Os sapatos amontoados na porta das casas e dos apartamentos lembram, além dos trottoirs no Bois de Boulogne, as mesquitas. A mais fascinante de todas, lá de Istambul; a Azul de Beirute; as do Marrocos; a de Cordoba; a de Paris e a principal de Madrid. Os árabes, desde Avicenna, com seu Cânone da Medicina, seguem lançando moda.
Sapatos luxuosos, pretos e vermelhos, com salto Luis XV, sapatilhas de freiras, chinelos de aposentados, de burocratas, pantufas, uns com solado da Vulcabras, outros made-in-Chine. Coturnos. Uns, cheios de enfeites, outros ortopédicos, outros bem modestos, de 14 reais, uns de saltos altos e que denunciam um problema de coluna ou uma perna mais curta de sua proprietária, tudo misturado sobre pequenos tapetes que dão boas vindas às visitas. Mas quê visitas? Se estamos todos em prisão preventiva, sem chances de Habeas Corpus.
E, finalmente nosso cachorro entendeu que o tempo de descer para ir cagar lá entre os hibiscos e as camélias passou. Foi silenciosamente para seu espaço, ficou momentaneamente girando como um dervixe sobre a Folha de São Paulo e sobre o Correio Brasiliense e soltou um stronzo só, inteiro e saudável, no formato (lembrando Salvador Dali) de um corno de rinoceronte. Que alívio.
Ontem à noite, exatamente as 20:00 horas a turba voltou às janelas e às varandas para gritar contra o Presidente da República. No meio da gritaria havia alguém, mais louco ainda, rezando um PAI NOSSO contra o coronavírus. De uma varanda alguém recitava a primeira estrofe do poema que era imediatamente replicada de outra varanda, dando àquele principio de noite um aspecto de fim dos tempos e de uma nova Idade Média. Caralho! Resmungou meu cachorro. Que porra e que loucura é essa? Se a epidemia faz parte de um projeto e de um desejo do PAI NOSSO, rezar para que ela passe ou cesse, não é uma espécie de rebeldia? De heresia, de corrupção, de insubordinação, de prevaricação, de chantagem, de tentativa de sedução, como se o PAI NOSSO fosse um velho proxeneta ou uma Odebrecht?
O Mendigo K., que passava rápido lá embaixo, ao ouvir toda aquela choradeira e ao ver-me na sacada, gritou: Bazzo, será o fim da Odisseia terrestre? Sabe onde é que se pode embarcar na Arca de Noé? Deu uma longa gargalhada e concluiu: não restam mais dúvidas: na maioria dos casos, o desejo de imortalidade é cretino e imoral...
Nenhum comentário:
Postar um comentário