMS que agora pretendem enquadrar a velhice como doença...

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"CELIBATÁRIO -  Um homem que perdeu o ensejo de tornar infeliz uma mulher..." (Garland Pollard)

Uma ou duas vezes por semana, lá pelas 10 da manhã, assisto da varanda a um homem extremamente magro, celibatário, já passado dos 60, que lava seu fusca. É um fusca quase amarelo, daqueles com o retrovisor igual aos das bicicletas antigas e com os pneus mais finos que os das motos atuais. No parabrisa traseiro um plástico com a inscrição: Guiado por mim, dirigido por Deus. (Ou seria o contrário?) Em síntese: é um fusca daqueles dos tempos do  Juscelino. Por sobre sua cabeça e por sobre a copa das sucupiras um céu azul estupendo salpicado de nuvens estressadas que se movem sem direção e que lembram as de Magritte. A pandemia esvaziou as ruas, as quadras, as pequenas feiras que existiam no promontório dos prédios. Ninguém mais fala com ninguém. As mulheres até estão reclamando que não são mais desejadas, assediadas, olhadas de cima a baixo por um ou outro cafajeste enquanto acaricia o zíper da braguilha...  O sujeito continua lá, limpando aqui e limpando ali e o faz quase amorosamente, com detergentes neutros mas perfumados, lavando roda por roda, parafuso por parafuso, parachoque por parachoque, a ponta do escapamento carcomido pela poluição e pelo tempo... Depois abre a portinhola do motor e examina uma e outra peça, a bucha da biela, o cabo das velas, o óleo do cárter e assopra no carburador. Verifica os níveis da água e o estado da correia. Passa ali quase a manhã inteira, naquele envolvimento semi-amoroso com a máquina que Hitler idealizou para que seus soldados se movessem melhor nas intempéries dos desertos africanos... 
Uma senhora mais ou menos de sua idade se aproxima, tímida, deprimida, com chinelos de pano cor de rosa, quase pisando em espinhos, querendo compartilhar com aquele Mané uma ou outra desgraça. Mas ele a ignora como se sofresse de uma surdez congênita. 
E o que é mais transcendente nesse ritual de limpeza, é que desde que a inicia, passa o tempo todo ouvindo, de um gravador instalado sob o banco, a música Monday Monday, do grupo The Mamas and the Papas...
Todo mundo (com uma certa piedade, é verdade) se identifica e simpatiza com ele... 
Monday... Monday...


terça-feira, 12 de outubro de 2021

O CID 11... e a nova atrapalhada da OMS...






VELHICE - Um relógio em que as horas da tarde correm 
mais depressa do que as da manhã" (Anonimo)

"Os velhos são crianças que crescem para trás"(J.P)

Está causando indignação no mundo médico, principalmente entre os geriatras e gerontólogos e mesmo no mundo dos idosos laicos, uma proposta da OMS para, na publicação do CID 11, que passará a vigorar a partir de 2022, a velhice seja codificada (rotulada) como doença. 
Todo mundo está se perguntando o que está acontecendo com a OMS? Com essa grande família de compadres iluminados?
Depois das seguidas atrapalhadas com respeito à epidemia, ela que recentemente lançou o programa (meio lírico & demagógico, é verdade) Era da longevidade, é bizarro vir agora com essa proposta patética de alterar um código do CID (Código Internacional de Doenças), alteração que, de certa maneira, passaria a considerar as pessoas idosas (com mais de 60 anos) como pessoas doentes! Estariam delirando? Isso escandalizou meio mundo, e não apenas por questões clinicas e estatísticas, mas principalmente por questões éticas.
O que até os cachorros estão se perguntando é como foi que a OMS caiu na idiotice do idadismo? E se haveria, por trás e por debaixo disso algum interesse e alguma pressão mercantil das multinacionais de medicamentos. Das empresas negadoras da velhice, dos demagogos da juventude eterna e etc. Será? Bom, se alguém com mais de 60 anos passar a ser considerado um doente, então será necessário tratá-lo, não é  verdade? E se trata com quê? Ora, com remédios, com plásticas, com cosméticos, com pílulas, vitaminas, pomadas, novenas e outros truques que prometem retardar o envelhecimento e etc, e tudo sempre calculado em dólares... Às vezes em Euros, outras em Libras e até em Ienes... Não é verdade? E no atestado de óbito dos idosos, independente do motivo de sua morte, (se foi a beleza súbita e intempestiva da primavera; o zumbido melodramático de uma cigarra; um infarto fulminante ou o desabamento de uma coluna de concreto no meio de um terremoto) passaria a constar sempre o código correspondente à velhice. Que tal? O Mendigo K. que assistia a tudo com uma certa maledicência me indagou: Mas Bazzo, será que para o morto, todo esse onanismo 'semiótico' faz algum sentido e alguma diferença? Ah!, Se pelo menos pudéssemos invocar o Umberto Eco!!!
Nós, que já estamos na Faixa de Gaza, ouvimos com entusiasmo momentâneo a frase indignada do Dr. Alexandre Kalache: Queremos morrer velhos, mas não de velhice! E foi o mesmo Dr. Kalache que revelou, quase com ironia, que no atestado de óbito do Duke de Edimburgo, morto recentemente, a causa da morte já aparece como: velhice. (Se Stálin estivesse participando daquele fórum, com certeza diria: tudo isso é bobagem porque, de uma maneira ou de outra, no fim das contas, é sempre a morte que vence!)
No meio dessa desbundada da OMS e de seus resignados apóstolos pelo mundo a fora, com o CID 11 quase alterado e já quase indo para a gráfica, formou-se uma Audiência Pública ali no Congresso Nacional cujos debatedores, todos + ou - gerontofóbicos e especialistas no tema, deixaram bem claro que tal alteração é uma aberração que não tem sentido nenhum e que seria um retrocesso. Uma cachorrada burocrática e um ultraje para com os que já passaram o Cabo da Boa Esperança... 
Meu Deus! Como ficariam aqueles nossos acordos no Congresso de Viena em 1982? Ah! Viena! E as tratativas no Congresso de Madrid? 
Ah, e aquelas parrilladas! Ah!, e aquelas paellas valencianas... Temos que organizar outro, e com urgência, agora em Paris, para discutir a pertinência dessa alteração neste que é como um Catálogo de CEP, uma espécie de Kabala de todo profissional de saúde... Ah, Paris! Aquelas noitadas no Moulin Rouge! E o Mercado de pulgas de Clignancourt!
Mesmo que você ainda se considere um jovem cheio de vigor e de delírios e ainda disposto a tocar fogo ou a colocar uma bomba no mundo, convide sua bisavó e assistam. Nas entrelinhas da discussão aparecem também outras curiosidades... sobre a furada e a desventura hiperbólica em que estamos metidos...