terça-feira, 30 de março de 2021

O Mendigo K e o primeiro dia da Eternidade...

 Nesta terça-feira exuberante de sol, com o país e o mundo atordoados pela pandemia e pelos sintomas mais miseráveis e bizarros que ela tem feito emergir nas populações, deparei-me com o mendigo K numa dessas padarias mixurucas que, pela qualidade dos pães que produzem, só sobreviveram até aqui por milagre...

Estava acompanhado por um professor de filosofia de uma das muitas escolas que há por aqui e que são do mesmo naipe e categoria  da padaria. Estavam em pé, no balcão, esperando por uma nova fornada que estava para sair, e discutiam sobre a eternidade.

O professor, sentindo necessidade de diferenciar-se daquele que todo mundo sabia ser um mendigo e que não tinha "formação acadêmica" passou a questionar suas teses num tom mais pernóstico e mais alto".

Num desafio, e querendo exibir-se para as pessoas que também esperavam pela nova fornada, indagou: Mas então me diga, o que é para você a eternidade?

O mendigo, um pouco cínico, foi gesticulando e reproduzindo algo de um poeta persa que recentemente havia lido num velho pergaminho árabe: "Existe uma alta, uma imensa montanha numa ilha que surge no meio do mar. De mil  em mil anos um pássaro aí chega, pela madrugada. O dia inteiro bate e escava com o bico, e à tarde, ao por do sol, torna a partir, levando consigo um graozinho de rocha. Ninguém sabe aonde vai; ninguém sabe donde vem. Desaparece e volta após mil anos. Quando o pássaro tiver arrasado ao nível do solo a montanha que surge no meio do mar, então terá transcorrido o primeiro dia da Eternidade..."

O alarme do forno disparou. Uma moça com um avental branco apareceu trazendo num cesto enorme a nova e fumegante fornada...


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