domingo, 25 de julho de 2021

A beleza das chamas! Em São Paulo... Tocaram fogo na estátua de Borba Gato... A urbe, assustada, ouve atenta a seus miados...

Incendiários! Borba Gato! 
Segundo minha correspondente de São Paulo, foi excitante, quase um orgasmo ver as labaredas lambendo a estátua de ferro daquele bandido... Fotógrafos e jornalistas subalternos, flaneurs, a ralé andarilha, a minúscula burguesia e a marginália desamparada corriam para lá e se enfiavam no meio da fumaça negra em busca de uma petite-aventura, da melhor visão e da mais excitante reportagem... Na penumbra de um michê caindo aos pedaços, ainda dos tempos do Grito do Ipiranga, meia dúzia de putas agnósticas e sonolentas...  cortinas improvisadas com restos de lençóis... Das janelas circunvizinhas e das coberturas em mármore, o pouco que sobra daquela pauliceia desvairada, também espiava pensando vagamente em Adoniran Barbosa enquanto gritava para os bombeiros: Apaga o fogo Mané..Minha correspondente esclarecia: Bazzo, essa pequena média e alta burguesia são os tataranetos, bisnetos, netos e filhos de ladrões tradicionais. Gente que se não fosse o motim que herdaram de seus ancestrais, estariam com seus colchões e cachimbos enfiados na merda das ruas e, nestas geladas noites de julho pernoitando sob as estalactites sombrias do Anhangabaú, no meio de outros milhares de condenados da terra... A turma do crack! Uma protoelite que, na verdade, apesar do teatro, nem se apavora com a fúria das massas, porque sua fortuna não está camuflada apenas dentro de nossas míseras fronteiras. E é até melancólico ver, (depois de grandes crises, quando voltam a reinar, a dar entrevistas e a exibirem-se), o populacho alienado acreditar que é por competência que "ressuscitam" das cinzas como o Fênix...
E a estátua vai estalando em chamas. Gritos.Vândalos! Vândalos! Loucos esquerdistas e filhos do anti-Cristo incendiaram nosso querido Borba! Nosso Gato! Nosso caçador de negros e de selvagens... Estuprador de índias... Meu Deus! Será que descobriram que somos todos Borba Gato!? Nós que nunca deixamos de ir dominicalmente à comunhão e de ser fiéis a Augusto Comte: "O amor por princípio e a ordem por base!". Será que um dia irão tocar fogo também em nossas mansões? Em nossos prédios? Arranha céus? Se queimam até o ferro, imaginem o mármore! E nossas pratarias? Quem são, afinal, os tais piromaníacos da Revolução Periférica? As freirinhas e os pastores da mídia, orientados por seus chefetes, dizem que se trata do lupemproletariado em cólera. Daquela imensa parcela da população que além de blasfemar - como diria Alfred Musset - o único direito que tem é de morrer. Mas então chamem o governador! O Datena! O padre Lancelotti... Essa gente é perversa, só pensa em comida e em emprego! É hora de lembrar de Ravachol! Distribuam pizzas! Cestas básicas! Gás de cozinha, ossos e óleo de soja! Aticem a tropa de choque sobre a turba e protejam os bancos! De longe, do outro lado da cidade se podia ouvir as gargalhadas dos mendigos, o estalar das placas de ferro, o cheiro da espessa fuligem e os miados do velho Gato... O fogo! Meu Deus, por que até o inferno é representado pelo fogo? Se pelo menos fosse pela água, mesmo que fosse a do Tietê, com a merda e tudo o mais que, há décadas, inoculamos lá... Millones de traseiros negros, desnudos como el rostro de Dufaure o de Girardin que esperan les sean enviadas telas para aprender la decência y botelhas de aguardiente y bíblias para conocer las virtudes de la civilización...
Uma daquelas velhinhas, amparadas por seus netos, assistindo às chamas revoltas e aos gritos lembra de algo que leu em A. Strindberg:
O CAÇADOR - De que maneira posso ajudar-te?
O JAPONÊS - Da seguinte maneira: tomarei uma cápsula para dormir e ficarei como morto. Tu, então, me colocarás num caixão que será levado ao crematório.
O CAÇADOR - Mas e se acordares?
O JAPONÊS - É exatamente isso que quero. Por um momento sentirei o poder purificador do fogo. Sofrerei por um breve momento e então sentirei a felicidade imensa da libertação...

 





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