Da água benta e da água mineral...

"E hoje nada está mudado. As palavras cabalísticas  substituiram-se pela palavras de réclame, as pedras mágicas pelo radium, a água benta pela água mineral, mas o efeito é sempre o mesmo..."

Pitigrilli

(IN: Mamíferos de luxo, p. 72)

Se não me engano, hoje estamos numa quinta-feira. Trinta de julho. Há quase uns 200 dias de prisão domiciliar. Penso no Malluf, no Palocci, no Lula, no Fernandinho Beira-Mar, na mulher do Cabral e na turba toda que insistia e que ainda insiste que ficar presos em casa é "mole", que esses personagens deveriam voltar para o calabouço tradicional. Sadismo!  

Por mais que a casa seja como a desses "artistazinhos de merda" que parecem verdadeiros Spas, com piscinas de água mineral, heliportos, salões de teatro, zoológico particular, massagistas tailandesas e até com UTIS próprias, munidas de respiradores, não poder colocar os pés para fora, para exibir-se, é um horror! 

Mas, sair para quê? Me indaga o Mendigo K, com uma garrafa de Vermouth em baixo do braço. Ir para onde nesse convento a céu aberto? E  toma um trago. Vermouth? Que porra é essa? Pergunto. Isso aqui, - diz batendo na garrafa - meus ancestrais enfiavam nas tripas todos os dias, antes dos Canelone. A base é vinho, mas passou a ser Vermouth depois que o velho Hipócrates teve a ideia de agregar -lhe algumas espécies de flores, ervas, umas raízes e absinto.

Pela janela, vejo um ou outro aventureiro desses que  criou uma imagem própria do vírus: para quem, o vírus é uma espécie de  pulga. Se evitam que lhes saltem em cima, estarão salvos! Caralho!

Atravessam o espaço entre um prédio e outro meio cambaleantes, os mais alienados com um rosário apertado entre os dedos, rosário que no italiano dos imigrantes carcamanos se dizia, ironicamente, além de terzo di pregare, corona di pregare! 
 120 ou 90 dias em casa são suficientes para enferrujar as carótidas, o cérebro e os joelhos de qualquer um e até para fazê-los desaprender de caminhar. E levam a máscara enfiada sobre as narinas ofegantes e assustadas. O  movimento da cervical, visto aqui das nuvens, indica sinais de paranóia. Evitam cruzar com quem quer que seja. Vão de cabeça baixa, como se lá na esquina os esperasse, nada além de um matadouro. 

Que miséria! 

Quem é que poderia imaginar que, depois de tantas aventuras e de tantos desenganos, ainda passaríamos por um vexame desses? 

E depois dos chineses, agora chegam os russos, com suas vacinas.  Business! O negócio é, sem dúvidas, um negócio da China! Mas, por que não poderia ser de Moscou? 

E você, caro prisioneiro, prefere a agulhada nos braços ou nas nádegas? A de Pequim, ou a de Moscou, a da Alemanha ou a de Washington? 

Para qualquer uma, convenhamos, seja você um maoista, um estalinista, um hitlerista, um kennedista enrustido, ou um pobre fascista analfabeto,  é necessário ter muita fé, não é verdade?

Como é humilhante e melancólico o destino das colônias!
E Godot, que não chega!!! E a nossa benemérita e egrégia Sociedade para o Progresso da Ciência? Não diz nada?