quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

40 anos da Constituição Espanhola... Ou da teologia republicana...

"Aqueles que nunca navegaram não sabem o que é que se sente quando, do convés do navio, já não se vê mais do que a face austera do abismo..."
Chateaubriand


Hoje Madrid amanheceu excitada. Comemoram o quadragésimo aniversário da Constituição espanhola. Há manifestações por todos os lados, umas até elogiando este período pós Franco e monárquico outros, furiosos, explicitando a crise pela qual o país atravessa e querendo tocar fogo na monarquia e fundar o que eles chamam de a Terceira República. 
Como sempre, o palco é La Puerta del Sol. Os manifestantes, de vários coletivos, chegaram aos gritos, com suas bandeiras vermelhas, seus slogans, suas barbas e suas músicas. Pelas cores das bandeiras, se a manifestação fosse lá na Calle Hortaleza, qualquer pessoa desavisada pensaria estar diante de uma marcha em defesa da teologia gay... Era praticamente um retrospecto nostálgico e melancólico da América Latina dos anos 70. Só faltou a Mercedes Sosa cantando Gracias a la vida... Mesmo assim, um músico subiu ao palco e cantou Bella Chao, na versão espanhola... Música que arrancou lágrimas dos sexagenários. Gritos em defesa da República, como se a república fosse a salvação da humanidade... E como se a constituição fosse uma encíclica sagrada... Que pensariam Platão, Franco e a Pasionária lá de seus respectivos cemitérios?
Franquismo e monarquia é a mesma porcaria!!! 
Era a frase de ordem. 
E todos a gritavam com os punhos fechados para o alto... numa espécie de furor teológico. 
No pasaram!!!
No pasaran!!!
No pasaran!!!
Havia bandeiras do marxismo leninismo, do trotskismo, e de outros ismos que não pude anotar... Curiosamente, os teólogos do anarquismo não estavam lá. Soube mais tarde que eles atuaram em outra frente e que se enfrentaram corporalmente com a policia... Velhinhos já caquéticos, uns até mais do que caquéticos, agarrados em suas bandeiras tentavam gritar, mas a voz não lhes saia. Talvez tenha sido por isso que um incensado poeta alemão não se cansava de alertar que a velhice, além de empurrar o sujeito para os braços do Alzheimer ainda o torna reacionário...
 Dois bobalhões com perfil medieval (duas rãs do Daumier) levavam cartazes contra o aborto e contra a eutanásia...
E no meio de todo esse frenesi, se esgueirava uma cigana, apolítica, niilista e ágil como um tigre, tentando enfiar a mão no bolso de alguém, não lhe importando para nada se o sujeito era da teologia marxista ou da teologia monárquica... Já a conheço. Um dia prometeu quebrar-me a cara se eu voltasse a fotografa-la...
Curiosamente, já em 1868, em plena revolução liberal, Daumier (o maior de todos os caricaturistas) já abordava o conflito (europeu) entre monárquicos e democratas com o desenho baixo, onde um grupo de rãs implora por um rei. 
Será que algum dia se conseguirá passar da teologia para a antropologia? Deixar de andar em círculos como rãs com uma das patas quebrada???

Mas hoje fez um sol estupendo. Alguém deixou cair uma garrafa de vinho Rioja na calçada e o cheiro se espalhou pelo mundo...
Ali quase em frente à FNAC, uma japonesa de uns 35 anos passou horas sozinha e sentada na mureta de um minúsculo jardim, tricotando. Eu que li recentemente o ensaio de um psiquiatra francês sobre o processo de "surto" e de "enlouquecimento" pelo qual passam muitos japoneses quando vêm ao ocidente, senti uma curiosidade imensa em saber por qual galáxia ela estaria navegando... (ver Síndrome de Paris). 
Moral da história: Para viajar pelo mundo sem enlouquecer, não basta ter dinheiro, é necessário saber dançar a vida... (e ter um tênis mais do que confortável...)

https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADndrome_de_Paris









































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