Brasília não e só um mar de lama, como no passado. Agora, virou também um mar de
automóveis. A grande maioria novinhos em folha, recém batizados, grandalhões,
comprados em setenta meses, geringonças que as famílias exibem diante das
mansões ou ao lado dos barracos. Alguns com um escapulário dependurado no
retrovisor, outros com uma imagem da virgem Maria colada no para-brisa. É tudo o
que se sonhou ter na vida. Signo de status, sucesso, realização e até de graça
divina. Sim, em algumas seitas da modernidade não se pede mais para ir aos
céus, ficar pasmado ao lado direito do grande charlatão do universo, como
outrora... O que se quer é o último modelo da Ford, um cinco portas da Toyota,
uma C10 com tração em todas as rodas... Sei de alguns desses idiotas que até
gostariam de, ao morrerem, serem enterrados dentro de seus automóveis... Oito
horas da manhã a cidade parece um formigueiro trêmulo e imóvel... Um inferno de
motores, de buzinas, de semáforos, de desvios... cada carro com um panaca
no volante... Indo para onde? Lugar nenhum! Todos os destinos são falsificados.
Perda de tempo. Aquele vai para o jornal, mas se sua coluna de amanhã saísse em
branco, ninguém se queixaria. Dez ou vinte mil vão para os ministérios... Fazer
o quê? Nada. Um cafezinho aqui, uma mijada acolá, um telefonema, outro
cafezinho, outra mijada, um pão de queijo e outro telefonema. Ideários de futilidades! Se fechassem 70%
dos ministérios, ninguém sequer perceberia... Milhares vão para o Congresso
Nacional... Fazer o quê? Nada! Marionetes de um absolutismo disfarçado! Outros milhares vão para as inúmeras
universidades... Fazer o que? Nada, ou, na melhor das hipóteses, decorar
parágrafos ou datas que não lhes servirão para grande coisa... Alguns, é
verdade, até vão discutir Le Corbusier, Adorno e Chomski com seus mestres...,
mas para quê, se essa discussão não tem até agora servido nem mesmo para se
aprender a como organizar uma mísera cidade? Antros de reuniões gongorianas! Os estacionamentos das clínicas e
dos hospitais, então.., ficam abarrotados o dia inteiro, principalmente os das
cardiológicas. Exames pra cá e diagnósticos pra lá. O que acontece com o
coração dessa espécie? Como já lhes disse: a longevidade é um presente de grego
que só beneficia às multinacionais de medicamentos e de fraldas... Nada é mais melancólico
do que ver, lá pelas 18 horas, aquelas multidões de velhinhos atravessando
cautelosa e tropegamente as ruas, cada um com sua sacola de pão, leite e remédios... No
passado, liamos Schopenhauer e Cioran para manter viva a consciência da trágica
condição humana, hoje, simplesmente vamos à janela ou atravessamos o
quarteirão... Enquanto isso, o genocídio nacional continua e seiscentos ou setecentos
parlamentares ficam trancafiados a semana inteira logo ali no final da
esplanada... Fazendo o quê? Negócios particulares! No último mês não fizeram
outra coisa além de assistir impávidos à profunda e transcendente discussão
filosófica sobre o matrimônio gay e sobre a maldição que alguma
sádica divindade teria lançado sobre os africanos... Bah!!!.., sem se darem conta de que
todo matrimônio é uma idiotice e de que a referência à tal maldição
não passa de uma bobagem garimpada num compêndio de demências...
Parodoxo: como esse maconheiro pode ser tão lúcido?
ResponderExcluirAdoro ler os textos desses "maconheiros"... Com certeza é bem mais salutar do que ler os jornais e revistas da grande mídia...
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