"A vida é moléstia fatal, extraordinariamente contagiosa..."
(Molmes)
Um velho jardineiro público, com o braço esquerdo já trêmulo, mal acabara de transplantar sete ou oito mudas de Sucupira no caminho de nosso cachorro. Ele esperou que o jardineiro se afastasse, cheirou a terra revolta e mijou sobre uma delas.
Quatro meses depois, engoliu um caroço de manga e morreu. Depositamos suas cinzas lá no canteiro daquela sucupira.
Um ano e meio mais tarde, em pleno inverno, eis que ela amanhece prematuramente repleta de flores e que parece saudar-nos sempre que passamos por lá. E mais: sem estarmos alucinandos ou com vestígios de algum misticismo babaca, temos a impressão de ouvir do meio de seus ramos a voz de nosso cachorro que nos indaga:
E aí? Tudo certo? Ainda esperam por Godot, aí nesse mundo patético? E aquela minha coleira? E aquela cadelinha parecida a uma raposa? E as veterinárias que me engambelaram? E arremata: Não pensem que no mundo da botânica, como árvore, o estresse é menor que no mundo da zoologia... Aqui, os jardineiros é que são nossos verdugos... Temos consciência que um dia destes, aparecerá um fdp qualquer para encher-nos de veneno; para meter-nos um trator em cima ou para decapitar-nos com uma foice...
As flores, semelhantes às das cerejeiras, também em efemeridade, nas primeiras horas se voltam sutilmente para a direção do sol... para, um pouco mais tarde, lhe virarem as costas...
Uma ou duas vezes por semana, (ainda não sabemos direito se é por amor ou por culpa), principalmente nestes dias parecidos ao Sahara, vamos lá e despejamos afetivamente uma garrafa de Perrier sobre seus ramos tortuosos e sobre suas subterrâneas raízes...
Foto: Claudia N. Lopes
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