segunda-feira, 11 de julho de 2022

E lá no velho Oeste...

"La mejor representación es aquella que hace para si el lector del universo del drama..."
Karl Kraus
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A mídia está excitada com o tiroteio em Foz do Iguaçu, e faz de tudo pala glamorizar  o duelo. Querem, a todo custo, colocar o Lula e o Bolsonaro no meio da história. Mas, se depender do desempenho dos dois atiradores, o resultado das eleições ficará empatado. 

Quem cresceu e viveu lá naquele Velho Oeste, tem dificuldade para acreditar que o tiroteio tenha sido motivado por questões verdadeiramente políticas. Lá, principalmente naquela Tríplice Fronteira, desde os tempos da Guerra com o Paraguay, -  onde qualquer um aprende a atirar ainda quando está mamando e onde se pode comprar uma pistola automática e uma caixa de balas como quem compra uma barra de chocolate - os duelos acontecem mais por ciúmes, mais pela marca de um tênis ou de um  perfume do que por ideologia. Dificilmente se ouvirá por lá alguém questionando Montesquieu, os alicerces da República, os postulados da Revolução francesa ou as idéias de Gramsci.

Acreditem, tudo por lá foi construído e destruído (desmatamento) na base da bala. Tanto os latifúndios como os minifúndios foram legalizados com uma das mãos sobre o coldre e com jagunços de prontidão na sala de espera.

E os crimes, desde Getúlio, Lupión e etc, que eram logo interpretados como crimes políticos, foram quase sempre pretextos dos bandos dominantes para usar os cadáveres como alibi. Na verdade, eram apenas fúteis intrigas de homens entediados, apaixonados por uma ou outra cortesã que, acreditando no fetiche da honra, exigiam um 'acerto de contas' na bala. Entre gente que, na Loteria  que é a vida, haviam comprado um bilhete furado...

A propósito, os dois atiradores em questão, demonstraram ser exímios atiradores!

Penso em Stálin: Uma morte é sempre uma tragédia, milhares de mortes apenas um dado estatístico.

E naqueles tempos, para comemorar o dia de Corpus Christi ou da Proclamação da República, as "tias" nos levavam para admirar as Cataratas do Iguaçu. Ah! aquelas tremendas cachoeiras! E a euforia da turma diante da Garganta do Diabo, era vista pelas freirinhas mais enrustidas, quase como uma traição e uma profanação ao tédio dos Evangelhos e praticamente uma iniciação ao gnosticismo! Um prematuro ato revolucionário! 

Um casal de paraguaios tomando tererê enquanto descansavam as arpas sobre os joelhos. Guarânias. 

El lago azul de Ypacarai!

 Aqui e ali, na beira das veredas, na mais absoluta solidão, cruzes antigas, já apodrecidas e outras recentes, brancas, ora indicando que o cadáver tinha um sobrenome guarani, outro italiano, outro espanhol... E para nós, visitar o Hotel das Cataratas que havia lá, era quase como visitar o Palácio de Versalhes ou o Palazzo del Quirinale. Os tiroteios diários eram "ignorados". Os finais de semana eram pródigos. Como não havia playgrounds, nem cinema e nem MacDonalds, alguns pais 'enervados' até levavam os filhos, lá pelas 5 da tarde, para os arredores das tabernas mais badaladas, onde o Bang Bang e o espetáculo com os revólveres era quase garantido. De repente os gritos, aqueles gritos manhosos e suicidas dos bêbados e em seguida o cheiro da pólvora misturado ao da cachaça... os gritos dos taberneiros, a euforia... e depois, misteriosamente, caia sobre a tarde um silêncio literalmente mortal... Todo mundo queria ver o baleado, no chão ou escorregando junto a uma parede, ver o abismo refletido no fundo de seus olhos, o dedo indicador, impotente, ainda cravado sobre o gatilho e na sua máxima e máxima solitudine. Aos poucos ia aparecendo aquela marca sanguínea e inesquecível, normalmente fatal e no peito.

Tínhamos uns 10 anos! Tomávamos o rumo de casa olhando curiosos para a tarde que ia se enchendo de estrelas e de vagalumes, às vezes ao lado de uma ou outra mulher vestida de preto que ia na mesma direção, normalmente viuva, atormentada por recuerdos y memorias, que marchava sem sentido, com os olhos cravados na poeira vermelha que caracteriza aquela parte Oeste do mundo... Rumávamos, também sem muito sentido para casa, ainda com o coração dando saltos, o cheiro da pólvora nas narinas, mergulhados num mutismo existencial e com uma espécie de morte na alma... em casa, alguém sempre nos esperava  cantarolando Torna a Surrento.., uma minestra, com pão integral e meio copo de vinho...


3 comentários:

  1. https://www.terra.com.br/amp/noticias/esposa-de-atirador-bolsonarista-nega-motivacao-politica-e-diz-que-marido-foi-agredido,8cbe1e84c3d9ab39b31498653667f5a7u940iowt.html

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  2. https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/07/5022121-partidos-pedem-suspensao-do-porte-de-armas-durante-o-periodo-eleitoral.html

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  3. https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/07/5022476-nao-houve-crime-politico-em-morte-do-tesoureiro-do-pt-conclui-policia.html

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