Foi por pura casualidade que reencontrei (na mídia)
um conhecido e amigo dos tempos mexicanos. E tempos mexicanos significa dizer
trinta e tantos anos atrás. fazíamos parte, na UNAM, do mesmo grupo de
"marginais" que travavam uma batalha feroz e inútil com a academia,
com o Estado, com a sociedade e, na verdade, com quase tudo... E nosso delírio chegava a tanto, que por pouco não fomos à Nicaragua lutar contra Somoza...
Agora, doutor, estava coordenando uma mesa repleta
de outros doutores, todos pomposos, e fazia a apresentação (cheia de elogios)
de um dos mais conhecidos e renomados filósofos da atualidade que, aliás,
estava presente, e que não escondia os pequenos tremores neurológicos que a
vaidade desencadeia. Careca, mas com a mesma vitalidade de outrora, meu amigo,
com a mesma coreografia daqueles tempos da Calle
Copilco, recitou seu sofisticado e culto panegirico durante quase meia hora... E foi aí que
tive um dos mais importantes insights
de todos os tempos: como é ridículo o discurso que se fazia quando jovem, dito
agora que se é velho. Como soa teatral e falso aquilo que se dizia com soberba
e tesão há quarenta anos atrás quando é dito agora, quando se está pleno de desencanto e de
desprezo! Durante a escuta, senti que minhas orelhas pegavam fogo! Fez as
mesmas deferências, o mesmo enfoque, as mesmas "brincadeiras"
eruditas... Citou os mesmos personagens de outrora: Borges, Spinoza, Cioran,
Nietzsche, outros três ou quatro ácratas já quase esquecidos... Voltou a atacar
a academia (mesmo cercado de professores), fez a ironia clássica contra o
fanatismo político e religioso, contra o Estado, contra o matrimônio... Fez
sarcasmo com a escola de Frankfurt, com os sectários, com o método, com a
esperança em algo... E a plateia, composta de homens e mulheres, jovens e
velhos, não se movia. Parecia saber que eram apenas palavras de um homem já na
ante penúltima estação, uma performance intelectual, uma espécie de reza
invertida, um ensaio para um poema niilista... ou apenas o viés da desbundada e
destroçada juventude dos anos 70 e que portanto, como não havia servido para nada, nem alterado coisa nenhuma nos últimos cinquenta anos, não seria agora,
quando tudo está mais do que dominado, que tamanho milagre viria acontecer...
Em síntese: tê-lo assistido naquele ritual pra lá
de circense e melancólico, foi um choque. Me identifiquei de imediato. Senti
vergonha! Como ele, não fiz outra coisa nas últimas décadas a não ser reeditar
o mesmo papo furado, supostamente "libertário" e supostamente na
contramão suicida da história... em vão e tingido de puerilidade!
Enfim, se essa
casualidade serviu para alguma coisa, foi para fazer-me compreender basicamente
que: um homem com mais de sessenta que tenha algum tipo de lucidez e de
dignidade, não deveria fazer mais parte desse marasmo compartilhado e retirar-se desse jogo vazio e patético que é a vida... ou,
pelo menos, já seria uma grande coisa, calar definitivamente a boca...
(ilustração El Roto)
Pelo menos você ajuda alguém a ter um pouco de lucidez em meio a esse marasmo. Eu mesmo gostaria de agradecê-lo imensamente pelas suas fabulosas reflexões.
ResponderExcluirDe vez quando nos pegamos assim, exigindo mais de nós mesmos e nos vendo nos outros e em situações tão estranhas que sentimos exatamente o que você sentiu. Mas cada um vem dando a sua contribuição ao mundo seja ela qual for. A maioria não acrescenta muita coisa mesmo, e se repetem e repetem indefinidamente. Mas alguns poucos conseguem ver mais, sentir mais e transformar. Um milítrimo que seja, já é um avanço. Esta consciência crítica que você esboça é a mais importante. Ao escritor não é dado o direito não escrever, de não dizer. Avante, companheiro!!
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