domingo, 20 de março de 2022

Outro domingo. Outro outono... E la nave va...

Como já disse, os domingos e as segundas-feiras trazem com eles sempre um não-sei-quê de culpabilidade. O mundo se derretendo em crendices, em superstições e em misérias e você aí, em casa ou na varanda, de cuecas, ouvindo os sinos, tomando o sol da manhã, um chá de ervas miraculosas com um croissant de Baru e coçando o saco...

A mulher, de uns 50 anos, finge não ouvir a súplica do moço que está deitado na calçada abraçado a seu cachorro e, antes de atravessar o umbral da farmácia faz o sinal da cruz. Acreditaria que o demônio pode estar por lá, no meio daquela xaropada inútil, ou é para não entrar em surto diante do preço dos remédios?  Penso no Doente Imaginário, de Molière, e em Cioran: Nas farmácias, não existe nada que realmente sirva para alguma coisa, a não ser para os males fictícios de alguns presunçosos.

E o sinal da cruz! Quem teria, por primeira vez, encenado essa pantomima?

Por coincidência levo na bolsa a Biografia Del Diablo, de Alberto Couste. Abro-o na página 87: "Se o oficio de Deus é o de perdoar - escreveu Henrique Heine - o de Satanás é o de tentar. O diabo não faria outra coisa além de imitar a seu criador e inimigo. Que dupla! A primeira ação de Deus para com os homens, - reflexiona Papini -, é de certo modo uma tentação, ao fazê-lo compartir o Paraíso com uma árvore da qual não poderia comer seus frutos. E a prova desta provocação divina está nas palavras finais do Pai Nosso: "Não nos deixes cair em tentação...Ora, "Se é necessário pedir a Deus que 'não nos deixe cair em tentação', é porque já o fez outras vezes ou porquê poderá fazê-lo. O Diabo, nesta como em outras tantas coisas, não faria mais do que imitar a arma de provocação e de sedução mais formidável do Criador para com suas miseráveis e carentes criaturas...

A mulher sai da farmácia com um pacotinho na mão esquerda e com a expressão sóbria e mesquinha de quem ficou um pouco mais pobre. Segundo o balconista, entrou lá apenas para comprar um laxante.


Um comentário:

  1. Como diria meu pai: enfiaram pelo nosso rabo essa ideia deus...realmente, que miséria!

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