sábado, 12 de fevereiro de 2022

O Mendigo K e o Abaporu, da Tarcila...

"Ce n'est pas seulement la raison des millénaires, c'est aussi leur folie que éclate em nous. Il est dangereux d'être héritier..."

F. Nietzche

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Como já disse em outras vezes, por aqui, depois de um dia chuvoso costuma surgir um amanhecer extraordinário, onde, mesmo para aqueles que não estão em estado maníaco, tudo parece estupendo, harmônico, revolucionário. Onde até os ônibus sucateados que passam poluindo tudo e com gente pendurada nas janelas, têm lá o seu charme...

Na padaria, o mendigo K e mais sete/oito comparsas, apareceram, todos com camisetas iguais, onde se via estampado o Abaporu, da Tarcila. 

Como  está sendo comemorado o centenário da chamada Semana de 1922, esta pintura (apesar de repousar num Museu de Buenos Aires), está sendo incensada (não apenas com intenções comerciais) mas também para tentar levantar a moral de nossos artistas que, salvo uma ou outra majestade, estão à beira da melancolia.

Um pouco antes da moça trazer o café, o Mendigo K, apontando para a pintura na camiseta de sua mulher, questionou: Não te parece estranho que a pintora tenha diminuído a cabeça desse jeito? Veja! Compare o tamanho da cabeça com o tamanho do pé. Estaria insinuando alguma coisa?

E esse pezão? A propósito, o Pezão já foi solto ou ainda está no Bangú IV?

E a mão direita que só apresenta quatro dedos? E as nadegas, que estão a um centímetro do solo? Estaria flutuando? Qual seria o significado disso tudo? E o cactus Mandacaru e aquele sol abrasador? Estaria  fazendo algum tipo de nexo com o sertão e com Lampião, que seria assassinado uns dez anos depois?

Sua mulher, (com os olhinhos virados para cima, naquela expressão típica de sonambulismo místico e de espiritualismo patológico), percebendo sua malignidade, corrigiu: Não, meu amor, não tem nada a ver com nada isso! Como a Tarcila recém havia chegado de Paris, ainda estava impregnada dos plágios, das astúcias e das picaretagens de Picasso e quis fazer algo que lembrasse aquela fantástica cidade; aquelas pâtisseries estupendas, (a Stohrer, em especial) e também o Pensador, de Rodin... Abaporu?! Trata-se de nosso pensador canibal! Pense nesta palavra! É preciso ir à origem das palavras! E veja o tamanho do segundo dedo, um pouco arcado para a direita: esse dedo simboliza o poder feminino e profetizava, não apenas o empoderamento das mulheres, mas também que, um século depois, já na pós-modernidade, num momento neo-ocultista, um sujeito apelidado de Monark, no meio de uma proto-embriaguês, cambaleando para a direita, iria propor  um Partido Nazista aqui nos trópicos antropofágicos... E que seria pisoteado e enrabado pelos chefes de partidos similares (mas com outros nomes e zelosos de seu status quo), durante uma semana... 

Fez um breve silêncio, colocou os dedos nas têmporas e indagou para si mesma: desculpe,.. agora fiquei confusa! Sempre confundo antropofágico com autofágico e com coprofágico... 

 



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