quinta-feira, 3 de março de 2022

Da Ucrânia ao Piauí...


"Carecer de convicções a respeito dos homens e de si mesmo, esse é o elevado ensinamento da prostituição, essa academia ambulante de lucidez, à margem da sociedade como a filosofia..."(E.M.C)



No boteco da esquina, ontem à noite, houve quase uma reprodução da guerra na Europa. Pinguços de uma mesa contra os pinguços de outra mesa. Uns pareciam de esquerda, outros pareciam de direita... (Mas são tão parecidos que só um especialista poderia diferenciá-los com segurança).  Uns defendiam o Putin, (da Rússia) outros defendiam o Biden e o Zerenski (da Ucrânia). Estariam em busca de um pai? De um avô? Ou de um Fuhrer? Os argumentos, eram lamentáveis. Imaginem os fanáticos do Reino de Deus discutindo com os Testemunhas de Jeová.

Diziam que, na essência, o conflito era entre o Capitalismo e o Comunismo; entre o BEM & o MAL... Entre a moral e os imorais...  Sim, mas, quem era o quê? - se perguntavam os bêbados indiferentes -. Dois músicos - daqueles que acreditam que a arte poderá vir a purificar as almas e salvar o mundo - colocaram seus instrumentos cuidadosamente sobre a mesa e, fervorosamente, tocaram fogo numa partitura de Tchaikovski e no livro O Idiota, de Dostoievski. O fogo e o cheiro da fumaça pareciam aumentar o frenesi daquela gente (sem atributos).

Umas três ou quatro mulheres, - também embriagadas - que recém haviam chegado, entraram na discussão para lembrar que os padres, candangos, durante as missas e as sadocatequeses - pensando em turbinar o dízimo, a culpa e a submissão do rebanho - estão aterrorizando os beatos com a idéia de uma guerra nuclear e com a eminência do Juízo Final. Irmãos e irmãs, lembrai-vos de Hiroshima e de Nagasaki!  Estais preparados para o encontro com a fúria dos nêutrons e com a bondade do Criador? Que, aliás, é  o mentor onipotente de todas as guerras? 

Alguém lembrou a morte do beduíno Kadafi, ocorrida há uns dez anos, e que seu corpo foi enterrado secretamente no deserto. As putas niilistas e costumeiras riam e até gargalharam de tudo aquilo, mas principalmente quando um sujeito + ou -afetado defendeu a tese de que só o Lula poderia dar um basta à insanidade da guerra... Um garçom gritou: Por quê não o Bolsonaro! Mais risos, gritos e aplausos. A bebedeira era geral. A mais velha delas, que devia ter uns 68 só de profissão, resmungou uma tese de Guy Debord: "O verdadeiro é um momento do falso!".

Aqueles personagens, mesmo sem ter consciência, deixavam evidente que havia uma falsificação geral da sociedade e mesmo do sentido da vida... 

Dois gatos se equilibravam amorosa e libidinosamente sobre os barrotes, junto ao telhado.

O Mendigo K,  - especialista no laissez faire - que apareceu por lá arrastando atrás de si um guapeca de rua, quando ouviu o relato de que aquela gente recém havia estado diante da Embaixada da Rússia prestando solidariedade ao Putin, pegou seu cachorro no colo, deu um trago vigoroso num caneco de aguardente e perguntou: Por quê não foram fazer manifestação lá em frente aos barrancos e à prefeitura de Petrópolis? Ou diante da embaixada do Piauí?

Do fundo do bar, veio um grito de ameaça: Epa! Olha o preconceito com o meu glorioso Piauí...


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