sábado, 2 de julho de 2022

Os imortais, a medalha, Daniel Silveira e a amante imaginária de Dom Quijote...



"Não convém recusar as recompensas oficiais; o que se deve fazer é não merecê-las..." Jean Cocteau
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 Num país onde 98% da população nunca leu um único livro, me pareceu meio imoral, segregacionista e meio indecente a recusa de alguns membros da Academia de Letras a receber a medalha (medalha?) de ORDEM AO MERITO DO LIVRO, - amuleto que tradicionalmente se concede à gente adicta à cultura e aos livros -, com o argumento de que entre os agraciados estão pessoas que preferem passar o tempo com outros tipos de brinquedos, além de bibliotecas e de livros, entre eles o Presidente da República e o deputado Daniel Silveira.

A estratégia dos ilustres imortais me parece equivocada e mesquinha. Ora! Por que não aproveitar para enredar os dois hereges, promover sua sagração e ordená-los, no misterioso, idílico, delirante e narcísico mundo das letras? Nesse Sanctum Sanctorum? Nesse Jardim de Hespérides? Já que Il n'y a rien d'autre au monde que l'Eternité dorée de l'esprit divin?

Quem é que não se lembra que Calígula, o grande Imperador de Roma, nomeou seu cavalo como cônsul da Bitínia? E do incêndio da Biblioteca de Alexandria que, segundo especialistas, os prováveis responsáveis pela destruição - daquela que abrigava o principal acervo do mundo -, teria sido a igreja católica ou a invasão dos muçulmanos, para quem, além do Corão, o resto dos livros eram inúteis?

Pensei na biblioteca de Hitler, que suplantaria as de nossos bem-aventurados professores, juntas. Também no Dom Quijote, ele que teria enlouquecido de tantas leituras e que teve a biblioteca queimada por um padre e por um barbeiro... E que inventou um amor platônico por Dulcinéia (mulher imaginária) de quem deveria salvar a honra... tudo como pretexto para sair pelo mundo lutando com inimigos, também imaginários...

Indignados e cheios de erudição, os mencionados "imortais" argumentam que seria uma desonra para a classe estender essa Sagrada Comenda (comenda?) à pessoas que não têm pedigree, nem simpatia por livros e que, inclusive, até estariam dispostas a transformar Bibliotecas em Clubes de Tiro. (a propósito, qual a razão da Biblioteca Nacional aqui de Brasília estar fechada há uns cinco anos?! Ninguém responde.)

Confesso que achei essa história, tanto na forma como no conteúdo, o Máximo do surrealismo! E que gostaria imensamente de ver o Daniel Silveira, num sarau poético, a tal comenda no pescoço, com aqueles bíceps de escudeiro enfiado dentro de um daqueles arreios horríveis e obscenos, tomando o chazinho das cinco no meio daquela "velharada de imortais" e lendo poemas de Castro Alves e da Cora Coralina ao som de Adagio in G minor, do Albinoni...

 

2 comentários:

  1. Bazzo, seus textos são memoráveis. Uma pergunta: você não se cansa de jogar pérolas aos porcos?

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  2. Gostei do "memoráveis'. Não me canso por dois motivos. Primeiro: porque só jogo pérolas depois de certificar-me de que são falsas. E segundo: porquê continuo me iludindo de que entre os porcos possa haver um ou outro javali./Ezio

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