segunda-feira, 1 de março de 2021

Viagem ao fundo dos galinheiros (CANTO INTRODUTÓRIO...)


 

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Canto Introdutório...

“Os burocratas e outros homens “práticos” costumam votar aos poetas um desprezo tão profundo que lhes é indiferente o que estes escrevem...” 

George Orwell

Devo apresentar-me? Apresentar minha obra? Mas de onde veio essa necessidade? Já não bastam as 400 páginas que o leitor terá que encarar daqui para diante? A propósito, enquanto escrevo, sempre de- dico um bom tempo para imaginar, e com um certo sadismo, tanto os alfarrabistas como os compradores compulsórios de livros lá no meio das estantes e das traças deparando-se com meus textos. O cheiro da linotipia e das impressoras importadas da Alemanha ainda impregnado nas portadas; os defeitos que foram inevitáveis; os crimes gramaticais; a poeira e as varejeiras que, segundo Orwel, adoram ir morrer sobre as lombadas empoeiradas. E os preços, sempre anotados em códigos e a lápis, para poder, de um dia para o outro, alterá-los. Basta a notícia de que o autor está sendo velado para que os livreiros passem a noite turbinando os preços de suas obras... Mas isto é o que menos interessa para quem escreve. Apesar de não ter mais do que vinte ou trinta leitores, fui sempre um sujeito sortudo e afortunado. Embaixo de praticamente todas as pe- dras em que tropecei pelo caminho, sempre havia, misteriosamente, um diamante, uma esmeralda ou o mapa de uma mina (a maioria, mais tarde,se mostrou falsi cada). Oxalá, os demiurgos não tenham vingativamentereservado todo tipo de sacanagens para infernizarem minha última dé- cada. Da única coisa que me ressinto e de que me queixo, é de nunca ter sido contratado por uma grande e respeitada editora ou por um grande erespeitado jornal para, com quinze mil euros por mês, car girando pelo mundo, com um único compromisso: uma vez por semana, enviar-lhes meia lauda, com a qual iludiriam e ludibriariam seus anunciantes e leito- res... O vacilo foi deles, por que eu, segui troteando pelo planeta assim mesmo, ora na real, ora de forma fantasiosa, o que, todos sabemos, dá no mesmo. Naveguei por todos os mares, escalei todas as montanhas e desci por uma corda em praticamente todos os abismos. Produzi mais de uma lauda por semana e as enviei de graça, às sociedades dos Sem-Pátria, dos Cidadãos do Mundo e a todos os outros fodidos da terra. E quando, preocupados com minha sobrevivência, queriam saber o número de minha conta bancária para enviar-me algumas libras ou dólares, eu lhes respondia com esta frase de Whitman: Não sejam idiotas, eu não digo e escrevo estas coisas por um dólar ou para passar o tempo enquanto espero o barco...

Whitman sabia que era uma infâmia negociar palavras e impres- sões, principalmente com bundões que não saíam do sofá há décadas, que precisavam de alguma bobagem risível para passar o tempo e que esperavam pelo juízo nal como quem espera por uma redenção.

Enfim, você que está aí, em pé, no meio das prateleiras, com meu livro na mão e em dúvida se deve roubá-lo ou não... Coragem! Saiba que nunca me senti confortável imaginando meu livro sendo lido por um sujeito que pôde pagar 50 reais por ele. Me entende? Os melhores leitores que tive foram sempre ladrões; gente que sabia como driblar as câmeras,como arrancar páginas, en ar um livro nas cuecas, simular um desmaio esair soberbo das livrarias. Coragem! Lembre-se: só há ladrões no mundo. Pense naquela velha indagação popular: o que é um ladrão? Resposta: um comerciante no escuro. E depois, ler um livro comprado, é ridículo! É mais ou menos como passar a noite com uma mulher de aluguel. Por mais atraente e desejável que seja teve que ser comprada. O que, convenhamos, faz mal para a autoestima e conspurca a parte principal do gozo. 

Tenho consciência que este livro é praticamente um palimpsesto, mas lhes garanto que pode ser lido sem que se sujem as mãos).

E atenção: não é um estudo veterinário e nem um decodicador do DNA dos galos. Sempre que me preparo para escrever um livro, lembro daquilo que dizia Swift: um manuscrito publicado pode ser comparado a uma prostituta. (Bilis-negra Editora, pp 11,12. Brasília, 2021)

Um comentário:

  1. Já está nas livrarias pra ser roubado??? Na real, quero ler, mas tô sem dinheiro.

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