quarta-feira, 28 de julho de 2021

Sobre a visita da Beatrix Von Storch... a suposta neta de um lacaio do Fuhrer...


"Um anão diz: eu sou um gigante que se esqueceu de crescer..."

(anônimo)



 

 Quase na esquina de minha casa fica o boteco onde jornalistas de cinco ou seis jornais se reunem duas vezes por semana para queimar incenso uns aos outros e a seus chefes. Hoje estavam todos lá. Já percebi que se trata de um ritual quase messiânico onde compartilham suas aventuras e bravatas (vividas ou inventadas) de "boêmios"; de sujeitos "descolados", que dormiam nas salas de redação, que comiam as estagiárias, que começaram a escrever com 9 anos de idade; que criaram Cadernos literários inesquecíveis, que entrevistaram uma amiga da Frida Kaho lá no México; que viram os tanques entrarem em Praga, que foram a Berlin registrar a queda do muro e outras lorotas; que conheciam e entrevistavam beldades e milionários... que davam uns toques em LSD de vez em quando, que foram copydesk do bufo & spallanzani e etc., tudo, evidentemente, naquela época em que os jornais eram impressos em papel e ainda tinham alguma importância (um papo muito semelhante ao dos pescadores). 

E, curiosamente, cada um tem memórias quase sagradas do bispo, do politico, do tio ou do mentor que os iniciou na profissão: Ah!, o fulano! Ah, a sicrana! Ah, como éramos o máximo da cultura. Ah, como driblávamos a censura! Ah! Como éramos revolucionários! Foi ele que salvou o jornal tal da bancarrota! Viveu com a mãe até os 53 anos e nas horas vagas era também cineasta e foi até convidado para montar um caderno no N.Y.Times... Histórias mirabolantes (regadas a cachaça e a um autismo sutil encoberto pela erva e pela poesia surrealista) e que, curiosamente, em menos de meio século se dissolveram no ar... 

O papo de hoje girava sobre a Beatrix Von Storch, a deputada alemã que veio fazer uma visita ao governo brasileiro e que causou um frenesi, não apenas na esquerda, mas até mesmo na direita. Entre tragos e memórias, insistiam que a mulher, que parecia mais uma freira que uma nazi, é deputada de um partido neo nazista alemão e que sua recepção no governo foi uma afronta para com a Democracia. Apenas um deles discordava. Tratava-se de um sujeito já jubilado, mas que ainda anda com aquele colete sépia de fotógrafo e com um button da mídia onde passou meio escravo, meio poeta, quase quarenta anos de sua vida. Fazia questão de deixar bem claro que não era anti-semita, muito menos neo-nazista e muito menos ainda Bolsonarista, que era cidadão do mundo e que portanto, defendia o direito de qualquer um, da ideologia, da religião e do sexo que fosse, circular pelo mundo, de pensar o que quisesse e de encontrar-se com quem bem entendesse. Se o avô da tal deputada havia sido um lacaio do Fuhrer, o que é que a neta tinha a ver com isso? Ou agora vamos nos guiar por leis da eugenia? Em tal caso, quem é que definirá o que é eugenia positiva e o que é eugenia negativa? não sejam idiotas! Não usem um instrumento nefasto do próprio Hitler para rotular a visitante. A moça pode ter vindo apenas passear aqui pelos trópicos! Quem é que não sabe que os alemães (e o Papa) consideram isso aqui uma espécie de Octoberfest permanente, quase o País das Maravilhas... Todos, até mesmo os vira-latas a serviço do imperialismo internacional deveriam ser liberados para trotear por onde desejassem. E sem serem importunados e patrulhados por quem quer que seja e por qualquer tipo de milícia religiosa ou pagã.  Extrema-direita? O que é isso? 90% da população não sabe do que se trata. Já vivemos numa ignorância abismal e vamos agora fechar-nos ainda mais sobre nossa miséria? Que venham os da extrema-direita; os da extrema esquerda; os manetas; os apóstolos de Idi Amim; os Mórmons; As testemunhas de Jeová; os gnósticos; os ateus de todo o mundo; os desvairados de todos os hospícios; os parentes próximos da Joana de Castela (a louca); que a história, esse continuo derramamento de sangue, seja contada pelos assassinos, por seus cúmplices, pelas vítimas e também pelo covil dos indiferentes... e que se distribua Hipoglos para os pruridos. Chega de mistificar um passado de horror e canalha que nos emporcalha a todos! E vamos ficar ligados, muito ligados, para que a história não se repita, nem como tragédia, e muito menos como farsa.... Que se abra os portões para os germanos de todos os partidos, (de preferência para os apartidários), para os hititas, para os semitas, os turcos; os armênios; para os astecas, para os ciganos de todas as tribos; para os meus parentes carcamanos; os apátridas e até para os selvagens que (por enquanto) ainda não pretendem impor seu livro sagrado a ninguém... gente que nem sequer sabe direito quem foram seus avós e onde foram gerados. Chega de cultivar fronteiras imaginárias, regar um chauvinismo histórico; uma xenofobia seletiva; uma culpa estúpida e uma melancolia interminável com a qual, querendo ou não, se acabará corrompendo também os arredores. Chega de turbinar uma ilusão pessoal e vingativa e essa corrida decadente cuja linha de chegada, todo mundo conhece: é a demência e a morte. Enfim, chega de toda essa idiotice persecutória e de toda essa babaquice senil!

A uns metros dali, cinco seis mendigos quase em fase terminal, três mulheres e dois homens, chacoalhavam uma sanfona e o esqueleto.


 


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