Ontem, como todo mundo viu e ouviu, foi comemorado o dia do Rock in Roll. Uma memória daquele festival realizado lá na Filadelfia para, demagogicamente, levantar uns trocados para os famintos da Etiópia. Lembram?
Na padaria da esquina, além dos costumeiros mendigos, ontem à tarde havia também um grupo de umas oito pessoas, mais ou menos jovens, homens e mulheres, mas de um pedigree diferenciado. Pelo que diziam, pela pantomima e por outros traços, não era difícil adivinhar suas origens, o passado e o Curriculum de cada um deles. E claro, falavam sobre política e o Rock in Roll, mais ou menos com o mesmo fulgor com que os evangélicos falam de seus Encontros de Cura & libertação. Cada um, mais entusiasmado do que os outros, queria contar como havia se iniciado, quais eram suas fontes, suas preferencias, suas paixões e etc...
Eu - dizia um deles - fui iniciado por minha avó, que era professora e que adorava Edith Piaf. Meu avô, por sua vez, adorava Gigliola Cinquetti. Depois, fui enredado pelas coisas do Sting. Ah, o Sting! Eu e uma amiguinha sabíamos tudo sobre o Sting... Depois, passamos para o U2. Tínhamos veneração por ele. Diziam até que ajudava os pobres e que era comunista. Será? Um sujeito quase anoréxico, enquanto enrolava um baseado, insistia que devia sua vida a Eric Clapton...
Era interrompido por outro que conclamava: e minha mãe, que vendeu sua máquina de costura para comprar uma passagem de navio e ir ver o Elton John? Todos em casa tínhamos paixão por Elton John... Depois, vieram os Beatles...
Os mendigos prestavam atenção àquelas discussões quase infames e continham o riso...
Uma moça colocava na roda o Bob Dylan. Ah, eu e minha irmã mais nova nos masturbávamos ouvindo Bob Dylan. Alguém lembra que ele foi Prêmio Nobel de literatura, mas ninguém se entusiasma. Um barbudo conta em detalhes o show do Phil Collins que foi assistir. Diz que teve uma tremedeira quando o viu no palco. Outro diz que foi, a Londres, também com a mãe, para ver a banda The Police e que se apaixonou à primeira vista, quando os viu cantando uma música em defesa do proletariado. Voltam a falar do Elton John. Ah! minha adolescência ficou marcada por Elton John! O outro, cita em inglês, (britânico) os álbuns dos Beatles. Outro passa para o The Mamas and de Papas. O mais tímido do grupo diz que só cortava o cabelo como o Paul Mc Cartney. Outra mocinha conta intimidades do Eric Clapton e das aventuras do Mick Jagger com uma de suas primas. E o The Who? Pergunta um velhote com sobrancelhas tipo as de Brejnev. Um deles que parecia ser músico profissional insistia em falar do David Bowie. Dizia tocar suas músicas até hoje. E o Dire Straits? E ia descrevendo (no inglês americano) música por música do álbum Brothers in Arms... etc, etc, etc,
Foi um show infanto-juvenil e de vira-latas.
E volto a lembrar, era um grupo de gente com trinta/quarenta anos ou mais. Gente que inclusive, em outras épocas, se diziam stalinistas, que apoiavam na íntegra a Revolução cultural do Mão Tsé Tung, (mesmo quando viam seus soldados jogando pianos, guitarras e até seus proprietários pelas janelas) e que estavam sempre presentes nas manifestações anti imperialistas ali diante das embaixadas de Londres e dos Estados Unidos... gente que, inclusive, conhecia e defendia o Manifesto por uma arte revolucionária independente, escrito por Trotski e Breton, lá no México, em 1939.
Sim, mas é que viam também nas letras dos roqueiros, verdadeiras poesias, protestos e manifestos libertários. Ah! Os Rolls Stones! Ah! O Pink Floyd! Ah! a Edit Piaf! (quando aparecia o nome de Edit Piaf recitavam em coro, no francês aprendido com as freiras do Sacre Coeur de Marie: Je ne regrette rien!). Ah! o Elton John! Ah! o Bob Dylan... E quando alguém, nostálgica e distraidamente mencionava o Lobão, o Cazuza, o Renato Matos, o Porão dos ratos, o Liga Tripa, as alucinações de Raul Seixas, os Anéis de Saturno da Rita Lee, a lenga lenga do Renato Russo, a Plebe Rude e a Anita (que, ainda horrorizada com o crime da Foz do Iguaçu), minutos antes, havia declarado seu voto ao Lula), todo mundo torcia o nariz...
Ah! como aquelas guitarras mexiam com nossos sentimentos, com nossos nervos, com nossa estrangeiridade, e como já tínhamos em nós, sem saber, os genes dos vira-latas...
Um mendigo, recém incorporado ao grupo, pediu a palavra para revelar que, como muitos deles, também aprendeu com sua mãe, (uma senhora de quem herdou o ofício), a ter paixão pelo Rock de Cascatinha e Inhana... Todos, fingindo não entender o sarcasmo, e intimidados, ficaram em silêncio...
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