domingo, 12 de julho de 2020

A velhinha do mercado e Henry Miller...

Nesses noventa dias de cárcere, de vez em quando tenho ido sorrateiramente ao mercadinho da esquina. Hoje, todo paramentado, encontrei a velhinha que sempre está por lá comprando sua erva cidreira, seus tomates e seus pimentões e que jura adorar meus escritos. Até fiquei surpreso ao vê-la, pois achava que já havia partido deste mundo... 
Mascarados, trocamos movimentos, gentilezas budistas e olhares geriátricos, evitando ao máximo travar uma conversação, mas acabamos, como sempre, por vicio e por condicionamento, cochichando sobre os corruptos de turno lá em  Manaus, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, os daqui e etc. No meio dos cochichos, por mais que me policiasse, acabei soltando esta frase ordinária, cabotina e estúpida: Não sei para que esses corruptos querem tanto dinheiro!
Ela, do outro lado da prateleira dos legumes, lançou-me um olhar ameaçador de basilisco, deu a volta para aproximar-se e, baixando um pouco a máscara que, de pano delicado e vagabundo, parecia a parte dianteira de uma calcinha, falou-me maliciosa e quase junto ao ouvido: não seja babaca! Esses gatunos querem mais e mais dinheiro porque sabem, como escreveu Henry Miller, que com um milhão de dólares, em qualquer lugar do mundo, você sempre terá uma mulher fabulosa para ler teus poemas e para chupar teu pau!
Um raio vigoroso de sol transpôs bruscamente a vidraça e se esparramou por sobre as montanhas de goiabas e de beringelas, ali artisticamente empilhadas...
(A pintura acima: Foto feita no Museu de Montevidéo)

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